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21 setembro 2007

A VALORIZAÇÃO DOS RECURSOS FLORESTAIS E A CERTIFICAÇÃO AMBIENTAL NA AMAZÔNIA

Raimundo Cláudio Gomes Maciel (*)

Parte 3 (**)

A Certificação ambiental tem se tornado crescentemente numa característica comum nos mercados nacional e global, como um modo de reconhecer produtos e práticas que cumprem padrões e requerimentos específicos. Enquanto alguns programas de certificação, como ISO, são orientados para a indústria, outros têm particular relevância para as comunidades rurais. Sistemas de agricultura orgânica e certificação florestal promovem o gerenciamento ético de recursos naturais. (Stewart et. al., 2003)

Atualmente, a certificação está sendo promovida por várias razões – de razões de gerenciamento florestal a razões de mercado. (Stewart et. al., 2003, ASIA, 2000).

A certificação de produtos florestais proposta inicialmente por grupos ambientalistas, no final da década de 1980, após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992, vem sendo usada como principal instrumento para proteção das florestas, tendo desde 1993, o Conselho de Manejo Florestal (FSC – Forest Stewardship Council) como principal certificador e com credibilidade mundial.

Teoricamente, a certificação ambiental é considerada pelo mainstream como um instrumento econômico ou de mercado, e como tal é visto como uma estratégia de marketing, gerando possibilidades de diferenciação, visando assegurar a permanência ou até mesmo a ampliação da participação nos mercados, além da criação de novos mercados, mediante o processo de conscientização do uso racional dos recursos naturais.[1]

Segundo May e Veiga Neto (2000, p. 3):

“O princípio básico por detrás da idéia de certificação é estimular, através de incentivos econômicos, os agentes que exploram a floresta a promoverem voluntariamente práticas mais sustentáveis de manejo em busca dos possíveis benefícios econômicos que possam auferir desta conversão ao ‘bom manejo florestal’. (…) podem ser prêmios (…) incremento ou manutenção de fatias de mercado (…) Segundo Johnson & Cabarle, citados em Viana et alli (1995), a rationale da certificação seria tornar o manejo da floresta tropical mais atraente economicamente do que os outros possíveis usos da terra, tais como o manejo convencional da exploração madeireira ou mesmo a agricultura e pecuária. Para Viana (2000), o grande desafio da certificação é transformar a conservação em um bom negócio, transformando assim os paradigmas que nortearam o nosso histórico florestal.”

Viana apud May e Veiga Neto (2000), enfatizam que o sobre-preço advindo da certificação florestal, incluindo os diversos produtos florestais madeireiros e não-madeireiros, variou entre 15 e 40%. Mas, esses dados foram contestados por outros autores (Mastrangelli apud May e Veiga Neto, 2000) que alegam que os compradores não estão tão dispostos assim, e se o sobre-preço for de 10%, já é satisfatório.

Mas, uma vantagem que está sendo verificada sem contestações é a “maior facilidade de comercialização, abertura de mercado ou manutenção de ‘market share’, fato mencionado pelos detentores de produtos certificados ou em busca de certificação” (May e Veiga Neto, 2000).

No entanto, como o processo de certificação florestal é recente, há que se ter cautela quanto aos seus possíveis impactos sócio-econômicos e ambientais, tanto positivos quanto negativos, justamente pela falta de evidências concretas (Vita, 1999; Kenjen, 2002).

Ângelo (1999) afirma que há uma tendência em termos mundiais da ascensão da certificação, mas ao mesmo tempo, percebe-se que os mercados são localizados com destaque para países da comunidade européia e mercado norte-americano. Da mesma forma, Calejjon et al. apud May e Veiga Neto (2000) enfatizam que o mercado para produtos florestais de origem sustentável é incipiente, além da oferta e demanda por produtos certificados terem dificuldades de encontro.

De acordo com Vita (1999) a certificação, se usada de forma singular na Amazônia, tornar-se-á insuficiente, dadas as peculiaridades e problemas (institucionais, sócio-econômicos e políticos) da região na absorção e uso de tecnologias adequadas para a exploração sustentável das florestas. Além disso,

“Deve ser ressaltado que a qualidade florestal não depende somente da adoção de programas de certificação, mas também de melhores condições econômicas e sociais que permitam criar mercados com uma forte consciência ambiental, e de condições políticas favoráveis, enquanto a certificação não pode solucionar as ineficiências existentes no país. (Vita, 1999, p. 137)”

Uma contribuição para as discussões sobre o processo de certificação de produtos florestais na Amazônia, em particular no estado do Acre, está em CIRAD/UNICAMP (2001), que realizaram recente pesquisa no referido estado, com o intuito de gerar subsídios para o fortalecimento das atividades extrativistas na região, em especial aos produtos florestais não-madeireiros, priorizados pelo governo estadual. Seu relatório destaca que um dos principais gargalos mencionados pelos extrativistas é a falta de mercados.

Os resultados apresentados revelam que, em relação ao mercado nacional, faltam informações suficientes nos trabalhos disponíveis e devido ao curto período da pesquisa, foram formuladas prospecções sobre os mercados de polpas de frutas, em especial o Açaí, demonstrando que o produto acreano tem vantagens de qualidade e preço em relação ao Pará, principal fornecedor do produto. Além disso, a demanda nas grandes cidades está crescendo.

Em relação ao mercado internacional, o relatório enfatiza a existência de dois ou três mercados internacional chaves, quais sejam: fito-farmacêutico e cosmético. Mas, talvez existam em igual número, nichos de mercados ainda não identificados. Além disso, verificou-se que as empresas têm interesse em comprar produtos certificados. No entanto, são informações ainda inconsistentes que carecem de maiores pesquisas com efetiva quantificação. “Porém, as entrevistas com as indústrias mostram claramente que a demanda (final e derivada) está crescendo, com taxas anuais acima de 10%. Para qualquer negócio essa informação é muito importante e muito positiva” (CIRAD/UNICAMP, 2001, p. 43).

Ainda segundo CIRAD/UNICAMP (2001), a organização da cadeia produtiva dos produtos florestais não-madeireiros é um dos entraves para a efetiva ampliação do mercado, o que leva a problemas em relação à, entre outros, qualidade e baixos volumes comercializados. Nesse sentido, a certificação pode vir a ter um papel fundamental no estímulo de organizar a cadeia produtiva, bem como levar a eliminação dos atravessadores, agregando os ganhos destes aos rendimentos dos produtores extrativistas.

CIRAD/UNICAMP (2001) enfatiza que o mercado para produtos florestais não- madeireiros é apenas potencial, não existindo informações suficientes e nem confiáveis. O mercado nacional é ainda incipiente e pouco “eco-eficiente”, com os escassos sobre-preços, não oferecendo incentivos para novos selos-verdes, além de se referirem em sua grande maioria para produtos madeireiros.

Nota-se que apenas algumas empresas conseguiram um prêmio com a certificação no mercado externo, em torno de 7 a 8% - baseado na GETHAL/AM (May e Veiga Neto, 2000).

Entretanto, no estado do Acre, a floresta que viveu Chico Mendes, em Xapuri, tornou-se o primeiro manejo florestal sustentável comunitário a receber o selo-verde florestal – certificado pelo FSC – no Brasil, em 2002, compreendendo uma área de 900 ha de floresta para a produção de madeira que complementará as atividades tradicionais, como a borracha e a castanha. Há uma previsão pelos Coordenadores do projeto de manejo, de uma receita líquida por unidade de produção (colocação) em torno de R$ 3.200,00/ano (Machado, 2002; WWF, 2002a). Um aspecto importante é que o WWF-Brasil, que apoia o FCS no Brasil, cobriu todos os custos da certificação, conforme os padrões do FSC, “que são os mais elevados do mundo e mais aceito mundialmente” (WWF, 2002a).

Além disso, o governo do Acre se comprometeu publicamente, em 2001, a certificar até 2005, mais de 4 milhões de hectares, correspondendo a 25% das florestas do estado (WWF, 2002b).

Conforme Molnar et al. (2003), a ligação entre certificação ambiental e comunidades florestais é importante porque as comunidades são os principais responsáveis pelo manejo das florestas mundiais. Estima-se que ¼ (700-800 milhões de ha) das florestas do mundo subdesenvolvido são gerenciados ou de propriedades das comunidades. Ressalta-se que essa quantia dobrou nos últimos 15 anos e, provavelmente, irá dobrar novamente nos próximos 15 anos. No entanto, menos de 1% das florestas comunitárias é certificada.

O Forest Stewardship Council é responsável por 98% das certificações comunitárias, principalmente pela objetivação da eficiência sócio-ambiental. (Molnar et al., 2003)

Segundo Molnar et al. (2003), moradores e comunidades florestais têm tido alguns importantes benefícios indiretos da certificação florestal, tais como emprego e melhores condições de trabalho, além do auxílio na legitimação dos direitos de propriedade da terra.

Ressalta-se que em relação ao sobre-preço oriundo da certificação, que é um benefício direto e amplamente desejável, poucas comunidades já conseguiram obtê-lo. No entanto, comunidades que se encontram em áreas remotas, onde os mercados não estão desenvolvidos para produtos certificados, ainda não recebem o sobre-preço, o que dificulta inclusive os custos adicionais da certificação. (Molnar et al., 2003)

A certificação florestal foi pensada exclusivamente para madeira, mas uma discussão essencial para esse tipo de certificação é a certificação de produtos florestais não-madeireiros (PFNM), dado que a coleta de madeiras ocorre apenas durante quatro meses do ano e que as famílias dependem dos PFNM nos meses restantes do ano (Jones, 2003).

Segundo Pierce, Shanley e Laird (2003), os PFNM jogam um importante papel no sustento das comunidades rurais em termos mundiais e os recentes esforços para certificar os PFNM levantaram questões sobre os impactos deste tipo de certificação sobre os produtores e comunidades.

Segundo Walter et. Al (2003), alguns estudos de caso mostram que o comércio de PFNM certificados é ainda marginal, comparado com o comércio de produtos não certificados.

Além disso, ainda conforme os autores, relevantes esquemas de certificação para o uso e comércio de PFNM não focalizam somente em certificação de gerenciamento florestal, mas também incluem esquemas de certificação principalmente usados na agricultura tais como certificação orgânica e social (fair and ethical trade).

De qualquer maneira, tem-se um desafio na identificação dos possíveis impactos da certificação, frente ao desenvolvimento florestal sustentável de comunidades florestais, especialmente em Unidades de Conservação da Amazônia, em particular no Acre, além de sua expressão e extensão, em termos de fluxos monetários para as comunidades envolvidas, e em termos ambientais para a sociedade.

Como visto, o mercado para produtos florestais certificados é ainda incipiente com crescentes potenciais de expansão no Brasil e no mundo, mas voltado principalmente para produtos de origem madeireira, o que torna necessária a ampliação do foco para a certificação dos produtos florestais não-madeireiros, devido às diversas oportunidades de diferentes usos da floresta, ao invés de restringir a produtos madeireiros.

É importante ressaltar, de acordo com Viana (2002), que a certificação ambiental não pode e nem deve ser vista como panacéia para resolver todos os problemas sócio-econômicos, políticos, institucionais e ambientais da região. Todavia, se insere como uma poderosa estratégia competitiva - aliada a políticas de gestão ambiental - que pode estimular as comunidades envolvidas a optarem por explorações sustentáveis da floresta, mediante captura, em termos monetários, dos benefícios advindos da conservação florestal.

Agora, entender teoricamente a certificação ambiental como um diferencial competitivo é primordial para melhor compreensão de seus impactos nas comunidades florestais. Isso será discutido no próximo capítulo.

[1] Conforme: May e Veiga Neto, 2000; Vita, 1999; Kenjen, 2002; CIRAD/UNICAMP, 2001.

(*) Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas e Coordenador do Projeto Análise Econômica dos Sistemas Básicos de Produção Familiar Rural do Estado do Acre (ASPF) do Departamento de Economia da UFAC. E-mail: rcgmaciel@bol.com.br.

(**) Texto extraído do Capítulo 1 da tese de Doutorado “Certificação Ambiental: Uma Estratégia para a Conservação da Floresta Amazônica”, defendida pelo autor na Unicamp em 2007.

Crédito das imagens: Angelim vermelho (E. Ferreira). Demais imagens: site da RESEX Cazumbá-Iracema.