FUSO HORÁRIO DO ACRE: SENADO ATENDEU PRESSÕES DA GLOBO
Senado aprova novo fuso horário para evitar adequação à Classificação Indicativa
Diogo Moyses, editor do Observatório do Direito à Comunicação
11/04/2008
Dias após a entrada em vigor dos dispositivos da Portaria 1.220/07 que determinam que as emissoras de TV adaptem suas transmissões aos diferentes fusos horários vigentes no país em função da classificação indicativa dos programas, as Organizações Globo radicalizaram a ofensiva contra a medida, prevista no Estatuto da Criança e Adolescente e na Constituição Federal. Antes da plena entrada em vigor da Portaria (foram cinco adiamentos), as emissoras tiveram 14 meses para se adequar às regras.
Com um dia de atraso, a Globo alterou a grade da programação nos estados da Região Norte e Centro-Oeste que possuem fuso horário diverso do adotado em Brasília, “atrasando” seus programas em uma hora. Mas, ao contrário do que deu a entender na última semana [ver aqui] a emissora investe pesado para derrubar a classificação indicativa em todo o país.
A cartada mais recente da emissora da família Marinho não é nada modesta: a alteração do fuso horário do Norte do país, igualando o fuso do Pará ao de Brasília e o do Acre e de parte do Amazonas ao do restante da Região Norte. A intenção é uma só: evitar “maiores danos” à grade de programação da emissora na região, agora já sob as obrigações da Portaria 1.220.
A tentativa de alteração do fuso horário brasileiro sem debate público não é nova [ver aqui], mas com a última onda de pressão sobre os parlamentares, e com a postura submissa destes em relação ao principal grupo de comunicação do país, o que parecia impossível tornou-se uma possibilidade real. Na noite de ontem, 11/4, quatro dias após a entrada em vigor da regra do horário local para a programação de TV, o Senado Federal aprovou em plenário o Projeto de Lei do senador Tião Viana (PT-AC) que altera o fuso horário nessas regiões.
Com a justificativa de que o projeto pretende “facilitar o transporte aéreo, as comunicações e a integração com o sistema financeiro nacional”, o PL reduz o fuso horário do Acre e de 46 cidades do Amazonas. A diferença do horário da região em relação ao horário oficial de Brasília cairá de duas para uma hora. A proposta também atinge o estado do Pará, que ficará todo com o mesmo fuso horário de Brasília.
O projeto segue agora para sanção presidencial, que pode referendar o resultado da ofensiva global e, conseqüentemente, trazer mudanças de ordens diversas às populações das regiões afetadas [ver aqui].
A outra estratégia da ofensiva das Organizações Globo, sempre implementada por meio da Abert, é a ameaça da apresentação, por meio do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), de uma proposta de Decreto Legislativo para derrubar a Portaria 1.220. Não é a primeira vez que o senador é porta-voz da família Marinho: em junho do ano passado Virgílio apresentou proposta semelhante para revogar os efeitos da Portaria nº 264, antigo instrumento de regulação da classificação indicativa.
Chantagem
A Globo já havia procurado o Palácio do Planalto para tentar novo adiamento da entrada em vigor das regras, mas recebeu a notícia de que o diálogo deveria ser feito com o Ministério da Justiça. E este, por meio da Secretaria Nacional de Justiça, manteve o compromisso assumido junto ao Ministério Público Federal e às organizações da sociedade civil, refutando a possibilidade de novo adiamento.
A pressão, diga-se, é exclusiva da Globo, que se recusa a adequar sua grade de programação às faixas etárias mais baixas. Fosse isso feito (como por exemplo adequar a novela “das 8” às crianças de 10 anos), não seria necessário atrasar a programação dos estados da Região Norte, inclusive do Acre e de parte do Pará. Mas esse não é um preço que a emissora parece disposta a pagar.
Pesquisa secreta
Nas últimas semanas, a Abert utilizou politicamente uma pesquisa encomendada ao Ibope para afirmar que os cidadãos desses estados seriam contra a adequação da programação ao seu fuso horário. O conjunto dos dados da pesquisa, entretanto, não foram revelados, apesar da insistência deste Observatório junto ao Ibope. Mas a explicação é simples: o conjunto dos resultados evidencia que a população desses estados é majoritariamente favorável à classificação indicativa dos programas de televisão, e quer que as regras sejam respeitadas da mesma forma que nos estados do Sul e do Sudeste.
Segundo os poucos dados da pesquisa obtidos pelo Ministério Público Federal, apenas 6% dos entrevistados destas regiões disseram estar dispostos a adquirir antena parabólica em razão da adequação da programação televisiva à classificação indicativa. A única reação negativa relaciona-se à questão que induzia o entrevistado a acreditar que o cumprimento das regras impediria a transmissão ao vivo de jogos de futebol. A questão, colocada de forma descontextualizada, é enganosa. Afinal, jornalismo e eventos ao vivo não são classificados, e podem ser transmitidos em qualquer horário.
Mais pressão
A pressão exercida pela Globo no Senado motivou na manhã da quinta-feira uma reunião entre procuradores do Ministério Público Federal, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e os senadores da base governista Romero Jucá (PMDB-AL), Tião Viana (PT-AC), Fátima Cleide (PT-RO) e Valdir Raupp (PMDB-RO). No encontro, o senador Jucá, líder do governo, afirmou que os senadores da região não tinham como dar sustentação à classificação indicativa, já que esta impediria a população de assistir aos jogos de futebol ao vivo.
Os representantes do MPF, então, destacaram a impossibilidade legal de excluir as crianças dos Estados com fuso horário diferenciado em relação ao de Brasília da proteção constitucional. Também foi esclarecido que a Portaria não impede a exibição de telejornais e jogos em seus horários habituais, e que o fato da Globo atrasar a exibição dos jogos nessas regiões na última quarta-feira foi uma opção da emissora.
Apesar do próprio senador Romero Jucá ter percebido a existência de alternativas para a transmissão dos jogos ao vivo - basta que as novelas sejam adequadas à classificação de todas as regiões do país -, e de ter afirmado no encontro que levaria a sugestão às emissoras de televisão, na noite do mesmo dia o Senado aprovou a proposta de mudança do fuso horário.
A ofensiva da Globo deve permanecer nos próximos dias, pressionando parlamentares e governo a revogar as regras da classificação indicativa. O sucesso da investida, contudo, ainda não é certo, mesmo vinda de quem se acostumou a dar as cartas na política brasileira.
Diogo Moyses, editor do Observatório do Direito à Comunicação
11/04/2008
Dias após a entrada em vigor dos dispositivos da Portaria 1.220/07 que determinam que as emissoras de TV adaptem suas transmissões aos diferentes fusos horários vigentes no país em função da classificação indicativa dos programas, as Organizações Globo radicalizaram a ofensiva contra a medida, prevista no Estatuto da Criança e Adolescente e na Constituição Federal. Antes da plena entrada em vigor da Portaria (foram cinco adiamentos), as emissoras tiveram 14 meses para se adequar às regras.
Com um dia de atraso, a Globo alterou a grade da programação nos estados da Região Norte e Centro-Oeste que possuem fuso horário diverso do adotado em Brasília, “atrasando” seus programas em uma hora. Mas, ao contrário do que deu a entender na última semana [ver aqui] a emissora investe pesado para derrubar a classificação indicativa em todo o país.
A cartada mais recente da emissora da família Marinho não é nada modesta: a alteração do fuso horário do Norte do país, igualando o fuso do Pará ao de Brasília e o do Acre e de parte do Amazonas ao do restante da Região Norte. A intenção é uma só: evitar “maiores danos” à grade de programação da emissora na região, agora já sob as obrigações da Portaria 1.220.
A tentativa de alteração do fuso horário brasileiro sem debate público não é nova [ver aqui], mas com a última onda de pressão sobre os parlamentares, e com a postura submissa destes em relação ao principal grupo de comunicação do país, o que parecia impossível tornou-se uma possibilidade real. Na noite de ontem, 11/4, quatro dias após a entrada em vigor da regra do horário local para a programação de TV, o Senado Federal aprovou em plenário o Projeto de Lei do senador Tião Viana (PT-AC) que altera o fuso horário nessas regiões.
Com a justificativa de que o projeto pretende “facilitar o transporte aéreo, as comunicações e a integração com o sistema financeiro nacional”, o PL reduz o fuso horário do Acre e de 46 cidades do Amazonas. A diferença do horário da região em relação ao horário oficial de Brasília cairá de duas para uma hora. A proposta também atinge o estado do Pará, que ficará todo com o mesmo fuso horário de Brasília.
O projeto segue agora para sanção presidencial, que pode referendar o resultado da ofensiva global e, conseqüentemente, trazer mudanças de ordens diversas às populações das regiões afetadas [ver aqui].
A outra estratégia da ofensiva das Organizações Globo, sempre implementada por meio da Abert, é a ameaça da apresentação, por meio do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), de uma proposta de Decreto Legislativo para derrubar a Portaria 1.220. Não é a primeira vez que o senador é porta-voz da família Marinho: em junho do ano passado Virgílio apresentou proposta semelhante para revogar os efeitos da Portaria nº 264, antigo instrumento de regulação da classificação indicativa.
Chantagem
A Globo já havia procurado o Palácio do Planalto para tentar novo adiamento da entrada em vigor das regras, mas recebeu a notícia de que o diálogo deveria ser feito com o Ministério da Justiça. E este, por meio da Secretaria Nacional de Justiça, manteve o compromisso assumido junto ao Ministério Público Federal e às organizações da sociedade civil, refutando a possibilidade de novo adiamento.
A pressão, diga-se, é exclusiva da Globo, que se recusa a adequar sua grade de programação às faixas etárias mais baixas. Fosse isso feito (como por exemplo adequar a novela “das 8” às crianças de 10 anos), não seria necessário atrasar a programação dos estados da Região Norte, inclusive do Acre e de parte do Pará. Mas esse não é um preço que a emissora parece disposta a pagar.
Pesquisa secreta
Nas últimas semanas, a Abert utilizou politicamente uma pesquisa encomendada ao Ibope para afirmar que os cidadãos desses estados seriam contra a adequação da programação ao seu fuso horário. O conjunto dos dados da pesquisa, entretanto, não foram revelados, apesar da insistência deste Observatório junto ao Ibope. Mas a explicação é simples: o conjunto dos resultados evidencia que a população desses estados é majoritariamente favorável à classificação indicativa dos programas de televisão, e quer que as regras sejam respeitadas da mesma forma que nos estados do Sul e do Sudeste.
Segundo os poucos dados da pesquisa obtidos pelo Ministério Público Federal, apenas 6% dos entrevistados destas regiões disseram estar dispostos a adquirir antena parabólica em razão da adequação da programação televisiva à classificação indicativa. A única reação negativa relaciona-se à questão que induzia o entrevistado a acreditar que o cumprimento das regras impediria a transmissão ao vivo de jogos de futebol. A questão, colocada de forma descontextualizada, é enganosa. Afinal, jornalismo e eventos ao vivo não são classificados, e podem ser transmitidos em qualquer horário.
Mais pressão
A pressão exercida pela Globo no Senado motivou na manhã da quinta-feira uma reunião entre procuradores do Ministério Público Federal, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e os senadores da base governista Romero Jucá (PMDB-AL), Tião Viana (PT-AC), Fátima Cleide (PT-RO) e Valdir Raupp (PMDB-RO). No encontro, o senador Jucá, líder do governo, afirmou que os senadores da região não tinham como dar sustentação à classificação indicativa, já que esta impediria a população de assistir aos jogos de futebol ao vivo.
Os representantes do MPF, então, destacaram a impossibilidade legal de excluir as crianças dos Estados com fuso horário diferenciado em relação ao de Brasília da proteção constitucional. Também foi esclarecido que a Portaria não impede a exibição de telejornais e jogos em seus horários habituais, e que o fato da Globo atrasar a exibição dos jogos nessas regiões na última quarta-feira foi uma opção da emissora.
Apesar do próprio senador Romero Jucá ter percebido a existência de alternativas para a transmissão dos jogos ao vivo - basta que as novelas sejam adequadas à classificação de todas as regiões do país -, e de ter afirmado no encontro que levaria a sugestão às emissoras de televisão, na noite do mesmo dia o Senado aprovou a proposta de mudança do fuso horário.
A ofensiva da Globo deve permanecer nos próximos dias, pressionando parlamentares e governo a revogar as regras da classificação indicativa. O sucesso da investida, contudo, ainda não é certo, mesmo vinda de quem se acostumou a dar as cartas na política brasileira.
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