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24 agosto 2020

SEMEADORES DE FLORESTAS

Alceu Ranzi ** e Evandro Ferreira ***


Entre tantos atributos das florestas do Acre, destaca-se um que merece comentários e atenção. Trata-se da importância dos macacos na manutenção das nossas florestas.

No Reino Animal os macacos são os parentes mais próximos dos humanos, com quem compartilham, em alguns casos, 99% dos genes. Quem afirma esse parentesco é a genética, para horror dos criacionistas que se consideram descendentes de Adão e Eva. Nós humanos, junto com os macacos, pertencemos ao grupo dos Primatas. Darwin inferiu a origem primitiva comum de homens e macacos. Esta briga é velha!

O Estado do Acre é considerado um “hot spot” para muitos grupos vegetais e animais. Com relação aos Primatas não humanos, o Acre ocupa um lugar de destaque. Um verdadeiro ‘Planeta dos Macacos’. Aqui são encontradas cerca de 22 das quase 130 espécies de macacos que ocorrem no Brasil.

Vamos nomear e qualificar os que nos parecem ser os mais conhecidos primatas da nossa terra. Alguns deles podem ser vistos no Mini Zoológico do Parque Ambiental Chico Mendes, mantido pela Prefeitura Municipal de Rio Branco.

Talvez o guariba ou capelão (nome científico: Alouatta seniculus) represente bem o grupo. Os guaribas são conhecidos pelo seu “ronco” que saúda as alvoradas e o pôr-do-sol. O ronco dos guaribas, que pode ser ouvido até 5 km de distância, é produzido em uma caixa de ressonância na sua garganta e quem ouviu jamais esquece! Esta caixa de ressonância é recomendada pelas “rezadeiras” para ser utilizada como copo para beber água: quem bebe água no gogó do guariba não terá problemas de garganta.

Outra estrela dos primatas não humanos do Acre é o macaco aranha (Ateles chamek). O aranha ou macaco preto é exímio em utilizar a cauda como um quinto membro enquanto se desloca pelos galhos das árvores. Ele é muito curioso e destemido e nas matas em que ainda ocorre costuma vir bem perto balançar galhos das árvores para ‘amedrontar’ e expulsar os invasores do seu território. Por isso é quase sempre o primeiro a ser eliminado pelo seu parente Primata humano. Sua presença na mata indica que a floresta foi pouco mexida, indicando que a caça no local é em geral abundante.

No grupo dos maiores, junto com o guariba e o aranha, está o macaco barrigudo (Lagothrix lagothricha). O barrigudo é considerado preguiçoso e quando criado em casa, com os humanos, gosta muito de se embalar em uma rede.

Os guaribas, como de resto todos os outros macacos de grande e médio porte, são abatidos aos milhares em toda a Amazônia para suprir os humanos de proteína animal. Só escapam os que não valem um tiro! Uma iguaria da cozinha regional – olhe o IBAMA pessoal! – é a carne de macaco ao leite da castanha. Mas se for para levar em uma viagem, é preferível “moquiar” os bichos.

Apesar de todas as espécies de macacos serem especiais, existem os mais-mais. Entre os mais especiais e pouco conhecidos no Acre, está o macaco cara-de-sola (Cacajao calvus), que no Acre ocorre apenas no Parque Nacional da Serra do Divisor, nas várzeas do Rio Moa e afluentes. O nome cara-de-sola deriva do fato de sua região facial, fronte e parte anterior do crânio ser desprovidas de pelos. Sua cauda é “cotó” (curta) e geralmente andam em grupos de até 50 animais.

Mais-mais também é o sagui-branco do Juruá (Saguinus sp.). Já imaginou a maravilha de ver um bando de macaquinhos brancos pulando na copa das árvores. Os soins brancos podem ser vistos ao longo do rio Juruá e de afluentes seus como o Tarauacá, Gregório, Muru e Envira. Poderiam ser considerados duendes da floresta.

Um dos macacos mais inteligentes e por isso muito utilizado em Laboratórios de Psicologia é o conhecido macaco-prego (Cebus apella). Além de inteligente, se diz que ele é muito libidinoso e na presença de humanos do sexo feminino costumaria ficar com o pênis ereto. Para encerrar a história do macaco-prego, lembramos que no Acre são duas espécies de macaco-prego, o cairara (Cebus albifrons) e o prego propriamente dito. Uma espécie que pode andar em bandos mistos com os macacos pregos e os cairaras é o macaco de cheiro (Saimiri boliviensis).

Uma espécie que só ocorre no Acre e sul do Amazonas chama a atenção pelo seu bigodão branco: o bigodeiro. Por causa do bigode este macaquinho recebeu o nome científico de Saguinus imperator. Os Saguinus são vários, imperator só o bigodeiro.

Nas florestas do Acre vive também o segundo menor macaco do mundo, pesando cerca de 100 g. Este é o leãozinho ou leão-de-taboca (Cebuella pygmaea). Dizem que algumas mulheres costumam esconder o leãozinho em sua cabeleira, ao mesmo tempo que recebe abrigo, o macaquinho vai limpando as lêndias e catando os piolhos.

A lista dos macacos do Acre é maior. Só para citar mais alguns: o zogue-zogue (Callicebus spp.), o parauacu (Phitecia spp.) e o macaco da noite (Aothus nigriceps).

Em um Estado que em passado recente adotava o lema “Governo da Floresta”, além das plantas, os macacos também devem ser protegidos. Afinal os macacos são os plantadores de árvores. Primeiro se alimentam dos frutos e depois, andando pelas copas, semeiam a floresta, deixam cair ou defecam longe das árvores mães as sementes. Na floresta em pé os macacos devem estar presentes para perpetuar o ciclo natural.

Alguns dos macacos aqui citados podem ser observados, em grandes e iluminados recintos, no Parque Ambiental Chico Mendes. Dos maiores, o macaco-prego, o aranha e o preguiçoso barrigudo. Dos pequenos, o bigodeiro, o de cheiro e leãozinho.

Sugerimos uma visita ao Parque Chico Mendes para ver de perto alguns dos macacos semeadores de nossas florestas.

Para saber mais:

Calouro, A.M., Souza, L.A.M., Marciente, R., Cunha, A.O., Faustino, C.L. Bichos na Escola – Os primatas. UFAC e Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Rio Branco, 2008.

Fonte da imagem: Armando M. Calouro, Júlio César Bicca-Marques & Anthony B. Rylands. Avaliação do Risco de Extinção de Alouatta juara Elliot, 1910 no Brasil. In: ICMBIO, Fauna Brasileira, Estado de Conservação, 2012. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/portal/faunabrasileira/estado-de-conservacao/7183-mamiferos-alouatta-juara-guariba-vermelho

*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 23/07/2018

**Alceu Ranzi é paleontologista, ex-professor da Universidade Federal do Acre.

***Evandro Ferreira é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA.