Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

10 agosto 2006

AS MUDANÇAS QUE OS SERINGUEIROS PROMOVEM NA NOSSA LÍNGUA PORTUGUESA

Nota do Blog: sempre tenho dito que a UFAC e seus professores fazem coisas incríveis que precisam ser divulgadas de forma mais eficiente. Vejam o resumo abaixo, parte de um projeto bem mais amplo "Atlas Etnolingüístico do Acre". A gente sabe que a nossa língua tem evoluído, mas dificilmente temos tido a oportunidade de ver que pesquisadores locais estão acompanhando esta evolução.

CONSERVANTISMO E INOVAÇÃO NA LINGUAGEM DO ESTADO DO ACRE

INTRODUÇÃO

Este subprojeto faz parte do projeto maior Atlas Etnolingüístico do Acre e tem como título Conservantismo e Inovação na Linguagem do Estado do Acre. Por tratar-se de uma temática bastante ampla, optou-se por um recorte, realizando-se a pesquisa “As falas regionais do Vale do Acre, Purus e Juruá no contexto histórico do Brasil”. Segundo Antônio Houaiss (1915, p.9-10) “A Língua Portuguesa, variante lingüística do Português europeu trazido para o Brasil entre os séculos XVI e XVIII é a língua mais falada no mundo e a terceira mais falada no mundo Ocidental. Países como Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Macau, Moçambique Portugal, São Tomé e Timor Leste têm o Português como língua oficial”. Assim como outros idiomas, o Português passou por uma evolução diacrônica que está intimamente ligada à formação de seu povo e, conseqüentemente, à sua cultura, como por exemplo, o Latim, o Tupi e dialetos africanos.

Devemos considerar, ainda, que a nossa língua compreende dialetos e subdialetos, muitas vezes bastante distintos, que se originaram da riqueza étnica da formação do Brasil. Dessa forma, podemos identificar no Brasil uma mescla de idiomas que veio formar o chamado Português do Brasil. Segundo Paul Teyssier (1984) “os indígenas (primeiros habitantes destas terras), tinham como língua oficial o Tupi e a partir da chegada dos colonizadores, que falavam o Português Europeu, a língua oficial passou a ser a deles e não mais a dos povos nativos”, concordando, assim, com a afirmação de Gladstone Chaves de Melo (1981, p. 60), que nos diz: “A língua é uma instituição feita de hábitos impostos por uma comunidade”.

Qual a ligação dos fatos mencionados acima com a linguagem do seringueiro? Vimos em Ana Maria Pinto Pires de Oliveira (O Português do Brasil, 1997, p.166) “que a língua nativa necessitou de fatores externos para que houvesse uma evolução e da mesma forma o Português falado pelo colonizador entrou em contato com uma nova cultura que contribuiu para sua formação”. A língua falada nos seringais estava isolada dos fatores geográficos e econômicos, o que impedia o acesso às escolas e aos livros, enquanto isso, a fala da área urbana estava em contato direto com as tendências culturais da dinâmica da língua, portanto, evoluindo mais rápido que a fala do seringueiro. Assim, na sua linguagem é possível observarmos traços de um Português arcaico.

De acordo com Rocha Lima, “arcaísmos são fatos da velha língua desapareceram” - Carlos Henrique Lima da Rocha (1953, p.113). Segundo Rosa Mattos e Silva (2001 p.15-17). “O período arcaico tem início na história no século xlll com a escrita da Língua Portuguesa e termina, aproximadamente, no século xv com a impressão de livros”. Contudo, Ferdinand Saussure (1967, p.10) deixa claro que “tais registros, essencialmente no nível fonético, não alteraram profundamente a estrutura da língua. Efetivamente, ao observarmos as variações das regiões, assistimos a alterações importantes, mas a estrutura da língua permanece intacta”.

Gladstone Chaves de Melo (1981) afirma ainda que: “a linguagem é a expressão não apenas do pensamento, mas também do sentimento, da vontade, das emoções, e ainda quando o seja do pensamento. As línguas são produtos históricos e sociais da faculdade da linguagem, é uma realização concreta no tempo, sujeitas à atuação de vários fatores.” Portanto, apesar de distantes, historicamente, o Português arcaico e o seringueiro acreano, apresentam traços semelhantes em algumas ocorrências.

Dinah Callou e Yonne Leite em seu livro “Como Falam os Brasileiros” (2002, p.12.) também afirmam “é na linguagem que se reflete a identidade e a diferenciação de cada comunidade e também a inserção do indivíduo.” Assim, temos na linguagem do seringueiro alguns traços arcaicos, cuja explicação pode ser encontrada no fato de seu isolamento involuntário geográfico e de seu ofício. (Ana de Oliveira, 1997, p.166).

O objetivo desta pesquisa é fornecer dados lingüísticos para um melhor conhecimento da linguagem do seringueiro acreano, observando que a língua apresenta variações de acordo com cada zona de pesquisa, o sexo e a faixa–etária do informante; estudar os falares das comunidades no Vale do Acre (Rio Branco, Xapuri, Plácido de Castro), Juruá (Cruzeiro do Sul, Feijó e Tarauacá) e Purus (Assis Brasil, Manuel Urbano e Sena Madureira), observando os traços de unidade, diversidade e conservantismo da linguagem. Observar-se-á ainda, as variações lexicais de acordo com os vales pesquisados, faixa-etária e sexo. Tal estudo tem por objetivo maior fornecer subsídios para a construção do Atlas Lingüístico do mesmo Estado.

O trabalho aqui apresentado foi baseado na leitura de livros para embasamento do tema “Conservantismo na linguagem do seringueiro”; consultas a dicionário etimológico; oitiva de 18 fitas cassetes de 60 minutos cada, pertencentes ao acervo do CEDAC; registro de vocábulos arcaicos; entrelaçamento de expressões da fala do seringueiro com a Gramática Histórica, objetivando encontrar marcas de arcaísmos na fala de seringueiros acreanos.

RESULTADOS

Constatou-se, na fala dos seringueiros, a realização dos seguintes fenômenos fonéticos: síncope do “h”, “lh”, como: galina, foia; desnasalização de sons em palavras como home e ome; substituição de “uma” por “una”.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, podemos observar que a Língua Portuguesa passou por diversas transformações; no entanto, algumas palavras, em seus registros anteriores, permaneceram no uso que certos grupos fazem da língua, conservando intactas características do Português em uma de suas fases de formação. Assim, pôde-se observar, por meio de estudos da gramática histórica, a presença de marcas de arcaísmos na fala dos seringueiros, objeto precípuo de estudo de nosso projeto. É inegável a importância de uma pesquisa que aborde tal temática, uma vez que a mesma possibilitou a realização de um estudo sistematizado dos falares do Estado do Acre, mostrando outras matizes do Português do Brasil, com variedades que não possuem prestígio social e muitas vezes são consideradas como formas “erradas”, sob o ponto de vista de uma norma culta urbana. Sem dúvida, os resultados confirmam a inexistência de uma unidade na Língua Portuguesa, fato já atestado por vários lingüistas, entre os quais Marcos Bagno, em seu estudo “O preconceito Lingüístico”.

Autores: Francisca de Oliveira Maia (Bolsista do PIBIC/CNPq/UFAC–2005/2006) e Milton Chamarelli Filho (Orientador, Departamento de Letras, Campus de Cruzeiro do Sul). CONSERVANTISMO E INOVAÇÃO NA LINGUAGEM DO ESTADO DO ACRE. Anais do XV Seminário de Iniciação Científica PIBIq-CNPq , Universidade Federal do Acre, Rio Branco-Acre, 2006.Financiador: CNPq / PIBIC / UFAC.