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18 novembro 2006

GASTOS PÚBLICOS NO BRASIL

O QUE PESA MAIS: JUROS DA DÍVIDA PÚBLICA OU A DÍVIDA DA PREVIDÊNCIA?

André Barrocal – Carta Maior, 17/11/2006

Vale fazer esta pergunta neste momento em que a política econômica é rediscutida. Para o governo, o gasto previdenciário é maior. Mas muitos economistas consideram até que benefícios não devem ser tratados como gastos.

BRASÍLIA – Depois de uma reunião com o presidente Lula sobre o programa fiscal que está sendo preparado, na última terça-feira (14), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a Previdência “é o maior gasto público” e, por isso, o governo estudará como reduzir a diferença entre despesas e receitas do INSS, ou seja, o déficit. A afirmação choca-se, por exemplo, com o que a Comissão Mista de Orçamento do Congresso ouvira dias antes, em debate público sobre a proposta de orçamento federal de 2007 - o maior fardo seria o pagamento de juros da dívida.

O conflito aponta no mínimo para uma controvérsia. Para o diretor da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, Eugênio Greggianin, “a despesa mais importante é o juro”. Segundo ele, dois fatos sustentam a conclusão. O primeiro requer que se encare o orçamento de modo global, do jeito que o governo propõe ao Congresso na forma de uma lei, e não de maneira parcial, em que só se leva em conta a parcela financiada com a arrecadação de impostos, contribuições, taxas e lucro das estatais.

A proposta de orçamento de 2007, por exemplo, soma R$ 1,5 trilhão. Uns R$ 500 bilhões são financiados por receita tributária. A outra parte (R$ 1 trilhão), depende de recursos emprestados pelo “mercado”. Mas os empréstimos do “mercado” servem apenas para rolar a dívida pública. Só a fatia de R$ 500 bilhões banca obras e programas sociais. Contudo, esta parcela do orçamento também paga juros. É o “superávit primário”. Por isso, quando se considera o orçamento global (fatia tributária mais empréstimos), constata-se que, desde o início da política de pagamento de juros, em 1999, os gastos da Previdência sempre foram menores. (Clique aqui para ver tabela)

“O pagamento de juros é o maior gasto público. E as despesas que mais cresceram nos últimos anos foram os juros”, diz Eliana Magalhães Graça, assessora de política fiscal e orçamentária do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), ONG especializada em questões orçamentárias. “A maior é a conta dos juros. O grande nó da economia é esse”, afirma o professor Mauro Zilbovicius, da Universidade de São Paulo (USP).

O governo e algumas correntes de pensamento preferem, no entanto, considerar que só o pagamento de juros previsto na parcela tributária do orçamento (superávit primário) seria gasto. Por esta perspectiva, a Previdência apresenta valores maiores. (Veja tabela aqui)

Distribuição de renda
Em 2006, pela primeira vez desde 1999, os gastos do INSS devem ultrapassar o pagamento de juros, mesmo pela ótica global do orçamento. Em 2007, está certo que vão superar, como se vê na proposta de orçamento do governo. O INSS terá R$ 180 bilhões e os juros, R$ 166 bilhões.

Nos últimos anos, o gasto do INSS tem subido porque o salário mínimo, principal referência dos benefícios previdenciários, teve aumentos reais. Já o pagamento de juros estabiliza-se porque a taxa do Banco Central manteve-se num certo nível e, agora, está em queda. A inversão do peso das duas contas no orçamento sinaliza para uma certa distribuição de renda – os trabalhadores favorecidos pelo INSS ficam com um pedaço maior das riquezas nacionais do que os rentistas que vivem de juros.

“Há uma distorção distributiva no país com juro alto”, afirma o economista Antonio Prado, um dos formuladores do programa de governo do PT. “Tem de haver um esforço de redução do juro para reduzir a remuneração do capital e ter um efeito adicional na distribuição de renda”, completa o professor Carlos Frederico Rocha, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

INSS: natureza do gasto
O segundo fato que coloca o pagamento de juros no topo dos gastos públicos passa por um raciocínio sofisticado. Segundo Greggianin, os benefícios previdenciários, em sua totalidade, não deveriam ser considerados gasto público puro. O motivo é que o INSS tem uma fonte de financiamento exclusiva, a contribuição paga por patrões e empregados. Por isso, só deveria classificado como despesa pública a verba de impostos que o governo usa para cobrir o déficit da Previdência - ou seja, para cobrir a diferença entre as contribuições de patrões e empregados e o pagamento de benefícios.

Por está ótica, o gasto público com o INSS ficaria ainda menor do que o pagamento de juros tanto do ponto de vista do orçamento global, quanto no superávit primário. (Veja tabela aqui)

Para algumas correntes de pensamento, a cobertura do déficit do INSS, mesmo elevada, teria uma finalidade social. “A Previdência é parte importantíssima na distribuição de renda do país. O rombo é distribuição de renda. O governo cobre a diferença tirando de quem tem para dar a quem não tem”, diz Zilbovicius.

Por trás da argumentação levantada por Greggianin, há uma discussão conceitual acerca da natureza da Previdência. Num certo sentido, ela não é um programa do governo, mas um patrimônio dos trabalhadores que o Estado só administra. O mesmo vale para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Nos dois casos, o governo recolhe contribuições e gere recursos que pertencem aos trabalhadores. “Do ponto de vista da definição de tributo, não é correto dizer que contribuição à Previdência e ao FGTS é tributo. Previdência e FGTS não são patrimônios estatais”, diz Osíris Lopes Filho, ex-secretário da Receita Federal.

Lopes Filho ressalta, contudo, que, em termos macroeconômicos, as duas contribuições têm natureza tributária. Isso explica porque o empresariado e o governo colocam-nas no cálculo da “carga tributária”. Para o empresariado, não interessa o nome que leve – contribuição ou imposto de renda -, tudo aquilo que ele paga ao governo é tributo e serve para bancar o governo.