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27 novembro 2005

A EXPLORAÇÃO DA PALMEIRA PIAÇAVA NO VALE DO RIO JURUÁ, ACRE

UMA ESPÉCIE PROMISSORA PARA A PRODUÇÃO DE FIBRAS VEGETAIS












Evandro J. L. Ferreira - Doutor em Botânica pela City University of New York e o The New York Botanical Garden, Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA, Núcleo de Pesquisas do Acre, BR 364, km 4, Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre, CEP 69.915-900, Rio Branco-AC, Brasil. evandroferreira@yahoo.com

Introdução

Piaçava é um nome de origem tupi que significa “planta fibrosa” e tem sido usado para designar pelo menos três espécies diferentes de palmeiras nativas do Brasil cujas fibras servem para a confecção de vassouras. No Acre, na região do vale do rio Juruá, ocorre uma dessas espécies. Cientificamente conhecida como Aphandra natalia (Balslev & Henderson) Barfod, as fibras foliares desta palmeira têm sido tradicionalmente utilizadas para a produção artesanal de vassouras pelas comunidades de seringueiros, ribeirinhos e indígenas daquela região.

Além da piaçava, a produção de vassouras no vale do Juruá também é feita regularmente com as raízes de uma epífita da família Araceae, conhecida popularmente como “cipó titica” (Heteropsis flexuosa) e com as raízes de uma hemi-epífita da família Cyclanthaceae, conhecida como “cipó timbó” (Thoracocarpus sp.). Entretanto, a piaçava é a maior fonte de matéria-prima para a produção de vassouras naquela região em razão da sua abundância e da grande quantidade de fibras que cada palmeira produz.

Além do Acre, Aphandra natalia também pode ser encontrada na Amazônia peruana e no Equador (Henderson, 1995; Henderson et al., 1995). Neste último país tem sido explorada intensivamente e se constitui na principal fonte de fibras naturais usadas pelas indústrias de vassouras (Balslev & Barfod, 1987; Pedersen & Balslev, 1990; Barfod, 1991; Pedersen, 1992; 1996).

Aspectos botânicos da piaçava acreana

A piaçava acreana é uma palmeira pertencente à subfamília Phytelephantoideae (Uhl e Dransfield, 1987) e foi inicialmente descrita no gênero Ammandra (Balslev e Henderson, 1987), a partir de amostras botânicas coletadas no Equador. Posteriormente ela foi transferida para Aphandra, um gênero monotípico criado por Barfod (1991).

Este gênero é filogeneticamente relacionado com Phytelephas, que inclui a palmeira conhecida no Acre como jarina ou marfim vegetal. Tanto a piaçava como a jarina são espécies dióicas e possuem a infrutescência com formato irregular e sementes que se tornam extremamente endurecidas quando os frutos amadurecem.

A piaçava acreana é uma palmeira caulescente cujo estipe solitário atinge entre 3-11 m de comprimento e até 22 cm de diâmetro. As plantas adultas possuem entre 10 e 20 folhas com bainhas fibrosas nas margens. O pecíolo mede até 2,5 m de comprimento e é densamente coberto por escamas marrons na face abaxial. Cada folha possui entre 90 e 120 pinas de cada lado da raque central. As pinas têm forma linear, são regularmente arranjadas e dispostas em um mesmo plano.

As inflorescências masculinas e femininas são intrafoliares, porém muito distintas morfologicamente. As masculinas são pêndulas e alongadas, medindo até 2 m de comprimento. A raque possui entre 200 e 300 raquilas onde se desenvolvem as flores estaminadas. As inflorescências femininas são eretas e curtas, com no máximo 50 cm de comprimento.

A raque é desprovida de raquilas e as flores pistiladas, em número de 25 a 40, desenvolvem-se diretamente na superfície da raque. As flores estaminadas possuem entre 200 e 300 estames e têm o perianto muito reduzido. As flores pistiladas possuem tépalas alongadas e 6 a 8 estigmas com até 4 cm de comprimento. Cada infrutescência possui cerca de 30 frutos densamente arranjados no ápice da raque, dando a esta uma forma de clava. Os frutos possuem forma irregular, com projeções lenhosas proeminentes de formato piramidal na porção distal.

Distribuição geográfica e Habitat

No Brasil, a piaçava acreana só foi encontrada na região acreana do vale do rio Juruá. Nesta região a espécie ocorre nas bacias dos rios Môa e Juruá. Na primeira, ela já foi observada ao longo dos rios Môa e Azul. Na segunda, a distribuição é mais ampla, tendo sido encontrada ao longo do rio Juruá e de numerosos tributários seus, dentre os quais podem ser citados os rios Juruá-Mirim, Grajaú, das Minas, Cruzeiro do Vale, Tejo, Bagé e Amônea, além dos igarapés Ouro Preto, São Luiz, Arara e Paratarí.

A piaçava acreana cresce no sub-bosque de florestas primárias, em florestas secundárias e em pastagens (Pedersen, 1992). No Acre, entretanto, ela só é encontrada no sub-bosque de florestas primárias de terra firme, onde costuma formar pequenas populações naturais bem densas e isoladas. O padrão de distribuição destas populações naturais é completamente irregular e parece que o único fator que afeta esta distribuição são as regiões alagadiças, onde a espécie nunca ocorre.

As principais espécies produtoras e o mercado de fibras de piaçava no Brasil

Em outras regiões do Brasil o uso de fibras de palmeiras para a produção artesanal e industrial de vassouras, escovas, capachos, cordas, espanadores e outros utensílios de uso doméstico é uma importante atividade econômica. Embora muitas palmeiras nativas produzam fibras com potencial para aproveitamento artesanal e industrial, apenas a piaçava da Bahia (Attalea funifera) e a piaçava do Amazonas (Leopoldinia piassaba) são exploradas e têm suas fibras regularmente comercializadas no mercado brasileiro.


A produção nacional de fibra de piaçava tem girado em torno de 95.100 toneladas anuais e sua comercialização movimenta valores que variam entre R$ 119 e 124 milhões a cada ano (IBGE, 2002; 2003). O mercado interno consome 94,4% de toda a produção nacional e o restante é exportado por preços que variam entre U$ 2,8 e 3 mil por tonelada (Novaes, 1988). Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro são os maiores consumidores nacionais e monopolizam a distribuição da fibra semi beneficiada (em fardos de 60kg) para indústrias localizadas em outras regiões do país.

A espécie produtora mais importante do Brasil é a piaçava da Bahia, que responde por cerca de 90% da produção nacional. Esta só ocorre naturalmente na região nordeste do Brasil, nos estados da Bahia, Sergipe e Alagoas (Henderson et al., 1995). Entretanto, quase toda a produção de piaçava desta região é oriunda da Bahia, tendo como principais pólos produtores os municípios de Cairu, Nilo Peçanha e Ilhéus. A produção, no entanto, tem diminuído nos últimos anos porque as populações naturais da espécie estão sendo, gradativamente, destruídas pelos desmatamentos ilegais (Moreau, 1997).

A hegemonia mercadológica das fibras da piaçava da Bahia decorre da alta qualidade das mesmas pois apresentam grande rigidez, bom comprimento e excelente diâmetro. Tendo sido a primeira a ser explorada e popularizada no mercado brasileiro, foi a base para a elaboração da legislação que trata da classificação da fibra beneficiada no Brasil (Decreto Federal No. 5.739 de 29 de maio de 1940).

A piaçava do Amazonas ocorre naturalmente na região do médio e alto rio Negro, tendo como principal pólo produtor a cidade de Barcelos. O potencial produtivo desta região é imenso mas, infelizmente, a qualidade natural das fibras desta espécie não permite que a mesma ameace a hegemonia da piaçava da Bahia no mercado nacional. Apesar de compridas, as fibras da piaçava amazonense são muito flexíveis e finas.

Extrativismo: importância, fragilidades e potencial no Acre

Pode-se creditar aos extrativistas o fato do Acre possuir apenas 10% de sua área desmatada (ACRE, 2000). Embora o número aparente ser elevado, existe um consenso no Acre que a situação poderia ser mais grave se tivesse ocorrido no Estado o mesmo tipo de colonização predatória e desordenada que aconteceu em Rondônia. Isto só não aconteceu no Acre graças à persistência e resistência econômica e política dos extrativistas acreanos, liderados durante muitos anos pelo sindicalista Chico Mendes.

Ainda hoje, o extrativismo é uma importante atividade econômica no Acre e a história sócio-econômica do Estado está intimamente ligada à atividade desde o início da sua ocupação, em meados do século XIX. Há mais de cem anos os extrativistas vêm realizando a exploração sustentada de seringueiras (Hevea brasiliensis) e castanheiras (Bertholletia excelsa) nativas. Mais recentemente, tem se verificado o incremento do manejo sustentado da exploração de madeira no Estado. Embora cause danos à floresta, esta atividade é menos prejudicial que o corte raso adotado por ocasião da transformação da floresta em campos agrícolas e pastagens.

Apesar do extrativismo ter contribuído de forma positiva no balanço ambiental do Estado, as crises cíclicas a que estão sujeitos este sistema têm, paulatinamente, esvaziado e descaracterizado as comunidades tradicionais. O maior problema é que muitos sistemas extrativistas dependem da comercialização de um número limitado de produtos para o mercado. Quando os preços destes produtos caem abaixo do custo de produção, os extrativistas buscam alternativas não extrativistas para a sua sobrevivência.

No Acre já se observou uma tendência de pecuarização das Reservas Extrativistas (Souza, 2001). Outra tendência, é um marcante incremento das atividades agrícolas tradicionais na maioria das áreas extrativas. Ambos os casos citados têm produzido impactos negativos na preservação da floresta. No vale do Juruá, onde este trabalho foi desenvolvido, a sobrevivência da maioria das famílias extrativistas nos últimos anos pode ser creditada à produção e comercialização de farinha de mandioca.

Estas fragilidades do extrativismo têm levado alguns teóricos a apontar, com base na teoria econômica neoclássica, que a atividade extrativista caminha para uma inevitável extinção (Homma, 1993). Segundo eles, a prática de manejo ideal, do ponto de vista biológico, não apresenta viabilidade econômica. Algumas vezes, a produção do bem elimina o objeto de produção (extrativismo por aniquilamento), em outras, a maximização da produção, em curto prazo, esgota o recurso a médio ou a longo prazo (extrativismo de coleta). A busca do equilíbrio poderia ser alcançada apenas se o ritmo de extração fosse igual ao da regeneração do recurso, mas certos fatores econômicos tornam o manejo insustentável (Rêgo, 1999).

Independente dos problemas enfrentados pelo sistema extrativista tradicional, o advento de novas tecnologias de exploração e beneficiamento de produtos florestais traz alento a esta atividade. Até mesmo na área de comercialização existem boas perspectivas para os produtos oriundos de sistemas extrativistas que causem baixo impacto ao meio ambiente. O aparecimento do “mercado solidário”, por exemplo, vai ser mais um dos fatores que, cedo ou tarde, ajudarão na consolidação do sistema extrativista como a melhor alternativa para desenvolver a Amazônia sem destruí-la.

Problemas afetando o extrativismo de piaçava no Acre

Embora a extração, confecção artesanal e comercialização de vassouras de piaçava no vale do Juruá sejam praticadas há mais de 50 anos, a atividade nunca atingiu uma importância econômica que justificasse a sua caracterização como um “ciclo” distinto na história da exploração extrativista da região. Uma das principais razões para isso é o histórico isolamento, em relação aos mercados potenciais para as vassouras e as fibras, das regiões onde a palmeira ocorre naturalmente.

Até hoje não existe uma ligação terrestre perene entre o vale do Juruá e o vale do Acre, as duas macro-regiões economicamente mais importantes do Estado. Também não existe ligação fluvial viável entre essas regiões porque todos os rios do Acre deságuam no rio Solimões. Esse isolamento forçado fez com que a atividade sempre fosse praticada em baixa escala tendo em vista que o mercado representado pela cidade de Cruzeiro do Sul, o maior centro urbano da vale do Juruá, não é suficientemente desenvolvido para absorver um grande volume de vassouras.

Embora exista uma clara tendência de justificar a não expansão do extrativismo da piaçava acreana ao isolamento das áreas de produção em relação ao mercado, a verdade é que a resposta pode estar em outros componentes da cadeia produtiva. Como se sabe, as fibras são produtos não perecíveis e podem ser armazenadas e/ou transportadas por longos períodos, se adequadamente protegidas da umidade excessiva. É importante, portanto, investigar o papel de cada um dos atores envolvidos no processo, os produtores, atravessadores e comerciantes para entender quais deles representam o maior obstáculo para a expansão da atividade.

Outro aspecto que necessita ser melhor investigado é o papel do estado como fomentador da atividade, tanto sob o ponto de vista da organização comunitária, quanto financeiro. Sabe-se que pelo menos uma linha dedicada exclusivamente ao extrativismo (PRODEX) foi estabelecida pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com o Banco da Amazônia (MMA). Isso significa dizer que, em teoria, existe crédito disponível para financiar a atividade. É importante saber se as comunidades extrativistas da região estão usando este crédito e se o mesmo está produzindo algum impacto positivo ou negativo. Se o crédito não está chegando aos extrativistas, é preciso saber o que tem causado isso para se propor uma solução para a superação do problema.

Do ponto de vista da qualidade, as fibras da piaçava acreana são fisicamente bastante similares (diâmetro e cor) às da piaçava do Amazonas. Isto indica que, teoricamente, o potencial de mercado para as fibras da piaçava do Acre é o mesmo que o desta última espécie. Neste aspecto, um fato marcante é que algumas indústrias de vassouras instaladas na cidade de Rio Branco não usam fibras da piaçava do Acre. Elas importam fibras do Amazonas e da Bahia. Segundo alguns dos proprietários destas indústrias, isto ocorre porque existe oferta e preço adequado destas fibras. Este fato indica que a não utilização da fibra acreana parece ser decorrente da inexistência de oferta, ou seja, não existe um sistema de comercialização ofertando ativamente fibras e vassouras produzidas a partir da piaçava acreana.

Breve descrição do processo de extração e beneficiamento das fibras da piaçava acreana

As fibras da piaçava acreana explorada no vale do Juruá são usadas exclusivamente para a confecção de vassouras vendidas na própria região. A coleta das fibras é uma atividade predominantemente masculina. As fibras são retiradas da região que vai do ápice da bainha até a metade do pecíolo foliar e folhas apropriadas para a coleta geralmente possuem um novelo de fibras facilmente observáveis desde o chão.

A extração das fibra é feita manualmente e não requer o corte das folhas. O coletor tem que subir na palmeira até a altura das folhas. Para isso, ele usa uma escada rudimentar feita no local com troncos de pequenas árvores encontradas nas proximidades. A seleção das plantas a serem coletadas é feita visualmente e o coletor leva em consideração a quantidade de folhas em cada planta e a quantidade de fibras em cada folha.

Dependendo da altura e da quantidade das folhas, um extrator leva entre 20 e 30 minutos para coletar as fibras de uma única palmeira. Neste rítmo, é possível coletar entre 10-15 plantas por dia, resultando em uma produção de 1,5-4 kg de fibras. Cada planta pode ser explorada somente duas vezes ao ano.

Ainda na floresta, são eliminadas as fibras mais finas, impossíveis de usar na confecção de vassouras, e feito o descarte de porções semi-lenhosas que permaneceram aderidas à massa de fibras. Depois disso as fibras selecionadas são amarradas em fardos de cerca de 15kg e transportadas para a residência do extrator. Neste local é feito um novo beneficiamento, que consiste na limpeza e padronização do comprimento e diâmetro das fibras usando pentes de pregos ou de plástico. Às vezes é necessário bater as fibras com uma peça de madeira roliça.

No final as fibras beneficiadas são arranjadas em pequenos fardos com 10 kg de peso e 60cm de comprimento. Nessa condição elas podem ser usadas imediatamente ou depois de vários meses se armazenadas em lugar seco e protegido da luz solar.

As fibras selecionadas nesta etapa são amarradas na forma de fardos com peso aproximado de 15 kg ou às vezes maiores, dependendo do tipo de transporte a ser usado pelo extrator. Preparadas dessa forma, as fibras são transportadas para a residência do extrator. Neste local as fibras são submetidas ao beneficiamento final, que consiste na limpeza e padronização do comprimento e diâmetro. Para isso o extrator passa as fibras diversas vezes em um pente de pregos ou pente comum de plástico, e para facilitar esse processo, às vezes é necessário bater as fibras com uma peça de madeira roliça. No final desta etapa as fibras são arranjadas em pequenos fardos com 10 kg cujas pontas são aparadas de forma que cada um deles tenha um comprimento aproximado de 60 cm. Nessa condição as fibras podem ser usadas imediatamente ou podem ser armazenadas durante vários meses em lugar seco e protegido da incidência direta da luz solar.

Produção artesanal das vassouras

A confecção de vassouras é um processo artesanal, na maioria das vezes executado pelas mulheres. Para ficar flexíveis, as fibras são colocadas de molho durante 3-6 horas e depois são parcialmente secas à sombra durante 1 hora para tornar as fibras flexíveis, uma condição imprescindível durante a confecção das vassouras, como será possível observar mais adiante. Depois de retiradas da água, as fibras são parcialmente secas à sombra durante 1 hora e após isso elas estarão prontas para serem cortadas no tamanho requerido pelo tipo de vassoura que vai ser confeccionada.

A confecção consiste em duas etapas distintas. A primeira é o preparo da “cabeça” onde as fibras deverão ser fixadas. Estas “cabeças” são confeccionadas artesanalmente com fibras de cipó titica (Heteropsis flexuosa). A segunda etapa consiste na montagem das fibras na “cabeça”. Para isso é necessário dobrar as fibras na porção mediana e amarrar as mesmas na “cabeça” usando fibras de titica. Caso as fibras não sejam flexíveis o suficiente ou estejam muito secas, existe a possibilidade das mesmas quebrarem, tornando-as inúteis. Cada vassoura usa cerca de 400 g de fibras e demora cerca de 20 minutos para ser confeccionada. No Equador (Pedersen e Balslev, 1990), 1 kg de fibras é suficiente para a confecção de quatro a seis vassouras.

Comercialização

O principal centro consumidor para as vassouras produzidas no vale do rio Juruá é a cidade de Cruzeiro do Sul. A aquisição de vassouras nas regiões produtoras é quase sempre realizada por comerciantes conhecidos localmente como regatões. Os regatões viajam em barcos ao longo dos rios vendendo produtos industrializados, como alimentos, roupas e sapatos, e adquirindo a produção agrícola e extrativista das populações ribeirinhas para revender no mercado de Cruzeiro do Sul. Como a maioria deles não tem estabelecimento comercial fixo naquela cidade, o papel que exercem é meramente intermediário.

As vassouras são adquiridas em dúzias, e muitas vezes um regatão chega a comprar mais de 1.000 dúzias em uma única viagem. Em 2005 o preço pago por cada vassoura nas regiões produtoras era de R$ 0,50-R$ 0,70 dependendo da qualidade da fibra usada e do acabamento final da “cabeça”. As vassouras mais ornamentadas ou pintadas geralmente são vendidas a preços mais altos. Na maioria das vezes, entretanto, as vassouras são trocadas por produtos industrializados, não sendo necessária a realização de transação com uso de dinheiro.

Muitas vezes, as vassouras trazidas pelos regatões são encomendas feitas por comerciantes de Cruzeiro do Sul. Nas vezes em que isto não acontece, “olheiros” fazem a intermediação entre os regatões e os comerciantes estabelecidos no mercado municipal. Nestes estabelecimentos o preço da vassoura fica mais caro no período da seca e mais barato na cheia dos rios. Em 2005 o mesmo variou entre R$ 2,50 a unidade em janeiro, até R$ 4,00 no início do período seco, pouco antes da abertura da estrada para Rio Branco.

Qualidade das fibras e aceitação pelo mercado

As fibras da piaçava acreana são qualitativamente muito parecidas com as fibras da piaçava do Amazonas, mas bem inferiores às da piaçava da Bahia. Por esta razão, as vassouras confeccionadas exclusivamente com as fibras da espécie nativa do Acre são menos duráveis. Esta desvantagem tem conseqüências mercadológicas importantes. De acordo com o proprietário de uma fábrica de vassouras de Rio Branco, este fato confere às fibras da piaçava acreana uma classificação comercial de segunda classe. Ele comentou que se as fibras desta espécie estivessem disponíveis no mercado só iria adquiri-las caso o seu preço fosse inferior ao que ele costuma pagar pelas fibras da piaçava da Bahia (importadas de São Paulo).

Entretanto, essa desvantagem qualitativa não elimina as possibilidades mercadológicas das fibras da piaçava acreana. O mesmo empresário sugeriu que estas fibras são ideais para a confecção de vassouras nas quais fibras de mais de uma espécie de palmeira podem ser combinadas. Isso seria feito da seguinte forma. As fibras mais grossas, duras e resistentes da piaçava da Bahia seriam montadas na parte externa da cabeça da vassoura, conferindo firmeza e durabilidade à mesma. As fibras da piaçava acreana seriam usadas na parte interna. Essa combinação resultaria em um produto de qualidade com boas chances de aceitação no mercado de Rio Branco.

Manejo de populações naturais de piaçava acreana

O manejo de populações nativas e o cultivo da espécie de piaçava que ocorre no Acre já vem sendo praticado no Equador (Pedersen, 1992). Este autor descreveu três tipos de manejo praticados no Equador. O primeiro é o manejo em floresta. Este consiste na limpeza do sub-bosque de forma a garantir maior disponibilidade de luz, água e nutrientes para todos os membros da população a ser explorada. O segundo é o adensamento em áreas desmatadas nas quais não serão formadas pastagens. O maior objetivo desse manejo é o rápido incremento na densidade natural da piaçava através da eliminação de outras espécies competidoras. O último tipo de manejo consiste na preservação das piaçaveiras por ocasião da formação das pastagens.

Enquanto nos dois primeiros casos a preservação de plântulas e o controle da competição é um importante aspecto do manejo, no último isto não é tão importante. Embora livres da concorrência com outras espécies arbóreas, o incremento da densidade natural da piaçava em pastagens é limitado pelo fato do gado eliminar sistematicamente as regenerações.

Em todos os casos citados acima as práticas culturais realizadas são simples. Incluem o corte das folhas (por ocasião da extração das fibras), inflorescências, infrutescências e limpeza do terreno em volta das plantas (com exceção das áreas de pastagens).

De acordo com Pedersen e Balslev (1990), o manejo das plantas permite um incremento na quantidade de fibras extraídas, que passariam a ser sempre por volta de 4,5 kg por planta/ano. Os plantios comerciais no Equador são ainda muito recentes e a maior parte da fibra comercializada no país ainda é oriunda de plantas silvestres (Pedersen, 1992).

Introdução da piaçava acreana em sistemas de cultivo no Acre

O apoio à atividade de extração de fibras da piaçava no vale do Juruá deve ser priorizado em razão das condições sócio-econômicas em que vivem as comunidades envolvidas nesta atividade. Entretanto, acredita-se que dificilmente o vale do Juruá poderia vir a ser um centro exportador de fibras para outros mercados que não o da cidade de Cruzeiro do Sul. A razão mais importante para isso é a dificuldade de acesso a outros mercados importantes como Rio Branco e Porto Velho, pois não existe conexão rodoviária permanente entre o vale do Juruá e estes mercados. Outra opção de escoamento da produção seria através dos rios que cortam a região. Entretanto os barcos precisariam navegar mais de um mês para completar uma viagem entre Cruzeiro do Sul e Rio Branco, pois teriam que viajar os rios Juruá, Solimões e retornar ao Acre pelos rios Purus e Acre.

As experiências de manejo e cultivo da espécie no Equador indicam que a mesma poderia ser introduzida em sistemas de cultivo no Estado do Acre. A espécie é agressiva colonizando novas áreas (Pedersen, 1992) e existe demanda de fibras no mercado local de Rio Branco.

O cultivo da piaçava acreana poderia ser feito em áreas de fácil acesso nos vales do Acre e Purus, tanto em áreas de pastagens como em sistemas de cultivo consorciado. No primeiro caso, tem se observado que a maioria das áreas de pastagens no Estado está sempre colonizadas por várias espécies de palmeiras sem valor comercial significativo, como são os casos do "murmuru" (Astrocaryum ulei), "tucumã" (Astrocaryum aculeatum), "jaci" (Attalea butyracea) e "uricuri" (Attalea phalerata).

A introdução de uma espécie capaz de gerar recursos financeiros para os proprietários destas pastagens poderia permitir que os mesmos, especialmente os pequenos produtores, tivessem melhores condições financeiras para manter estas pastagens em bom estado, evitando o desmatamento de novas áreas.

A outra possibilidade seria a introdução da espécie em sistemas agroflorestais. Em ambos os caso, entretanto, a introdução da espécie deveria ser precedida pela realização de experimentos visando o conhecimento do comportamento da mesma em diferentes condições de solo e competição com outras espécies.

Prioridades em futuras pesquisas

Ainda não foram realizados estudos para se conhecer a viabilidade ecológica e econômica da exploração extrativista de fibras de A. natalia no Acre. Outro aspecto ainda desconhecido é o comportamento da espécie em condições de cultivo. Considerando-se essas deficiências as seguintes prioridades para as pesquisas futuras com a espécie deveriam ser consideradas:

1. Sócio-economia da exploração extrativista no vale do Juruá.

Embora a exploração de fibras de piaçava seja antiga, sabe-se muito pouco sobre as atividades que isso requer e as pessoas envolvidas nas mesmas. É necessário se determinar com precisão os custos econômicos e sociais desse sistema extrativista. Não se conhece o nível de dependência econômica das famílias extratoras à atividade de extração de fibras, confecção e venda de vassouras. Também não se sabe qual impacto a atividade extrativista tem em outras atividades familiares, como a agricultura e criação de animais. É preciso saber quais os participantes do sistema estão obtendo lucros e o que se deveria fazer para se garantir uma divisão social mais justa dos recursos gerados pela atividade. Somente após estes estudos seria possível propor políticas e ações voltadas para o aperfeiçoamento e fortalecimento da atividade.

2. Fitogeografia e Ecologia.

Até o presente a piaçava acreana foi encontrada apenas na parte acreana do vale do rio Juruá e em todas elas as populações identificadas são relativamente pequenas. É necessário realizar um levantamento detalhado por toda a região, inclusive no estado do Amazonas com o objetivo de se determinar novas áreas de ocorrência da espécie e estimar o potencial de produção extrativista em toda a região. Também não se sabe se as práticas extrativistas presentemente adotadas são sustentáveis. É necessário determinar a viabilidade ecológica da atividade extrativista e garantir a preservação desse recurso de maneira que a extração de fibras possa continuar a ser praticada por muitos anos no futuro.

3. Características agronômicas e variabilidade genética da espécie.

Será necessário coletar sementes e iniciar experimentos sobre germinação, produção de mudas e comportamento da espécie no campo. Além disso, é importante identificar as populações e indivíduos mais produtivos para determinar se existem diferenças genéticas relacionadas com a maior ou menor capacidade de produção de fibras. Seria importante estabelecer pequenas coleções ex situ com plantas altamente produtivas, nativas do Acre ou importadas do Equador.

4. Potencial do mercado regional para fibras da espécie.

É necessário conhecer a capacidade de consumo de fibras do mercado local e regional (Acre e Rondônia) antes de se promover o aumento da atividade extrativa ou o cultivo da espécie em escala comercial. É importante ainda encontrar o nicho mercadológico que as fibras da piaçava acreana poderiam ocupar no mercado de fibras regional. O conhecimento do mercado será a chave para o sucesso da exploração desta espécie.

Conclusão

A crise econômica vivida pela população extrativista do vale do Juruá em conseqüência da falência do mercado da borracha continua muito grave. Para piorar a situação, naquela região não existem outros produtos extrativistas com mercado bem desenvolvido, como tem sido o caso da castanha do Brasil no vale do rio Acre. Isso demonstra que a busca de novas alternativas extrativistas para aquela região deve ser priorizada. Essa busca tem que ser baseada em um novo modelo de desenvolvimento do extrativismo no qual os resultados de estudos científicos do mercado, da viabilidade econômica e da sustentabilidade ecológica da atividade passem a ser igualmente considerados.

Por outro lado, a popularização de sistemas de cultivos consorciados no Acre representa uma oportunidade para que espécies nativas com potencial econômico sejam introduzidas em cultivo e seus produtos ofertados regularmente no mercado local.

Embora preliminares, espera-se que as informações apresentadas neste trabalho possam ajudar no desenvolvimento de um programa de pesquisas que possibilite a transformação de A. natalia em uma espécie capaz de gerar renda para os extrativistas e pequenos agricultores do Estado.

Agradecimentos

As atividades de campo deste trabalho foram apoiadas com recursos financeiros do Convênio UFAC-NYBG e CNPQ. O autor agradece as famílias extrativistas do rio Juruá-Mirim e igarapé Viseu pela permissão para visitar e acompanhar as atividades desenvolvidas na extração das fibras e confecção das vassouras.

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3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

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Diego

14/01/2010, 01:54  

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