EXPLORAÇÃO COMERCIAL DE MADEIRA NAS RESERVAS EXTRATIVISTAS*
ESTÁ VIRANDO UMA ROTINA. MAS É REALMENTE UMA ATIVIDADE LEGAL?
Por: Roberta Graf e Arlindo Gomes-Filho
Analistas Ambientais do IBAMA-Acre
A exploração comercial de madeira nas reservas extrativistas é um tema bastante controverso. Há posições favoráveis e contrárias. Uma vez que os argumentos a favor são basicamente econômicos e normalmente mais intensamente defendidos e expostos na mídia, dado o contexto capitalista em que nos inserimos, nos cabe aqui fazer um contraponto. Afinal, as reservas extrativistas são unidades de conservação que visam conciliar a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, e não o acúmulo de capital a partir da exploração desses recursos. Para discorrer brevemente sobre este tema, examinemos os conceitos envolvidos com esse tipo de UC.
Como já foi comentado, o SNUC define a Reserva Extrativista como unidade destinada ao extrativismo e à proteção do meio de vida e da cultura das populações tradicionais residentes. O SNUC também define o termo extrativismo, como sendo um “sistema de exploração baseado na coleta e extração, de modo sustentável, de recursos naturais renováveis”. O extrativismo subentende uma atividade de exploração de recursos que pode ser feita infinitamente sem comprometer sua base produtiva ou capacidade de suporte, ou seja, garantindo a reprodutividade (ou renovabilidade) do recurso na floresta. Há um entendimento de que o extrativismo compreende apenas recursos não-madeireiros, já que a madeira não é facilmente renovável em condições naturais (SCULZE et al, 2005; SOUZA, 2002; WILSON, 1988). Além disso, segundo a origem da atividade extrativista e o “meio de vida e cultura das populações tradicionais”, a madeira não faz parte dos produtos extrativistas (exceto para o consumo próprio), provavelmente pelo reconhecimento intuitivo do seringueiro quanto ao alto impacto resultante de sua exploração, que afetaria a exploração da borracha, da castanha e dos demais produtos florestais (AMÂNCIO, 2005).
Com base nos conceitos de extrativismo e populações tradicionais, Vandana Shiva (1991) e Wolfgang Sachs (2000) demonstram como a exploração de madeira é uma atividade exógena, que termina por violentar essas populações, retirando delas, pouco a pouco, o direito a viver da floresta, devido aos impactos resultantes da exploração. Afirmam que a exploração de madeira vem como uma proposta externa, de alguns órgãos técnicos, imbuída de um discurso dogmático e conservacionista, mas que, na verdade, representa um impacto cultural, por não respeitar o significado que a floresta tem para as populações tradicionais, nem seu meio de vida.
Exploração comercial de madeireira em Reservas Extrativistas: é uma exceção não a regra
A respeito da exploração madeireira nas reservas extrativistas, a legislação determina que “A exploração comercial de recursos madeireiros só será admitida em bases sustentáveis e em situações especiais e complementares às demais atividades desenvolvidas na Reserva Extrativista, conforme o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade” [grifos nossos] (SNUC, Art. 18o, §7o).
Explorar madeira com impacto reduzido vem sendo chamado de “manejo madeireiro”. O SNUC define manejo como “todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas”. Nesse ponto pode se questionar o próprio termo “manejo madeireiro”, pois há críticas de cunho ecológico e sócio-ambiental à legislação que define os critérios do manejo. Não cabe aqui um amplo debate a respeito, mas alguns pontos importantes para reflexão são:
- As árvores maiores e mais velhas, de alta importância ecológica e significação cultural, não são renováveis, e são justamente as prioritárias na exploração manejada.
- Não existem estudos mínimos, sistematizados, sobre a ecologia das espécies arbóreas, de forma que se questiona a renovabilidade das espécies exploradas nos ciclos de corte propostos de 30 anos (SCHULZE et al, 2005).
- Em países da América Central, África e Ásia o manejo madeireiro tem gerado grandes impactos sócio-ambientais e ecológicos (AMÂNCIO, 2005).
- A legislação e a certificação da madeira manejada contempla, basicamente, critérios sociais, poucos ambientais e nenhum critério ecológico (DIAS, 2004; SCHULZE et al, 2005; SOUZA, 2002). Por exemplo, os danos à fauna resultantes da operação das motosserras e da abertura de estradas e pátios não são estudados ou mitigados. Os critérios básicos do manejo são, e sempre foram desde a origem da Engenharia Florestal (SHIVA, 1991), critérios econômicos. A sustentabilidade à qual se refere na produção de madeira é econômica, e não ambiental ou ecológica (SOUZA, 2002). Estudos prévios recomendam maior cautela, com maiores zonas preservadas, monitoramento do impacto ecológico, menores índices de exploração e reflorestamento (plantio e acompanhamento de mudas no pós-exploratório) (SCHULZE et al, 2005, SOUZA, 2002).
- Por outro lado, sabe-se que a legislação sequer é cumprida, diante da incapacidade do Poder Público de fiscalização da mesma (ALBAGLI, 1998; SOUZA, 2002).
- A Floresta Amazônica é, na verdade, frágil, e não possui boas condições de regeneração natural de árvores exploradas (SOUZA, 2002; WILSON, 1988).
- A exploração de madeira acaba sendo concorrente dos produtos não-madeireiros (LEITE, 2004).
- Os impactos sócio-ambientais têm sido significativos nas áreas já sujeitas ao manejo madeireiro no Acre, ainda que na modalidade “comunitária”. Poucas famílias são incluídas em cada projeto, o que causa desagregação social. Ao redor das áreas manejadas, instaura-se um cinturão de crimes ambientais diversos, inclusive com acentuada venda ilegal de madeira, pela influência dos atrativos comerciais abertos na região. Dois exemplos nítidos são os problemas dos PAEs Porto Rico e Equador e assentamento São Miguel, no entorno do Seringal Cachoeira (manejado) e os do entorno do PAE São Luiz do Remanso, também manejado.
- O manejo madeireiro abre acesso a áreas protegidas, e dá margem à expansão da pecuária, tendo sido chamado de “desmatamento oculto” (ALBAGLI, 1998; ALENCAR et al, 2004). Tem sido comum, no Acre, posseiros de áreas manejadas plantarem capim nas estradas, clareiras e pátios abertos.
Alguns autores afirmam que o manejo madeireiro serve para substituir práticas predatórias das empresas madeireiras, mas não para ser aplicado em larga escala nas florestas enquanto política de desenvolvimento sustentável (ALBAGLI, 1998; JESUS, 2002; RÊGO, 2001), pois, na prática, ele não é sustentável ambientalmente.
Ainda que manejada, a exploração madeireira não é adequada para as Reservas Extrativistas
Diante do exposto acerca dos impactos da exploração de madeira, ainda que manejada, e diante da origem, objetivos e conceito da Reserva Extrativista, pode-se concluir que esta não é uma atividade adequada às reservas, em princípio.
Porém, não se pode contrapor o desejo de algumas comunidades extrativistas de experimentar essa atividade. O atrativo econômico da madeira, aliado à lentidão do desenvolvimento do extrativismo não-madeireiro enquanto fonte de renda consolidada, explicam esse desejo. Porém, é necessário ressaltar que a renda aliada à conservação da floresta tende, inevitavelmente, a aumentar no futuro próximo, dado o interesse mundial pela Floresta Amazônica. A tendência de desenvolvimento da cadeia produtiva de uma maior variedade de produtos não-madeireiros (incluindo beneficiamento local, certificação e agregação de valor), aliado ao eco-turismo e turismo cultural, à remuneração pelos serviços ambientais, à repartição de benefícios pelo conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, à bioprospecção e a biotecnologia, gerarão cada vez mais renda, e dependerão da floresta conservada.
Resta aos órgãos ambientais e aos Conselhos Deliberativos garantir que a exploração de madeira nas Reservas Extrativistas seja realmente complementar e excepcional (como determina o SNUC), e que se dê apenas após os Planos de Manejo das respectivas reservas estarem elaborados e aprovados. Afinal, se a legislação do manejo madeireiro não garante a conservação da floresta, esta terá que ser garantida em normatização do Plano de Manejo da unidade de conservação, estabelecendo-se zonas restritas de exploração de madeira para reduzir a amplitude de seus impactos.
*Texto a ser publicado como parte do capítulo sobre Reservas extrativistas do Acre: Gestão e política ambiental, do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre, 2a. Fase.
Por: Roberta Graf e Arlindo Gomes-Filho
Analistas Ambientais do IBAMA-Acre
A exploração comercial de madeira nas reservas extrativistas é um tema bastante controverso. Há posições favoráveis e contrárias. Uma vez que os argumentos a favor são basicamente econômicos e normalmente mais intensamente defendidos e expostos na mídia, dado o contexto capitalista em que nos inserimos, nos cabe aqui fazer um contraponto. Afinal, as reservas extrativistas são unidades de conservação que visam conciliar a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, e não o acúmulo de capital a partir da exploração desses recursos. Para discorrer brevemente sobre este tema, examinemos os conceitos envolvidos com esse tipo de UC.
Como já foi comentado, o SNUC define a Reserva Extrativista como unidade destinada ao extrativismo e à proteção do meio de vida e da cultura das populações tradicionais residentes. O SNUC também define o termo extrativismo, como sendo um “sistema de exploração baseado na coleta e extração, de modo sustentável, de recursos naturais renováveis”. O extrativismo subentende uma atividade de exploração de recursos que pode ser feita infinitamente sem comprometer sua base produtiva ou capacidade de suporte, ou seja, garantindo a reprodutividade (ou renovabilidade) do recurso na floresta. Há um entendimento de que o extrativismo compreende apenas recursos não-madeireiros, já que a madeira não é facilmente renovável em condições naturais (SCULZE et al, 2005; SOUZA, 2002; WILSON, 1988). Além disso, segundo a origem da atividade extrativista e o “meio de vida e cultura das populações tradicionais”, a madeira não faz parte dos produtos extrativistas (exceto para o consumo próprio), provavelmente pelo reconhecimento intuitivo do seringueiro quanto ao alto impacto resultante de sua exploração, que afetaria a exploração da borracha, da castanha e dos demais produtos florestais (AMÂNCIO, 2005).
Com base nos conceitos de extrativismo e populações tradicionais, Vandana Shiva (1991) e Wolfgang Sachs (2000) demonstram como a exploração de madeira é uma atividade exógena, que termina por violentar essas populações, retirando delas, pouco a pouco, o direito a viver da floresta, devido aos impactos resultantes da exploração. Afirmam que a exploração de madeira vem como uma proposta externa, de alguns órgãos técnicos, imbuída de um discurso dogmático e conservacionista, mas que, na verdade, representa um impacto cultural, por não respeitar o significado que a floresta tem para as populações tradicionais, nem seu meio de vida.
Exploração comercial de madeireira em Reservas Extrativistas: é uma exceção não a regra
A respeito da exploração madeireira nas reservas extrativistas, a legislação determina que “A exploração comercial de recursos madeireiros só será admitida em bases sustentáveis e em situações especiais e complementares às demais atividades desenvolvidas na Reserva Extrativista, conforme o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade” [grifos nossos] (SNUC, Art. 18o, §7o).
Explorar madeira com impacto reduzido vem sendo chamado de “manejo madeireiro”. O SNUC define manejo como “todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas”. Nesse ponto pode se questionar o próprio termo “manejo madeireiro”, pois há críticas de cunho ecológico e sócio-ambiental à legislação que define os critérios do manejo. Não cabe aqui um amplo debate a respeito, mas alguns pontos importantes para reflexão são:
- As árvores maiores e mais velhas, de alta importância ecológica e significação cultural, não são renováveis, e são justamente as prioritárias na exploração manejada.
- Não existem estudos mínimos, sistematizados, sobre a ecologia das espécies arbóreas, de forma que se questiona a renovabilidade das espécies exploradas nos ciclos de corte propostos de 30 anos (SCHULZE et al, 2005).
- Em países da América Central, África e Ásia o manejo madeireiro tem gerado grandes impactos sócio-ambientais e ecológicos (AMÂNCIO, 2005).
- A legislação e a certificação da madeira manejada contempla, basicamente, critérios sociais, poucos ambientais e nenhum critério ecológico (DIAS, 2004; SCHULZE et al, 2005; SOUZA, 2002). Por exemplo, os danos à fauna resultantes da operação das motosserras e da abertura de estradas e pátios não são estudados ou mitigados. Os critérios básicos do manejo são, e sempre foram desde a origem da Engenharia Florestal (SHIVA, 1991), critérios econômicos. A sustentabilidade à qual se refere na produção de madeira é econômica, e não ambiental ou ecológica (SOUZA, 2002). Estudos prévios recomendam maior cautela, com maiores zonas preservadas, monitoramento do impacto ecológico, menores índices de exploração e reflorestamento (plantio e acompanhamento de mudas no pós-exploratório) (SCHULZE et al, 2005, SOUZA, 2002).
- Por outro lado, sabe-se que a legislação sequer é cumprida, diante da incapacidade do Poder Público de fiscalização da mesma (ALBAGLI, 1998; SOUZA, 2002).
- A Floresta Amazônica é, na verdade, frágil, e não possui boas condições de regeneração natural de árvores exploradas (SOUZA, 2002; WILSON, 1988).
- A exploração de madeira acaba sendo concorrente dos produtos não-madeireiros (LEITE, 2004).
- Os impactos sócio-ambientais têm sido significativos nas áreas já sujeitas ao manejo madeireiro no Acre, ainda que na modalidade “comunitária”. Poucas famílias são incluídas em cada projeto, o que causa desagregação social. Ao redor das áreas manejadas, instaura-se um cinturão de crimes ambientais diversos, inclusive com acentuada venda ilegal de madeira, pela influência dos atrativos comerciais abertos na região. Dois exemplos nítidos são os problemas dos PAEs Porto Rico e Equador e assentamento São Miguel, no entorno do Seringal Cachoeira (manejado) e os do entorno do PAE São Luiz do Remanso, também manejado.
- O manejo madeireiro abre acesso a áreas protegidas, e dá margem à expansão da pecuária, tendo sido chamado de “desmatamento oculto” (ALBAGLI, 1998; ALENCAR et al, 2004). Tem sido comum, no Acre, posseiros de áreas manejadas plantarem capim nas estradas, clareiras e pátios abertos.
Alguns autores afirmam que o manejo madeireiro serve para substituir práticas predatórias das empresas madeireiras, mas não para ser aplicado em larga escala nas florestas enquanto política de desenvolvimento sustentável (ALBAGLI, 1998; JESUS, 2002; RÊGO, 2001), pois, na prática, ele não é sustentável ambientalmente.
Ainda que manejada, a exploração madeireira não é adequada para as Reservas Extrativistas
Diante do exposto acerca dos impactos da exploração de madeira, ainda que manejada, e diante da origem, objetivos e conceito da Reserva Extrativista, pode-se concluir que esta não é uma atividade adequada às reservas, em princípio.
Porém, não se pode contrapor o desejo de algumas comunidades extrativistas de experimentar essa atividade. O atrativo econômico da madeira, aliado à lentidão do desenvolvimento do extrativismo não-madeireiro enquanto fonte de renda consolidada, explicam esse desejo. Porém, é necessário ressaltar que a renda aliada à conservação da floresta tende, inevitavelmente, a aumentar no futuro próximo, dado o interesse mundial pela Floresta Amazônica. A tendência de desenvolvimento da cadeia produtiva de uma maior variedade de produtos não-madeireiros (incluindo beneficiamento local, certificação e agregação de valor), aliado ao eco-turismo e turismo cultural, à remuneração pelos serviços ambientais, à repartição de benefícios pelo conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, à bioprospecção e a biotecnologia, gerarão cada vez mais renda, e dependerão da floresta conservada.
Resta aos órgãos ambientais e aos Conselhos Deliberativos garantir que a exploração de madeira nas Reservas Extrativistas seja realmente complementar e excepcional (como determina o SNUC), e que se dê apenas após os Planos de Manejo das respectivas reservas estarem elaborados e aprovados. Afinal, se a legislação do manejo madeireiro não garante a conservação da floresta, esta terá que ser garantida em normatização do Plano de Manejo da unidade de conservação, estabelecendo-se zonas restritas de exploração de madeira para reduzir a amplitude de seus impactos.
*Texto a ser publicado como parte do capítulo sobre Reservas extrativistas do Acre: Gestão e política ambiental, do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre, 2a. Fase.
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