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25 agosto 2020

PRODUÇÃO DE SOJA NO ACRE: SEM PLANEJAMENTO, O FRACASSO VIRÁ RÁPIDO*

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Na semana passada (14/02/2020) a Secretaria de Produção e Agronegócio do Estado promoveu um “Dia de Campo” para celebrar o início da colheita de soja em 2,2 mil hectares de uma propriedade rural no município de Capixaba.

A presença do governador Gladson Cameli (PP) e do vice Major Rocha, e de políticos como o senador Sérgio Petecão (PSD-AC), serviu para passar mensagem clara à sociedade acreana de que o plantio desta cultura não será mais “brecado” pelo estado.

A celebração parece que foi excessiva considerando que o plantio e a colheita de soja no Acre não são algo inédito. Por outro lado, fez falta a apresentação de um plano detalhando o futuro do plantio de soja no Acre. Sem ele o fracasso da cultura no Acre é certo. E não será pela falta de locais apropriados de cultivo, como veremos adiante.

Excessivo também foi o tratamento injusto dado a governos anteriores, “pintados” erroneamente como inimigos do agronegócio no Acre. Uma rápida revisão histórica e veremos que tentativas de incentivar o agronegócio por aqui Acre remontam aos tempos da ditadura militar.

Hoje o Acre não é uma “potência” na produção de borracha oriunda do cultivo de seringueiras por questões técnicas (mal-das-folhas, doença causado por fungo) e incêndios suspeitos que dizimaram a maioria dos plantios. Isso aconteceu nos anos 70 e 80 na vigência dos Programas de Incentivo à Produção de Borracha Vegetal (Probor), desenvolvidos com recursos federais subsidiados.

O erro do Probor foi que além de financiar os plantios, ele também garantia aos produtores contemplados um seguro que cobria a dívida em caso de destruição acidental dos mesmos. E o fogo foi a causa comum à maioria dos “acidentes” que ocorreram com os plantios.

Esse fracasso inicial não impediu que governos estaduais posteriores, com ou sem apoio do governo federal, tentassem atrair para o Acre grandes empreendimentos agrícolas, ou formassem empresas predominantemente estatais para dar “start” nos negócios.

A “Alcoobrás” (sucedida pela “Alcoverde”) tentou fazer da região leste do Acre um grande polo produtor de etanol na Amazônia brasileira. Fracassou por incompetência exclusiva de seus gestores e proprietários e não deixou qualquer legado para o agronegócio acreano.

O mesmo aconteceu com a “Peixes da Amazônia S.A.”, criada em 2011 com capital misto (governo do estado e investidores particulares) para beneficiar pescado oriundo de milhares de produtores locais contemplados com a construção de tanques para criação e engorda de peixes.

Apesar de boa infraestrutura e plano de negócios bem elaborado, o fato de ser estatal condenou a “Peixes da Amazônia” ao fracasso. Seu legado, entretanto, poderá ser retomado pelo setor privado, considerando o potencial de produção representado pela infraestrutura de criação existente no estado. 

Em relação à soja, “a bola da vez” no fracassado histórico do agronegócio acreano, a falta de um plano detalhado para garantir a sua sustentabilidade no Acre poderá levar o cultivo da mesma ao fracasso.

O Acre, como sabemos, faz parte da Amazônia. E na Amazônia vigora desde 2006 uma moratória que impede a expansão do cultivo da soja. A moratória foi criada em razão de um relatório do Greenpeace (“Eating up the Amazon”), que apontou a expansão da soja como um grande vetor de desmatamento na Amazônia.

A ação do Greenpeace obrigou consumidores de soja europeus a assumirem posições firmes frente à cadeia de produção na Amazônia, impondo aos comercializadores da soja brasileira o estabelecimento de meios para eliminar o desmatamento da cadeia de fornecimento.

Em julho de 2006, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) assinaram a “Moratória da Soja” se comprometendo a não adquirir soja oriunda de áreas desmatadas a partir daquela data. Inicialmente válida por dois anos, atualmente a moratória da soja não tem prazo de validade.

Um resultado prático dessa moratória voluntária por parte dos potenciais compradores da soja que vier a ser produzida no Acre é que todas as áreas desmatadas no estado a partir de 2006, equivalentes a cerca de 440 mil hectares segundo dados do INPE, não poderão ser incorporadas à produção dessa leguminosa no Acre.

Por isso é importante que as autoridades estaduais tenham um plano detalhado deixando claro quais áreas podem produzir soja no Acre. Esse controle tem que ser rígido, sob pena de a produção oriunda de áreas não autorizadas “comprometer” a comercialização das “áreas livres”, penalizando produtores que parecem dispostos a investir milhões de reais na compra de equipamentos e insumos.

Segundo o Zoneamento Ecológico e Econômico do Acre de 2010, as áreas com maior potencial de produção de soja no Acre estão localizadas entre os municípios de Capixaba, Plácido de Castro e Senador Guiomard. Lá o relevo é plano e o solo fértil e resistente à erosão. Sem contar que o desmatamento foi feito entre os anos 70 e 90. Fora, portanto, das áreas inclusas na moratória.

Parece simples conduzir esse processo de orientar e fomentar a produção de soja “legal” no Acre não é mesmo? Não torço contra, mas tenho minhas dúvidas que essa aparente simplicidade venha a ser imposta de forma tão fácil.

Se não houver pulso firme por parte das autoridades e gestores do nosso agronegócio, e produtores gananciosos resolverem fazer “ouvidos de mercador” às exigências ambientais impostas pelos compradores da soja produzida na Amazônia, a soja será rapidamente incorporada ao histórico de fracassos do agronegócio acreano.

*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 18/02/2020.