RESERVA EXTRATIVISTA CHICO MENDES: CONQUISTA E LEGALIDADE*
Silvana Maria Lessa de Souza**
A Reserva Extrativista Chico
Mendes é resultado da luta dos seringueiros na década de 90 contra o
desmatamento da Amazônia. A permanência da floresta era a garantia dos seus
direitos à terra e a manutenção da sua cultura. Em 12 de março de 1990, o então
presidente da Republica José Sarney concedeu aos extrativistas o direito à
terra assinando o Decreto de Criação da Reserva Extrativista Chico Mendes, a
qual compreende uma área de 970.570 hectares distribuída nos municípios de Rio
Branco, Brasileia, Capixaba, Epitaciolândia, Sena Madureira e Assis Brasil no
Estado do Acre.
A partir de então, se iniciou um
longo processo para consolidar a gestão desse território, criado como um modelo
de reforma agrária diferenciado, respeitando as antigas tradições. Trata-se de
um direito assegurado pela Constituição Federal de 1988 no art. 225: “Todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para a presente e as futuras
gerações”.
No entanto, apenas a criação da
unidade não era a solução de todos os problemas. Era necessário um arcabouço
legal para definir instrumentos e mecanismos para gestão das áreas protegidas.
Em 18 de julho de 2000 surgiu a Lei Nº de 9.985, que instituiu o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que garantiu a criação e gestão das
áreas protegidas.
A criação do SNUC representou um
avanço importante ao efetivar o sistema de áreas protegidas no país,
assegurando a representatividade de porções significativas e ecologicamente
viáveis das diferentes populações, habitats e ecossistemas do território
nacional e das águas jurisdicionais, preservando o patrimônio biológico
existente no Brasil.
A reserva Extrativista Chico
Mendes corresponde em todos os aspectos este direito constitucional
salvaguardado pelo SNUC. Ou seja, sua criação não foi um instrumento politico
partidário, na verdade sua criação simboliza uma mudança na gestão do
território, reconhecendo as especificidades dos habitats e dos povos por eles
ocupados.
A Reserva Extrativista Chico
Mendes tem como estrutura de gestão o Conselho Deliberativo, instância máxima
que é constituído na sua maioria pelas famílias extrativistas que estão
representadas no conselho por 5 cinco associações comunitárias, pelos
sindicatos dos trabalhadores rurais dos 7 municípios de sua abrangência, pelas
prefeituras e também pelo Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS).
Os beneficiários da Reserva são
aquelas famílias herdeiros do processo de luta que resultou na criação da
unidade, ou seja, aqueles que na sua criação residiam na terra. Como toda
sociedade precisa de uma estrutura organizativa, esta área possui regras sobre
o que se pode ou não fazer com objetivo de manter a integridade dos seus
beneficiários e do patrimônio natural existente.
Quando falamos de regras, falamos
do Plano de Utilização da unidade estabelecido de forma participativa pelas
famílias beneficiárias. O plano compreende as formas tradicionais do uso do
território, definindo o que pode ou não se fazer, e também as punições para
aqueles que desrespeitam as regras.
Uma das regras bastante discutida
e polêmica é a criação de animais de grande porte (como bovinos). O Plano não
proíbe a criação de animais (gado), estabelece o tamanho da área para o desenvolvimento
da atividade. Afinal, na cultura tradicional extrativista o gado era criado em
pequena escala. Outro exemplo clássico é a descrição dos tamanhos das unidades
familiares. Seguindo a tradição, o plano estabelece que as colocações devem ter
no mínimo 2 estradas de seringa, o equivalente a 200 hectares.
Quem pode morar na Resex?
Aquele que estava na Reserva no
ato da sua criação, seus herdeiros e sucessores continuaram a morar na unidade.
Quem não pode morar lá? – Os que não são extrativistas, não são beneficiários
da criação da unidade. No entanto, ao longo dos anos, com a entrada de pessoas
sem perfil, como servidores públicos, comerciantes, aposentados do serviço
público, pecuaristas e muitos outros exemplos, alguns problemas se instalaram
no interior da unidade.
Há, inclusive, situações de
pessoas que no ato de criação da unidade foram indenizados, no entanto,
permaneceram indevidamente na área adquirindo ilegalmente mais terras. É
proibido comprar, vender, arrendar, repassar, alugar ou fazer comércio de
qualquer natureza com terras ou áreas de assentamento da reforma agrária, pois
as Resex que são áreas federais. Este tipo de comércio é crime e pode levar à
prisão.
Segundo o censo realizado em 2009
pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes da Biodiversidade), na Resex em referência
vivem 1876 familiais, entretanto, considera-se que esse número é maior, de
2000, pois houve famílias que por diferentes situações ficaram sem responder o
cadastro.
A reserva é um grande território
com uma população de aproximadamente 10 mil pessoas e gerir este território não
é uma tarefa fácil. Cabe ao ICMBio realizar a gestão do território. Ou seja,
promover o diálogo em todas as esferas sociais, econômicas e ambientais com
objetivo de articular em prol da melhoria da qualidade de vida das familiais
residentes; e proteger os recursos naturais da importante floresta,
principalmente as castanheiras responsáveis pela produção de 40% da castanha produzida
pelo Estado do Acre.
Cabe também ao órgão, com apoio
das Associações comunitárias, realizar o monitoramento do Plano de Utilização,
saber ou não se este instrumento esta sendo respeitado pelos seus usuários. As
penalidades para os crimes ambientais estão amplamente embasados na Lei de
Crimes Ambientais, Lei 9.605/98 e Decreto 6.514/08 que a regulamenta,
instrumento que subsidia os autos de infração.
Violações
Os cidadãos extrativistas estão
tendo seus direitos violados pelos pecuaristas, que, quando não se instalam no
interior da unidade, incentivam o desmatamento a partir do arrendamento de
áreas para pastagem, negociadas por proprietários que criam de mil a duas mil
cabeças de gado. Estamos tratando de aspectos legais que precisam ser respeitados.
Precisamos construir políticas que permitam que todos os cidadãos brasileiros
tenham acesso aos seus direitos, sejam eles extrativistas, comerciantes,
pecuaristas, pescadores, sem distinção.
A Resex é uma área de uso dos
extrativistas que pertence a união com direito de usufruto exclusivo.
Infelizmente as regras e legislação constituídas para proteger as áreas em toda
a sua essência, não são respeitadas e desagradam muito gente.
Os problemas enfrentados na
unidade são muitos, mas o principal desafio é construir uma informação correta
da realidade da Resex, para utilizá-la como referência de desenvolvimento
social e ambiental. Para isso é necessário manter políticas públicas que
valorizem os cidadãos e seu território, reconhecendo seus direitos, deveres e
suas especificidades. É preciso um instrumento que traga para o debate a
verdadeira missão da floresta, defendida em todas as esferas governativas, no
esforço coletivo para entendermos qual o melhor caminho. Afinal esta imensa
área de floresta tem um grande valor social e econômico para o Estado e os
municípios de sua abrangência.
Negócio errado
Um dia uma senhora de nome
Otília, de 60 anos, procurou ajuda para denunciar uma situação que vivia na sua
colocação. Corajosamente, ele denunciou a esposa de um policial civil. A
senhora Otília havia trocado sua casa na cidade por 40 hectares de terra no
interior da Resex. Além da casa, ela assinou como parte do pagamento algumas
notas promissórias e todos os meses o esposo policial passava para receber o
dinheiro. A intenção de Otília era viver num lugar tranquilo, longe da vida de
cidade. Mas um dia, ela recebeu na sua casa a visita de uma equipe que fazia
trabalho de campo e descobriu que sua colônia ficava dentro da Reserva Chico
Mendes. Aflita, procurou a esposa do policial para desfazer o negócio, mas
sentiu que correria sérios riscos ao insistir. Corajosamente procurou ajuda do
escritório do ICMBio, onde compreendeu que a terra que havia comprado pertencia
à Reserva Extrativista Chico Mendes.
Este é um exemplo de muitas das
estórias vividas pela unidade, é necessário ter muita habilidade para não
deixar que algumas pessoas lhe convençam de uma falsa verdade. O caminho é
construir um diálogo e trazer para o debate a verdadeira missão da floresta.
Afinal esta imensa área de floresta tem um grande valor social e econômico para
o Estado e os municípios de sua abrangência. E quem adquiriu o direito de
desfrutá-la obedecendo regras.
O censo realizado em 2009 mostra
que 90% das famílias extrativista afirmam ser a Reserva Extrativista Chico
Mendes o lugar no qual querem continuar a viver.
*Artigo originalmente publicado
no jornal Página 20 em 09/12/2016.
* Silvana Lessa é Analista Ambiental
e foi chefe da Resex Chico Mendes.
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