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11 janeiro 2006

BARATAS, ESSAS INCOMPREENDIDAS!

Elas lideram o ranking dos animais odiados e rejeitados, mas, ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, existem muito mais espécies de baratas benéficas do que maléficas

Quem não os conhece, os teme. Essa é uma verdade universal, que pode justificar - ou mascarar - impressões errôneas e idéias deturpadas sobre uma série de situações envolvendo a presença de alguns animais e o possível contato desses com o universo humano. Assim acontece com um determinado grupo de insetos, considerados pela maioria das pessoas como nojentos, asquerosos e repulsivos: as baratas.

Definitivamente, elas lideram o ranking dos animais mais odiados e rejeitados. No entanto, antes de esmagá-la sob a sola de seu sapato, entenda que a vida na Terra sem as baratas representaria uma perda incalculável de um dos mais importantes “recicladores” de nutrientes das florestas e das grandes vegetações.

Esse é um dos vários benefícios gerados direta e indiretamente por este animal. Assim garante o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), José Albertino Rafael, que há mais de 20 anos realiza estudos sobre insetos da Amazônia e o único a coordenar pesquisas com baratas silvestres no estado.

Diante de uma barata, o medo não é a principal reação desencadeada nas pessoas. O asco é o que realmente leva um cidadão a querer extinguir este animal de sua vida. Esse sentimento fundamenta-se nos próprios hábitos de determinadas espécies de barata, que costumam transitar – e viver - por esgotos, lixos, e, ainda assim, recorrem às residências das pessoas em busca de abrigo e comida fácil, levando consigo um coquetel de microorganismos prejudiciais aos seres humanos.

Felizmente, as espécies que dispõem dessas características representam menos de 1% de todo o contingente de baratas existentes na região amazônica. “As baratas dividem-se em dois grupos: as urbanas e as silvestres. As urbanas correspondem às baratas que vivem em interação com o homem, por três motivos: abrigo, água e alimento”, afirma o professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Neliton Silva, que é especialista em estudos com baratas urbanas no Amazonas. Este grupo de baratas pode, de fato, ser considerado uma ameaça à saúde das pessoas. Tanto que o Laboratório de Entomologia Agrícola da UFAM, sede das pesquisas com estes insetos, atende prioritariamente à demanda de empresas, instituições, interessadas em entender a estrutura biológica de cada barata para elaborar, especificamente, uma estratégia de controle e combate a pragas urbanas.

As baratas silvestres encontram-se em número bem maior. Subtraindo o 1% representado pelas urbanas, o montante de 99% corresponde ao universo das silvestres. “O nojo das pessoas pelas baratas é uma conseqüência direta do contato com as baratas de esgotos, que são maiores e, com freqüência visitam as residências. As silvestres não exalam mau cheiro, não mordem, não transmitem doenças”, explica Albertino Rafael, destacando que essa má impressão generalizada das baratas só se extinguirá a partir da construção de uma nova cultura de percepção acerca destes insetos. “É preciso mostrar às crianças, desde cedo, que existem muito mais espécies de baratas benéficas do que maléficas e que a maioria das benéficas está nas florestas”, reitera Albertino Rafael.

Também buscando novas formas de familiarizar a população sobre diversas temáticas científicas, principalmente, em relação ao estudo realizado com as baratas, Neliton Silva pretende lançar em 2006 o livro De Olho na Barata. A publicação apresentará aspectos da relação entre a barata e: o meio ambiente urbano, o folclore popular e até mesmo a gastronomia, explicando que em algumas culturas a barata é uma iguaria culinária. Domésticas têm os hábitos alimentares dos humanos De acordo com Albertino Rafael, as baratas urbanas possuem uma taxa reprodutiva maior do que as silvestres.

A dieta alimentar de ambas é o pivô desta diferença. “Como as nativas habitam as florestas e, desta forma, alimentam-se predominantemente das folhagens em decomposição, seus organismos ficam carentes de algumas substâncias, como a proteína, por exemplo”. A barata urbana, por outro lado, alimenta-se de tudo o que os habitantes da área “urbana” de qualquer cidade consomem. Ou seja, sanduíches, bolachas, carne, frutas etc., garantindo maior reserva de nutrientes que, em muitos casos, são convertidos em uma maior geração de ovos. “Uma única Blatella, espécie conhecida popularmente como barata do armário ou alemanzinha, gera uma ooteca (tipo de cápsula que armazena os ovos) com aproximadamente 42 ovos que mais tarde eclodirão dando origem às baratas”, revela Neliton Silva. Essa alimentação diferenciada, no entanto, não apresenta influência alguma no tamanho das espécies. Algumas podem medir de cinco a 80 milímetros de comprimento, apresentando uma coloração que varia conforme o habitat, já que a camuflagem é a grande ferramenta de defesa das baratas, utilizadas principalmente pelas nativas, que, por abrigarem-se no interior das florestas, são perseguidas por aranhas, pequenos répteis (lagartos), aves, rãs, sapos, entre outros animais.

No ambiente urbano, os principais predadores naturais das baratas são as osgas, conhecidas também como lagartixas, e as aves. Existe também uma espécie de vespa negra que parasita as urbanas. Outra característica que ajuda a diferenciar os dois grupos diz respeito à estrutura social adotada pelas baratas. As silvestres, segundo Albertino Rafael, são essencialmente individuais. Diferentemente da maioria das espécies urbanas que, como mostra o exemplo das baratas de esgoto, primam pela sobrevivência coletiva. Algumas baratas “se adaptaram a viver até em colméias de abelhas, agregando o cheiro característico deste inseto ao seu corpo”, exemplifica Neliton Silva, ressaltando o grau de coletividade das baratas urbanas.

Inpa estuda espécie que emite luz

Atualmente, José Albertino Rafael coordena um estudo sobre uma espécie de barata, a Lucihormetica fenestrata, popularmente conhecida como barata luminescente. A pesquisa, intitulada Biologia da barata luminescente, tem como objetivo principal descobrir e entender, por meio de experimentos, os mecanismos utilizados pelo animal que o tornam capaz de emitir luz fria. À exemplo dos vaga-lumes, esta espécie de barata desperta um interesse tecnológico e comercial altíssimo. De posse dos conhecimentos sobre a técnica utilizada pela barata para emitir a luz, estas informações poderão ser processadas pelo homem e, posteriormente, serem empregues na produção de equipamentos à base de luz fria, como as lâmpadas.

É a ciência a serviço do desenvolvimento tecnológico da região. Em nível nacional, há mais de 20 anos, são realizadas pesquisas em torno da produção de antibióticos capazes de atacar os microorganismos residentes no intestino das baratas urbanas que, passados de barata por barata, viabilizam a digestão de praticamente tudo o que elas ingerem. Ambiciona-se descobrir que mecanismo fisiológico confere a estes insetos tamanha resistência às bactérias e outros organismos letais, cujos resultados das pesquisas poderão ser aproveitados no tratamento de doenças semelhantes, que acometem as pessoas e são provocadas por estes seres patogênicos.

Na Ufam Neliton Silva e sua equipe vêm desenvolvendo estudos sobre a biologia, comportamento e controle de uma espécie de barata intradomiciliar (Supella longipalpa), que foi introduzida no Amazonas na década de 70 e hoje é uma das baratas mais difícies de se controlar porque ela consegue se adaptar a todos os cômodos das residências, além da tradicional cozinha.

Educação científica, o desafio

Décadas passaram-se para que a importância da barata silvestre no processo de decomposição de material orgânico encontrado nas matas e florestas se consolidasse como um conhecimento científico testado e comprovado. Levando-se em consideração tudo o que se descobriu até hoje sobre as baratas, pode-se afirmar que a ciência ainda se apresenta diante de um universo inteiro a ser desbravado. Muitos desafios e barreiras culturais deverão ser enfrentados. Atualmente, no Amazonas, apenas dois pesquisadores trabalham com a geração de informações científicas sobre as baratas.

A falta de interesse dos estudantes de todos os níveis (graduação, mestrado e doutorado) em estar desenvolvendo trabalhos na área é outro agravante que deve ser contornado pela Academia e por Instituições de Pesquisa do estado. O primeiro passo a ser dado é educar a população sobre os reais impactos causados pela presença das baratas tanto no meio rural quanto urbano. Desta forma, o simbolismo negativo carregado por todas as baratas, à custa de um pequeno grupo delas que verdadeiramente merecem esse estigma, será superado.

Curiosidades: A maioria das baratas é onívora, ou seja, ingere vários tipos de alimentos, tanto de origem vegetal quanto animal. Para digerir determinadas substâncias, elas contam com uma flora intestinal carregada de seres microscópicos que auxiliam neste processo. São bactérias, protozoários, vermes, que com o apoio de suas hospedeiras (as baratas) estabelecem uma relação simbiótica. Simbiose é o nome que se dá à interdependência de dois organismos de espécies diferentes. As baratas esperam dos microrganismos a digestão de determinadas substâncias para que o alimento seja absorvido pelo seu organismo. Já os microorganismos que se encontram no intestino da barata, esperam obter proteção e alimento em abundância. Como ambos não oferecem prejuízos um ao outro, define-se este tipo de simbiose como comensalismo. Ele ocorre quando dois animais diferentes, não-parasitas, dividem o alimento. Esta relação é inofensiva tanto para a barata quanto para os microorganismos. E ambos obtêm vantagens mútuas.

Fonte: Ascom do INPA, 20/12/05