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20 janeiro 2006

ESTRADA DO PACÍFICO: 5 ANOS DEPOIS

No início desta década Foster Brown, Elsa Mendoza, Sílvia Brilhante e outros que colaboravam com a equipe do SETEM-PZ-UFAC na época, fizeram um levantamento dos possíveis impactos da abertura da estrada do pacífico.

Os dados colhidos resultaram, algum tempo depois, na publicação (2002) de um artigo "Estrada de Rio Branco, Acre, Brasil aos Portos do Pacífico: Como maximizar os benefícios e minimizar os prejuízos para o desenvolvimento sustentável da Amazônia Sul-Ocidental".

Sugiro aos leitores do blog darem uma lida na íntegra do mesmo clicando aqui.

A razão de trazermos a tona algo um pouco antigo foi a surpresa com a "súbita" realização de um seminário - organizado pelo BASA - abordando as oportunidades que a abertura da estrada do pacífico vai oferecer aos empresários acreanos.

A luta, da qual fiz parte, para integrar pesquisadores do Brasil, Bolívia e Peru nos ensinou que o diálogo e a participação efetiva de todos os interessados são a chave para o sucesso da integração. Assim, esperamos que no seminário do BASA seja dado voz ao outro lado, a outra parte interessada: os bolivianos e peruanos. Sem eles, a integração vai ficar restrita a isso: seminários e discussões intermináveis.

Espero também sinceramente que os participantes deste seminário tenham a oportunidade de ler a parte do artigo acima que trara dos "reais desafios que a integração apresenta":

a) Falta de conhecimento sobre os países vizinhos.
Em várias palestras e seminários no Brasil, foi solicitado para a platéia estimar quantas pessoas vivem dentro de um raio de 750 km do Acre, uma distância que não alcança a fronteira entre os Estados de Rondônia e Mato Grosso. O valor mais alto foi de 2 milhões de pessoas.

Na verdade, a população desta área é 30 milhões, quase toda a população peruana e uma parte da população boliviana. No entanto, a população brasileira desconhece esta realidade; nas palavras do Governador do Acre, os acreanos estavam de costas para a Bolívia e o Peru e agora estarão de frente, tendo que conhecer um mundo diferente, como pode ser visto na Figura 3.

b) Armadilhas sociais na fronteira.
Historicamente, o avanço da fronteira na Amazônia tem seguido o padrão de rápida exploração dos recursos naturais, especialmente nos setores madeireiro e mineral, caracteristicamente associados com a melhoria de transporte. Esta facilidade de acesso aos recursos naturais cria uma ‘armadilha social’, ou seja, a decisão individual é racional e vantajosa, mas quando estas decisões são agregadas, os efeitos são danosos para a sociedade (Costanza et al. 1997). Um exemplo clássico é quando indivíduos buscam um recurso ‘livre’ como peixes num lago, eles podem maximizar a sua renda, procurando cada vez mais peixe. Porém, esta procura cria uma armadilha e pode acabar com o estoque de peixe no lago, empobrecendo todos a longo prazo.

Na busca de recursos naturais, como a madeira e a terra para a agropecuária, esta armadilha social já se manifesta na Amazônia Sul-Ocidental. No município de Assis Brasil, o desflorestamento ao redor da cidade resultou na falta de madeira para construção de casas no centro urbano, e esta necessidade é suprida com madeira vinda ilegalmente do Peru.

A pastagem como um tipo de uso extensivo da terra pode modificar o ciclo hidrológico, reduzindo a penetração de água no subsolo e favorecendo o escoamento rápido. Por estas razões, a proteção de florestas nas bacias de drenagem que fornecem água é considerada uma prioridade para muitas cidades. O fornecimento d’água para os centros urbanos dos municípios de Epitaciolândia e Brasiléia na fronteira com a Bolívia é efetuado a partir da captação do Igarapé Encrenca, cuja bacia de drenagem cobre cerca de 6.000 hectares. Porém, o desflorestamento para as atividades agrícola e pecuária de proprietários individuais na bacia do Igarapé chegou até 70% da bacia, em 1999. Atualmente, a crescente demanda destes centros, acoplada com a redução do fluxo do igarapé na época seca, podem comprometer o desenvolvimento destes centros urbanos.

Esta preocupação levou a Prefeitura de Epitaciolândia a sugerir o reflorestamento da bacia deste Igarapé; no entanto, o custo deste reflorestamento é muito maior do que teria sido a conservação da floresta original. Decisões tomadas individualmente produziram, neste caso, um prejuízo geral para sociedade local.

c) Investimentos para a competitividade econômica avançam mais rápido que os investimentos sociais e que o planejamento governamental.
O processo de globalização tem criado pressões cada vez mais fortes, levando os empreendedores a tomar medidas para diminuir os custos de produção e transporte, para obter preços competitivos. Estradas ligando o centro oeste do Brasil, um forte centro de produção de grãos, com portos no Oceano Pacífico, têm como objetivo maior, facilitar o acesso aos mercados asiáticos, como foi discutido neste encontro. Como o foco se concentra no componente de infra-estrutura, os prejuízos sociais e ambientais nas regiões por onde passam estas rodovias não são previstos.

As rodovias também representam oportunidades para maximizar benefícios, desde que o uso dos recursos naturais e sociais seja direcionado para este fim. O Município de Assis Brasil, junto com o Comitê da Fronteira (Assis Brasil-Iñapari), realizou em julho de 2001, uma reunião de planejamento estratégico para a região fronteiriça, já antevendo as mudanças na dinâmica de ocupação que a construção da estrada certamente trará. A reunião lá promovida não recebeu apoio técnico dos governos federal e estadual, limitando portanto a eficácia deste planejamento.

d) Mudanças climáticas previstas para a região.
Modelos de circulação atmosférica têm mostrado que a Amazônia poderá sofrer mudanças significativas nas próximas décadas em termos de temperatura, especialmente na época seca (junho-julho-agosto) com um aumento de 2 a 5 ºCelsius para a Amazônia Sul-Ocidental, como pode ser visto na Figura 4 (Hulme e Sheard 1999). A produtividade das terras agrícolas, pastagens, florestas, e a disponibilidade de água potável sufrerão impactos extremos, mas geralmente gradativos.

Uma estória popular pode ilustrar o perigo das mudanças gradativas: se um sapo pular dentro da água fervente, vai pular fora desta água (ou pelo menos tentar). Um sapo numa panela com água que esquenta gradativamente não se sente em perigo e morre cozido.

Existem indicações que as florestas da Amazônia Sul-Ocidental estão se tornando susceptíveis ao fogo (1) durante eventos climáticos como El Niño (Mendoza, dados não publicados). A alteração climática prevista para as próximas décadas aumentará a vulnerabilidade da sociedade a perturbações severas na Amazônia Sul-Ocidental, como o espalhamento de incêndios florestais (Nepstad et al. 2001), e precisa ser incorporada no planejamento regional. Dados iniciais sugerem que o aquecimento já está acontecendo na região (Fonseca Duarte, dados não publicados).

(1) Nota do blog: relendo o artigo agora a gente observa que já em 2002 os pesquisadores do grupo MAP alertavam para o fato das florestas da região estarem se tornando suscetíveis ao fogo - coisa que se materializou 3 anos depois.