PESQUISA CONFIRMA
Pesquisa feita na UFRJ mostra que o álcool está presente em 75% das mortes no trânsito e que 38% dos casos envolvem consumos inferiores ao estipulado pelo Código de Trânsito
Por Washington Castilhos, do Rio de Janeiro, 03/09/2007
Agência FAPESP – Anualmente, mais de 1 milhão de pessoas morrem no mundo em decorrência de acidentes de trânsito causados pelo uso abusivo de bebidas alcoólicas, o que tem gerado preocupação em organismos como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, 35 mil pessoas morrem nas estradas todos os anos devido ao mesmo motivo, especialmente nos fins de semana e feriados.
A estimativa coloca o Brasil entre os países com a maior taxa de mortalidade no trânsito. Uma pesquisa realizada por uma equipe do Programa Acadêmico sobre Álcool e outras Drogas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com vítimas fatais de acidentes de trânsito, mostrou que o álcool estava presente em cerca de 75% dos casos e que, embora o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estipule o índice de 0,6 grama como limite máximo permitido de concentração de álcool por litro de sangue para caracterizar infração, um número significativo das vítimas apresentava índices muito inferiores.
O estudo avaliou os testes de alcoolemia realizados por legistas do Instituto Médico Legal em 94 mortos em acidentes e detectou que apenas 11 (11,77%) não haviam ingerido bebidas alcoólicas. Nas 83 vítimas restantes (equivalente a 88,3% do total), foi detectada a presença de álcool no sangue. Desses testes positivos, em 60,2% dos casos os envolvidos apresentavam níveis de álcool por litro de sangue superiores a 0,6 grama. Mas o que mais chamou a atenção foi que 38,3% dos mortos estavam no nível permitido, com índices entre 0,1 g/l a 0,59 g/l de álcool no sangue.
Para o neurologista José Mauro Braz de Lima, professor da faculdade de Medicina da UFRJ e coordenador da pesquisa, o trabalho é importante ao sugerir uma redução do nível de alcoolemia no Brasil. “É necessário que seja discutida a redução do nível estabelecido pelo Código de Trânsito Brasileiro. A taxa de 0,6 grama é elevada porque, dependendo da sensibilidade da pessoa, um nível mais baixo de álcool no sangue pode representar um risco de acidente de trânsito”, disse à Agência FAPESP.
Se comparado com outros países, o nível de alcoolemia brasileiro pode ser considerado alto. Na França, campanhas estão sendo feitas para reduzir de 0,5 grama para 0,2 grama o nível limite de álcool por litro de sangue do motorista. Na Suécia, o índice máximo é de 0,2 grama e no Japão é de 0,0, isto é, tolerância zero.
“É claro que essa redução no Brasil deve vir acompanhada de medidas paralelas, como a fiscalização e o controle efetivo”, disse Braz de Lima, lembrando que a alta freqüência de blitzes policiais fez com que a França reduzisse para mais da metade o número de mortes nas estradas.
“Nos Estados Unidos, alguns estados elevaram a idade mínima para consumo de álcool de 18 anos para 21 anos. Esse também é um exemplo de boa medida a ser adotada”, afirmou o pesquisador, que se dedica ao tema há mais de dez anos e também integra um comitê brasileiro nas Nações Unidas, criado em 2004 e responsável por campanha de redução de acidentes de trânsito.
Os resultados da pesquisa empreendida pela equipe da UFRJ serão apresentados durante o 19º Congresso da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas (Abead), que será realizado de 5 a 8 de setembro no Hotel Glória, no Rio de Janeiro.
Braz de Lima ressaltou que o número de mortes em acidentes de trânsito no Brasil equivale a 19 pessoas por 100 mil habitantes. “Na França, essa média é de 7 por 100 mil habitantes e, nos Estados Unidos, 12 por 100 mil.” A pesquisa verificou que 33% das 94 vítimas analisadas tinham entre 20 e 40 anos e 35% entre 50 e 70 anos. Entre os motivos estavam os atropelamentos (62% dos casos) e as mortes por colisão direta (38% dos casos).
Para ele, uma pesquisa precisa ser feita para comparar a curva de crescimento de produção de bebidas alcoólicas e o aumento de consumo de álcool por jovens. “O índice de consumo abusivo de álcool por jovens tem aumentado, o que é muito preocupante”, afirmou. Segundo levantamento feito em 2006 pelo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas (Cebrid), encomendado pela Secretaria Nacional Antidrogas, o consumo de bebidas alcoólicas aumentou, em cinco anos, 30% entre jovens de 12 a 17 anos e 25% entre jovens de 18 a 24 anos.
Por conta disso, Braz de Lima está coordenado outro estudo, a ser lançado ainda este ano, sobre o consumo de álcool e drogas nos finais de semana. “O que é fundamental é perceber a relação do álcool nos acidentes de trânsito. Existe aí uma relação de causa e efeito muito nítida, e dois terços dos que estão morrendo são jovens. São mortes sem doença”, destacou.
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