MORCEGOS: NEM NOJENTOS, NEM VAMPIROS
Os semeadores de florestas
Marco Aurelio R. de Mello
Universidade Federal de São Carlos (SP)
Os morcegos são verdadeiros "semeadores de florestas": polinizam flores, dispersam sementes e, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, raramente são "vampiros" - no mundo existem apenas três espécies que se alimentam de sangue. O "cardápio" desses animais costuma ser variado e inclui frutas, insetos, peixes e até pequenos mamíferos. Aqueles que comem frutos são protagonistas de processos cruciais na natureza, como a regeneração de áreas perturbadas, principalmente nas florestas tropicais.
No mundo, em torno de 25% das 1.100 espécies de morcegos existentes se alimentam de frutos. No Brasil, esse percentual é de cerca de 50% de um total de 164 espécies. Alguns estudos sugerem que, em geral, as dietas dos morcegos combinam com suas histórias evolutivas, resultando na especialização alimentar de certas linhagens ou até em uma coevolução envolvendo morcegos e as plantas que produzem os frutos dos quais eles se alimentam. Há lugares, por exemplo, onde não ocorrem certos morcegos apenas porque seus frutos preferidos não estão presentes.
A inclusão dos frutos na alimentação provavelmente permitiu que os morcegos se diversificassem e conquistassem mais ambientes. Essa vantagem é especialmente forte nos trópicos, onde vários frutos estão disponíveis quase o ano inteiro, nas florestas, no cerrado e na caatinga. Em geral, esses frutos "atraentes para morcegos" são carnosos, não mudam de cor da fase verde para a madura, têm substâncias aromáticas atrativas quando maduros e ficam bem expostos nos ramos das plantas. No Brasil, são exemplos os frutos de pimenteiras, jaborandis, imbaúbas e figueiras.
Muitos morcegos coletam os frutos em uma determinada planta e, em vez de comê-los ali mesmo, os levam para outras plantas. Esse comportamento faz com que as sementes sejam descartadas ou defecadas, em conjunto, nos locais onde os morcegos se alimentam. Como esses animais voam grandes distâncias durante uma mesma noite, em escala maior o padrão da deposição, ou "chuva", de sementes costuma ser aleatório, o que aumenta a chance de cada semente encontrar um bom local para germinar.
A dispersão de sementes por longas distâncias também favorece (após o crescimento das novas plantas) o cruzamento entre exemplares de diferentes populações, o que aumenta a variabilidade genética e as chances de persistência da espécie. Cair longe das plantas-mães ainda ajuda as sementes e plântulas a escaparem da maior mortalidade que ocorre perto dos adultos da mesma espécie, onde ataques de roedores, insetos, fungos e bactérias são mais comuns.
Outro processo muito influenciado pelos morcegos é a regeneração de sistemas naturais após perturbações como fogo e desmatamento. Conhecido como sucessão ecológica, esse processo se dá com a chegada, o estabelecimento e a substituição gradual de espécies vegetais. Como os morcegos comem plantas que são, em sua maioria, pioneiras (ou seja, que chegam primeiro a locais perturbados) eles se tornam essenciais no restabelecimento da vegetação: as sementes, depositadas pelos morcegos nas áreas perturbadas, tornam-se arbustos que facilitam o crescimento de outras plantas e atraem animais, levando à regeneração do ambiente. Acredita-se, por exemplo, que a ilha de Cracatoa, na Indonésia, devastada por uma erupção vulcânica em 1883, teve sua regeneração facilitada pela atuação desses animais, juntamente com aves.
Portanto, conhecendo as plantas preferidas por morcegos e suas características ecológicas, teoricamente seria possível acelerar a regeneração ou mudar seus rumos em uma área degradada. Também se pode concluir que a extinção de morcegos interromperia determinadas interações, causando alterações na composição de espécies e um impacto no funcionamento do sistema ecológico, que possivelmente levariam à perda de biodiversidade e a outros efeitos.
Atualmente, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), existem no Brasil 14 espécies de morcegos vulneráveis à extinção. Porém, esse número pode ser muito maior já que são raros os estudos ecológicos ou conservacionistas envolvendo os morcegos do país.
Artigo originalmente publicado no Jornal do Brasil e reproduzido no portal Ecodebate em 25/09/2007.
Crédito da imagem: Ana Carolina, Revista Ciência Hoje.
Marco Aurelio R. de Mello
Universidade Federal de São Carlos (SP)
Os morcegos são verdadeiros "semeadores de florestas": polinizam flores, dispersam sementes e, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, raramente são "vampiros" - no mundo existem apenas três espécies que se alimentam de sangue. O "cardápio" desses animais costuma ser variado e inclui frutas, insetos, peixes e até pequenos mamíferos. Aqueles que comem frutos são protagonistas de processos cruciais na natureza, como a regeneração de áreas perturbadas, principalmente nas florestas tropicais.
No mundo, em torno de 25% das 1.100 espécies de morcegos existentes se alimentam de frutos. No Brasil, esse percentual é de cerca de 50% de um total de 164 espécies. Alguns estudos sugerem que, em geral, as dietas dos morcegos combinam com suas histórias evolutivas, resultando na especialização alimentar de certas linhagens ou até em uma coevolução envolvendo morcegos e as plantas que produzem os frutos dos quais eles se alimentam. Há lugares, por exemplo, onde não ocorrem certos morcegos apenas porque seus frutos preferidos não estão presentes.
A inclusão dos frutos na alimentação provavelmente permitiu que os morcegos se diversificassem e conquistassem mais ambientes. Essa vantagem é especialmente forte nos trópicos, onde vários frutos estão disponíveis quase o ano inteiro, nas florestas, no cerrado e na caatinga. Em geral, esses frutos "atraentes para morcegos" são carnosos, não mudam de cor da fase verde para a madura, têm substâncias aromáticas atrativas quando maduros e ficam bem expostos nos ramos das plantas. No Brasil, são exemplos os frutos de pimenteiras, jaborandis, imbaúbas e figueiras.
Muitos morcegos coletam os frutos em uma determinada planta e, em vez de comê-los ali mesmo, os levam para outras plantas. Esse comportamento faz com que as sementes sejam descartadas ou defecadas, em conjunto, nos locais onde os morcegos se alimentam. Como esses animais voam grandes distâncias durante uma mesma noite, em escala maior o padrão da deposição, ou "chuva", de sementes costuma ser aleatório, o que aumenta a chance de cada semente encontrar um bom local para germinar.
A dispersão de sementes por longas distâncias também favorece (após o crescimento das novas plantas) o cruzamento entre exemplares de diferentes populações, o que aumenta a variabilidade genética e as chances de persistência da espécie. Cair longe das plantas-mães ainda ajuda as sementes e plântulas a escaparem da maior mortalidade que ocorre perto dos adultos da mesma espécie, onde ataques de roedores, insetos, fungos e bactérias são mais comuns.
Outro processo muito influenciado pelos morcegos é a regeneração de sistemas naturais após perturbações como fogo e desmatamento. Conhecido como sucessão ecológica, esse processo se dá com a chegada, o estabelecimento e a substituição gradual de espécies vegetais. Como os morcegos comem plantas que são, em sua maioria, pioneiras (ou seja, que chegam primeiro a locais perturbados) eles se tornam essenciais no restabelecimento da vegetação: as sementes, depositadas pelos morcegos nas áreas perturbadas, tornam-se arbustos que facilitam o crescimento de outras plantas e atraem animais, levando à regeneração do ambiente. Acredita-se, por exemplo, que a ilha de Cracatoa, na Indonésia, devastada por uma erupção vulcânica em 1883, teve sua regeneração facilitada pela atuação desses animais, juntamente com aves.
Portanto, conhecendo as plantas preferidas por morcegos e suas características ecológicas, teoricamente seria possível acelerar a regeneração ou mudar seus rumos em uma área degradada. Também se pode concluir que a extinção de morcegos interromperia determinadas interações, causando alterações na composição de espécies e um impacto no funcionamento do sistema ecológico, que possivelmente levariam à perda de biodiversidade e a outros efeitos.
Atualmente, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), existem no Brasil 14 espécies de morcegos vulneráveis à extinção. Porém, esse número pode ser muito maior já que são raros os estudos ecológicos ou conservacionistas envolvendo os morcegos do país.
Artigo originalmente publicado no Jornal do Brasil e reproduzido no portal Ecodebate em 25/09/2007.
Crédito da imagem: Ana Carolina, Revista Ciência Hoje.
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