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03 abril 2007

MANEJO COMUNITÁRIO MADEIREIRO NO ACRE

UMA VOZ DISSONANTE EM MEIO AO "CORAL AFINADO" DOS APOIADORES DO MANEJO COMUNITÁRIO DE MADEIRA EM ÁREAS EXTRATIVISTA DO ACRE

Finalmente alguem resolveu falar! É isso mesmo. E o que é mais relevante: um economista que está no seio de uma das organizações cujas ações principais nos últimos anos foram o incentivo à implementação do manejo comunitário - o Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA). São Luis do Remanso e Porto Dias são dois projetos de manejo comunitário que devem tudo o que são hoje à ação do CTA.

O artigo de Georgheton Melo foi publicado na coluna Papo de Índio, na edição do dia 11/3/2007 do jornal Página 20.

Abaixo pincei, de um único parágrafo do artigo, o que o autor ressaltou como principais problemas enfrentados no manejo comunitário madeireiro realizado em áreas extrativistas:

- O sistema exige uma base de operação extremamente complexa e de altíssimo custo, exigindo níveis elevados de subsídios, seja através do governo, seja através das ONG’s, acarretando uma sugestiva eterna dependência dos extrativistas aos agentes externos;

- (...) a base técnica do manejo comunitário madeireiro está para as comunidades de extrativistas assim como a base técnica da revolução verde (agricultura convencional) esteve e está para a agricultura camponesa;

- Sem a tutela do Estado e das ONG’s, dificilmente comunidades de extrativistas se empenhariam em realizar algo tão complexo.

Pena que o artigo passou em "branco" na imprensa local, com a exceção, é claro, do Página 20, onde o mesmo foi publicado. Mas fiquem certos. Raras foram as vezes que no passado recente alguem ousou "falar mal" do manejo comunitário. Publico abaixo o artigo na íntegra. Observem que a chamada deste post foi elaborada para que as pessoas interessadas em informações sobre manejo comunitário madeireiro no Acre possam encontrar o mesmo mais facilmente se usarem buscadores como o google.

Manejo comunitário madeireiro: uma falha de concepção (1)

Georgheton Melo Nogueira (2)

Certa vez, numa destas reuniões do Grupo de Produtores Florestais Comunitário - GPFC, envolvido em entender a natureza do manejo comunitário madeireiro, lancei aos participantes a seguinte pergunta: caso tenham, ao final de uma safra (extração da madeira), um excedente financeiro livre, onde este seria investido? As respostas foram bastante variadas. Uns disseram que adquiririam algumas cabeças de gado, outros que iniciariam uma criação de pequenos animais (ovelhas, peixes, etc). Isto parece estimular constatação bem simples, mas revela desdobramentos pouco levados em consideração dentre os defensores do manejo comunitário madeireiro.

Por aí, percebe-se que a extração da madeira é vista pelos manejadores comunitários como uma forma de capitalização suficientemente capaz de engendrar outras atividades, geralmente determinadas pela afinidade e pelas expectativas de retorno. Ainda que esta expectativa nem sempre seja confirmada.

Antes de prosseguirmos, uma ressalva se faz necessária. Buscando referir-se ao manejo comunitário madeireiro, este artigo considera, a título de facilidade, manejador comunitário e extrativista como categorias semelhantes, apesar de não o serem em realidade.

Ainda insistindo na ressalva, apenas nela já surge uma questão importante: a relacionada à identidade. A identidade de “manejador” é construída como? Vem de onde? Seria uma identidade imposta? Particularmente, suspeito que esta construção esteja se dando paralelamente à desconstrução das racionalidades historicamente firmadas pelas comunidades humanas que se reproduzem historicamente na floresta. E, mais precisamente, a construção desta identidade estaria se dando num movimento de homogeneização das racionalidades, ou seja, das formas de conceber o mundo, dos valores etc.

Ao contrário do que sugere um dos pressupostos do pensamento hegemônico, a humanidade não é portadora de uma única racionalidade. Os povos construíram historicamente formas variadas de mediação com a realidade (a natureza), resultando em formas igualmente variadas de concepção do mundo, da realidade apresentada. O movimento da expansão do capital é que imperativamente subordina tudo aos seus ditames expansionistas e reduz estas formas variadas de mediação com a realidade e de concepção de mundo às relações de trocas no mercado e aos seus critérios de viabilidade.

Entendo que a mercantilização da natureza e dos povos que nela vivem é parte deste movimento. É o mundo e toda a sua diversidade reduzido à realidade do mercado. Bom, são questões importantes, que devem ocupar tempo de nossa reflexão, mas que fogem ao alcance deste artigo.

Feita a ressalva, continuemos. De fato, são muitos os problemas enfrentados no manejo comunitário madeireiro. O sistema exige uma base de operação extremamente complexa e de altíssimo custo, exigindo níveis elevados de subsídios, seja através do governo, seja através das ONG’s, acarretando uma sugestiva eterna dependência dos extrativistas aos agentes externos. Aliás, em termos sociais, culturais, econômicos e, em parte, também ambientais, a base técnica do manejo comunitário madeireiro está para as comunidades de extrativistas assim como a base técnica da revolução verde (agricultura convencional) esteve e está para a agricultura camponesa. Sem a tutela do Estado e das ONG’s, dificilmente comunidades de extrativistas se empenhariam em realizar algo tão complexo.

Além disso, existe uma enorme confusão acerca do ciclo de extração. Esta estimativa de 30 anos como base para definição do ciclo de extração, segundo alguns especialistas no assunto, erra absurdamente o alvo. De qualquer modo, por mais que não seja tão equivocada, ainda existem muitas dúvidas.

Recrudescendo este quadro de questões, tem-se ainda que raramente se encontra no Estado do Acre alguma comunidade realmente satisfeita com os resultados do manejo comunitário madeireiro. Ao contrário, as insatisfações saltam de todos os cantos.

Mas, para mim, procurando fazer uma crítica por dentro - nos termos em que o manejo é apresentado -, um dos problemas centrais é essencialmente de concepção. Ou seja, o manejo comunitário madeireiro enquanto atividade econômica. Vejamos porque.

Para a contabilidade geral, o estoque de produtos, ou mesmo de matéria-prima, a ser comercializado, constitui ativos de posse de seus detentores. Ativos são bens, tangíveis ou intangíveis, que constituem direitos aos seus detentores. Um automóvel é um ativo, uma dívida a receber é um ativo. O contrário, o passivo, representa as obrigações dos seus detentores. A dívida a ser paga, por exemplo, seria passivo.

Temos então que qualquer morador que goza da posse de uma porção da floresta, seja num projeto de assentamento agroextrativista ou reserva extrativista, portanto, tem sob sua posse ativos, seja a própria terra, portadora de valor, seja o que nela se encontra. As árvores de interesse econômico constituem ativos. Delas se extraem óleos, frutos, sementes e o próprio corpo, a madeira.

Para facilitar nossa compreensão, vamos resgatar rapidamente a teoria da precificação de ativos presente nos clássicos manuais de economia monetária, baseada no trabalho de Keynes, lá no capítulo 17 da Teoria Geral, de 1936.

Quatro atributos são percebidos para a definição do retorno esperado em um ativo. São eles: (1) taxa de rendimentos, que refere-se aos ganhos aferidos pela detenção do ativo; (2) prêmio pela liquidez, o que corresponde à facilidade de negociação do ativo, propiciando flexibilidade na mudança da composição do portfólio; (3) taxa esperada de apreciação, na medida em que o preço do ativo está sujeito à variação dos preços manifestados no mercado e (4) custo de carregamento, que compreende os custos incorridos pela detenção do ativo. Somando-se essas taxas todas, tem-se o valor de retorno total esperado de um ativo. O custo de carregamento é o termo negativo desta operação.

Voltemos novamente ao manejo florestal nos marcos apresentados no Acre. Comecemos pela extração de óleo. Ora, uma árvore que oferta óleo ao extrativista é um ativo que fornece, por assim dizer, rendimentos. Caso não seja retirada, uma copaíba disporá periodicamente de uma certa quantidade de óleo. Fazendo uma comparação grosseira, mas útil, é como os rendimentos proporcionados pelo aluguel de uma casa.

Obviamente que existe o custo de carregamento. No caso da casa, mantê-la gera custos (impostos, etc). O custo de ter a árvore produtora de óleo seria, assim, o seu custo de oportunidade, na medida em que o espaço que ela ocupa poderia ser ocupado por outro elemento produtivo.

Pois bem, este exercício também é válido para a extração de sementes e frutos, onde estes, assim como o óleo, representariam os rendimentos. É importante lembrar que, não pretendendo avançar muito neste quesito, estes produtos extraídos passam também a constituir ativos, que são realizados pelos extrativistas no mercado.

No caso da extração de madeira, pelo menos em relação ao atributo rendimento, não é o que acontece. O retorno que o extrativista pode aferir com a madeira é a partir dela em si, sua matéria constituída. A árvore fornecedora da madeira, neste caso, diferentemente da copaíba, ou castanheira, por exemplo, não apresentaria rendimentos. Um atributo próprio da madeira como ativo seria o da liquidez mais vantajosa em relação aos demais produtos do extrativismo. Sobre o atributo apreciação, assim como todo ativo, dependeria do comportamento dos preços no mercado.

Assim, na verdade, quando uma madeira é retirada e comercializada, faz-se essencialmente a transferência de riqueza antes imobilizada na madeira, para tomar outro rumo, ser materializada em outra coisa, a ser definido pelo extrativista, conforme o juízo que este fizer quanto ao melhor uso do dinheiro obtido com a madeira vendida.

Vale lembrar também que a retirada da madeira encerra os serviços ambientais que a árvore abatida antes prestava.

Pois bem, prosseguem a partir daí algumas opções construídas pelos extrativistas que são alvos de críticas de muitos ambientalistas apologistas do manejo florestal madeireiro. Estas críticas em parte são direcionadas aos extrativistas que, ao acumular dinheiro com a venda da madeira, acabam por adquirir gado bovino, por exemplo. Neste caso, o objetivo do manejo comunitário madeireiro, para estes ambientalistas, deixa de ser cumprido, na medida em que esta iniciativa (o manejo comunitário madeireiro) se propõe, dentre outras coisas, a reduzir as ameaças de desmatamento da floresta, ao que a aquisição de gado bovino por parte dos extrativistas não dissipa este problema, mas ao contrário, torna-o bastante próximo. O gado adquirido e sua conseqüente expansão irão exigir novas áreas de pastagens.

A venda da madeira representa, pois, a oportunidade do extrativista de iniciar um processo de acumulação de capital, já que esta operação de venda representa tão somente a transferência de riqueza da madeira para outra composição de riqueza.

Realmente, é difícil entender qual seria outra opção ao extrativista. Vejamos. Qualquer atividade econômica que seja capaz de gerar retornos receberá inversões seqüencialmente. Estas inversões cairão na medida em que as taxas de retorno verificadas forem sendo reduzidas, quando o capital nestas empreendido é deslocado para outra atividade, dando seguimento ao processo de reprodução do capital (isto se o capital não for dilacerado no processo concorrencial).

Tomando como exemplo um produtor de café ou um criador de gado bovino, enquanto estas atividades apresentarem retornos significativos serão alvo de re-inversões. A lavoura de café e o rebanho bovino serão ampliados, movimento que será invertido na medida em que a taxa de retorno cair.

No caso vivido pelo manejador comunitário dedicado à extração da madeira, isso não tem fundamento. A partir do momento em que o manejador extrai e vende sua madeira ele apropriou de certa quantia de dinheiro; dinheiro que estava em forma de riqueza imobilizada na madeira, agora disponível. Para pô-lo em movimento, torná-lo capital, deve, portanto, realizar uma re-inversão. Neste momento, o tempo de retorno, os riscos e a remuneração do capital a ser empatado são critérios importantes para a tomada de decisão. Então temos uma pergunta: como seria a re-inversão no manejo comunitário madeireiro? Seria plantando mais árvores? E se fosse, quem, individualmente, em sã consciência, investiria capital para ter retorno 30, 50, 100 anos depois, quando da árvore já crescida para ser extraída?

O problema do manejo comunitário madeireiro não é somente a dúvida quanto ao tempo do ciclo de extração, vai muito além disso. No final das contas, em muitos casos, pode servir para pôr em movimento aquilo que procura conter. Isto, fundamentalmente, por guardar em si a contradição acima mencionada.

O manejo madeireiro empresarial não enfrenta este problema porque opera em grandes escalas, em grandes aéreas de exploração. E, no dia em que forem esgotadas (as madeiras) as possibilidades de acumulação dos capitais nesta modalidade, muda-se pra outras regiões, assim como se muda de pátio de fábrica. O capital não estabelece vínculos com os lugares, apenas com sua melhor taxa de retorno possível.

Ora, não faz sentido algum a crítica aos manejadores comunitários acerca das opções que estes fazem dos investimentos quando possuidores de recursos para tal. Na verdade, quando o manejador comunitário vende uma madeira é o momento raro, por sinal, que tem de iniciar um processo de acumulação de capital.

Alguns ambientalistas querem dar respostas ao problema da degradação da Amazônia, atuando nos termos do mercado, dentro do quadro de referências, portanto, da lógica de reprodução do capital. O que é o manejo madeireiro se não uma tentativa de solução do desmatamento no quadro de referências do movimento de expansão do capital, que em última análise, acredito, é a causa real e essencial da degradação do meio ambiente?

Em suma, o manejo comunitário madeireiro representa, assim, para o manejador comunitário, uma oportunidade de capitalização para o desenvolvimento de outras atividades. Aí entra uma outra pergunta: com linhas de crédito específicas e subsidiadas para a agricultura familiar, é realmente necessário realizar a extração de madeira para viabilizar investimentos em outras atividades? O crédito, o PRONAF, por exemplo, não cumpriria o papel que a extração da madeira no manejo comunitário está cumprindo, em alguns casos?

Boa parte dos ambientalistas condena as opções que os extrativistas fazem com o dinheiro proveniente da extração da madeira, mas ao fazê-lo não se dão conta de que ao defenderem o manejo comunitário madeireiro nas demarcações conhecidas estão brincando de Deus nos termos do diabo: “olhe, mas não pegue; pegue, mas não coma” (é como dizer, ganhe dinheiro, mas não acumule).

O dinheiro público gasto em enormes subsídios para viabilizar uma atividade que não cumpre o que promete, seria melhor utilizado se aplicado em educação e saúde adequadas nas comunidades extrativistas, por exemplo. Políticas dessa natureza têm feito bastante falta e a ausência delas sofrimento.

Pois, até agora, o manejo comunitário madeireiro tem servido basicamente para capitalizar politicamente a madeira proveniente do Acre, favorecendo em muito o clima de negócios para os empresários do setor. Mas isso é assunto para outra oportunidade.

(1) Artigo originalmente publicado no jornal Página 20, 11/3/2007

(2) Economista do Centro dos Trabalhadores da Amazônia-CTA. As opiniões aqui manifestadas não representam as opiniões da instituição da qual faz parte o autor.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Olá me encantei com seu Blog!!!
Gostaria muito de trocarmos links!
Tenho um blog sobre o meio ambiente!
minha url é www.salveonossoplaneta.blogspot.com
conto com sua visita e opnião!
Que para mim é super importante!
Bjus e esperanças*
Nádia Bonani*

03/04/2007, 13:46  

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