LICENCIAMENTO AMBIENTAL: SIMPLIFICAR OU FORTALECER?*
Participação social em processo de licenças ambientais é
reduzida
Por Sérgio Marcondes**
Há dezenas de iniciativas de
“simplificação” ou “aceleração” do licenciamento ambiental em trâmite nas casas
legislativas do Brasil. Todas elas compartilham a premissa de que o
licenciamento ambiental tem sido um entrave para o crescimento econômico do
país, prolongando e até inviabilizando a implantação de empreendimentos.
A maior parte destas iniciativas propõe
redução de etapas e prazos, adoção de aceitação tácita por parte de órgãos
envolvidos, dispensa de audiência pública e até de EIA/Rima, entre outros. E é
aí que se inicia a fragilidade desta tese. Para que este licenciamento
“simplificado” pudesse atingir seu propósito, seria preciso que seu resultado
fosse tecnicamente impecável e socialmente aceito. Entretanto, considerados os
prazos curtos e a participação social reduzida, o cenário mais provável é de
que os resultados sejam tecnicamente inconsistentes e socialmente questionáveis,
o que leva o licenciamento para o caminho do conflito social e jurídico,
presumivelmente longo.
Os conflitos jurídicos que têm
paralisado licenciamentos recentemente, em sua maioria, apontam insuficiência
de consulta, participação social e fragilidade na identificação dos impactos.
Ademais, as ações judiciais têm se amparado em princípios jurídicos como o do
poluidor-pagador, da precaução e da prevenção e em diplomas legais como o
decreto 5051/04, que garante o direito de consulta aos povos e comunidades
tradicionais. Nenhum destes fundamentos deixa de existir com as iniciativas de
simplificação, ou seja, as subtrações no processo de licenciamento o tornam,
inevitavelmente, mais exposto ao caminho da judicialização.
A solução passa pela contratese de que
o propósito do licenciamento — conferir a um empreendimento o direito de operar
com correção, segurança jurídica e no tempo adequado — só pode ser atingido com
uma reestruturação mais ampla do processo de implantação de empreendimentos,
aproveitando as conquistas do arcabouço legal existente e fortalecendo os
pontos que vêm se configurando como lacunas.
Três pontos precisam ser fortalecidos
prioritariamente:
1 - A necessidade de uma etapa preparatória, anterior ao
licenciamento, onde os governos estudem os conflitos de vocação dos territórios
e gerem diretrizes claras sobre os potenciais de implantação de
empreendimentos;
2 - Qualificação dos estudos aprofundando-se na
identificação dos impactos socioeconômicos e das propriedades cumulativas e sinérgicas
dos impactos;
3 - Ampliação e qualificação dos ambientes e procedimentos
de consulta, participação social e governança.
Com o robustecimento de pontos frágeis
e com o arcabouço legal compreensivo e claro desde o princípio, aumentam as
chances de empreendedores, governos e sociedade dialogarem sobre o
licenciamento dentro de seu próprio processo, reduzindo o potencial de judicialização.
Não parece haver alternativa factível de agregar segurança jurídica, e até quem
sabe agilidade, se não a melhoria da qualidade do licenciamento como caminho
para a redução dos seus conflitos.
*Artigo originalmente publicado no
jornal O Globo em 14/12/2016.
**Sérgio Marcondes é vice-presidente do
Instituto Dialog.
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