MMA PODE SE TRASNFORMAR EM MERO LICENCIADOR DE OBRAS
Ministério virou pasta de 2ª categoria
João Domingos
Agência Estado
O Planalto queria reduzir o Ministério do Meio Ambiente a um órgão licenciador de obras. A síntese da crise que levou a ministra Marina Silva e alguns secretários foi feita ontem ao Estado por João Paulo Capobianco, ex-secretário-executivo do ministério e ministro interino até a posse, anteontem, de Carlos Minc. Capobianco diz que a questão ambiental nunca foi considerada importante pelo governo. E que a situação se agravou depois que as ações punitivas do ministério começaram a interferir na economia. Nesse momento, disse, todos passaram a defender que as funções do ministério deveriam ser "pequenas, de fiscalização e controle e licenciamento". No discurso de despedida do cargo, Capobianco surpreendeu pelo tom forte de críticas. Disse que o Ministério do Meio Ambiente foi tratado como órgão de segunda categoria e que, para salvar a agenda ambiental, a senadora Marina, ele e a equipe anterior pediram demissão.
Por que no seu discurso de despedida o senhor disse que o MMA era considerado de 2.ª categoria?
Porque o MMA não era mais capaz de oferecer opções e vantagens para o interesse nacional. Era como se tivéssemos um ministério que não era parte da solução. Esse é o dilema mais grave. A questão ambiental não era vista como um elemento de vantagem. Mesmo num momento de crise ambiental que o planeta vive, das mudanças climáticas, da crise da biodiversidade, da perda das florestas - e o mundo vive a questão ambiental numa intensidade jamais vivida -, o País que tem o maior ativo ambiental do planeta não considera esse ativo e a sua gestão como algo que pode contribuir para o desenvolvimento do País, ajudar nas soluções que o País procura corretamente. O MMA foi relegado às funções pequenas do ponto de vista de sua importância: licenciamento, fiscalização e controle.
A nomeação pelo presidente Lula do ministro Mangabeira Unger para gerir o Plano Amazônia Sustentável (PAS) reflete essa falta de importância do MMA?
Olha, essa questão não pode ser vista como pessoal. Nada tem a ver com a pessoa de Mangabeira. O que tem a ver é que o PAS tem por função orquestrar e coordenar um processo que viabilize o desenvolvimento sustentável de 60% do território brasileiro, da maior floresta tropical e biodiversidade biológica do planeta, da maior diversidade cultural do Brasil. E, na hora de você operar essa agenda, o Meio Ambiente não é visto como o ministério que pode fazê-lo. Na hora em que se constrói uma visão de integração entre o governo e essa biodiversidade cultural, o ministério não é mais visto como o que pode gerir isso. Essa questão, repito, não tem nada a ver com Mangabeira Unger, tem a ver com a visão do governo sobre qual é o papel do MMA. Nessa visão, é só para fiscalizar, criar unidade de fiscalização. Não é dialogar, no contexto do governo, na busca de soluções sobre o desenvolvimento sustentável, que dêem ao Brasil condições para explorar suas potencialidades.
A ex-ministra Marina Silva disse que o resultado da política ambiental no segundo mandato é "pífio". A situação se agravou no segundo mandato?
Vejo que nós avançamos na agenda ambiental, no começo era acomodada no governo, e em certo momento ela passou a ser estranha. Quando nós saímos do embate, do combate ao desmatamento pela fiscalização e passamos a agir com as alternativas ambientais, sociais e econômicas, isso passou a ser estranho no governo.
Quer dizer que quando a atuação do meio ambiente ameaçou atingir a economia, o governo mudou?
Acredito que chegamos a um momento muito especial a partir da divulgação daqueles dados sobre o desmatamento, em janeiro. Houve naquele momento uma visão pequena em relação ao ministério, ou que o ministério tem um papel restrito. Diria que o ministério foi submetido a um isolamento em relação aos grandes debates nacionais, soluções, às discussões com o próprio núcleo do governo. As participações do ministério se resumiam a reuniões onde havia demandas do próprio ministério e não reuniões onde o ministério demandava. Cada vez menos era possível obter uma reunião do centro do governo para tratar de um assunto levado pelo ministério. A partir de 2006, praticamente as reuniões eram determinadas por outros. O ministério ficou de fora da política industrial. Na biotecnologia, o ministério foi envolvido nos 45 minutos finais do jogo. Foi uma verdadeira guerra.
Quem sufocou o ministério? Uma pessoa, o conjunto do governo?
O que fica evidente é que essa visão do papel do ministério gradativamente se tornou hegemônica no governo, que o ministério não tinha um papel relevante dentro da política de desenvolvimento nacional. E olha que estamos lidando com um país em desenvolvimento. E qual é a questão número 1 do Brasil? Desenvolvimento com distribuição de renda, socialmente justo. Para nós havia mais um elemento: desenvolvimento econômico, socialmente justo e ambientalmente sustentável. Esse ambientalmente sustentável não faz parte da visão do conjunto do governo. Essa é uma visão secundária, mesmo que seja evidente que as conseqüências disso são a perda de mercado, o prejuízo econômico. Isso é sempre interpretado como artificialidade. Pegando o caso dos biocombustíveis. É evidente que não há elemento hoje - e tenho dito isso, participei de várias reuniões internacionais, pelo governo, e estando fora dele, vou continuar dizendo - que não há nenhuma justificativa da opinião pública internacional para condenar os biocombustíveis do Brasil em função da destruição da Amazônia. É um absurdo. O etanol, o mais importante, tem participação muito pequena na área agricultável do Brasil, menos de 1%, está em regiões altamente desenvolvidas, como São Paulo. Nas regiões onde ele está você tem ganhos ambientais, ele traz a modernização do campo, apoio à recuperação de áreas degradadas, melhorias ambientais. Então, é um absurdo dizer que o biocombustível é um elemento degradador hoje. Mas não há dúvida de que pode ser amanhã. Não há dúvida de que a expansão pode ser algo que gere problemas.
Isso não é uma vantagem a ser divulgada?
Uma coisa é você dizer: ?não quero que o biocombustível gere degradação ambiental porque eu não quero degradação ambiental?, ou dizer: ?infelizmente, nós não vamos ter degradação ambiental porque senão vai ter barreira de mercado?. A diferença é filosófica, de percepção. No caso do biocombustível, por exemplo, quando fomos discutir, em várias reuniões, no núcleo do governo - esse é um dado muito interessante - sempre que esse assunto vinha para a discussão, nós colocávamos que o MMA já tem um mapeamento detalhado das áreas sensíveis do ponto de vista ambiental e que esse mapeamento seria importante para orientar políticas de governo de desestímulo da expansão nessas áreas, estimulando a expansão em outras áreas. Isso sempre era visto como uma restrição. ?Não, mas isso é uma restrição. Você não pode impedir a expansão.? É uma visão de que a questão ambiental é quase uma artificialidade inventada por algumas pessoas que ocupam um ministério do governo. Então, quando essa situação é exposta como foi, com os dados do desmatamento em janeiro, e que isso gera um impacto, aí sim. Aquilo que é algo circunscrito e vira algo central, que traz para o centro do governo o problema, com repercussões enormes, nacionais e internacionais, a reação não é: ?Ih, temos um grave problema.? A reação é: ?Será que isso é grave mesmo?? É como se o sujeito que descobre que está com febre quebrasse o termômetro.
O presidente Lula disse que, ao divulgar os dados do desmatamento, o MMA pegou um nódulo e o transformou em câncer.
O presidente Lula é uma pessoa admirável, pela objetividade e capacidade de análise que possui. Os grandes resultados que obtivemos foram conquistas obtidas junto com o presidente. No caso daquela fala dele, ele estava correto do seu ponto de vista. Ele quis dizer que a faixa de desmatamento é medida em 12 meses. Portanto, temos 12 meses para tratar do assunto.
Quem é: João Paulo Capobianco
É ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e ficou como ministro interino até a posse de Carlos Minc. Biólogo, fotógrafo e ambientalista especializado em Educação Ambiental pela Universidade de Brasília. Foi fundador e primeiro presidente da Associação em Defesa da Juréia e fundador da Fundação SOS Mata Atlântica.
Crédito da imagem: Marcello Casal Jr./ABr
João Domingos
Agência Estado
O Planalto queria reduzir o Ministério do Meio Ambiente a um órgão licenciador de obras. A síntese da crise que levou a ministra Marina Silva e alguns secretários foi feita ontem ao Estado por João Paulo Capobianco, ex-secretário-executivo do ministério e ministro interino até a posse, anteontem, de Carlos Minc. Capobianco diz que a questão ambiental nunca foi considerada importante pelo governo. E que a situação se agravou depois que as ações punitivas do ministério começaram a interferir na economia. Nesse momento, disse, todos passaram a defender que as funções do ministério deveriam ser "pequenas, de fiscalização e controle e licenciamento". No discurso de despedida do cargo, Capobianco surpreendeu pelo tom forte de críticas. Disse que o Ministério do Meio Ambiente foi tratado como órgão de segunda categoria e que, para salvar a agenda ambiental, a senadora Marina, ele e a equipe anterior pediram demissão.
Por que no seu discurso de despedida o senhor disse que o MMA era considerado de 2.ª categoria?
Porque o MMA não era mais capaz de oferecer opções e vantagens para o interesse nacional. Era como se tivéssemos um ministério que não era parte da solução. Esse é o dilema mais grave. A questão ambiental não era vista como um elemento de vantagem. Mesmo num momento de crise ambiental que o planeta vive, das mudanças climáticas, da crise da biodiversidade, da perda das florestas - e o mundo vive a questão ambiental numa intensidade jamais vivida -, o País que tem o maior ativo ambiental do planeta não considera esse ativo e a sua gestão como algo que pode contribuir para o desenvolvimento do País, ajudar nas soluções que o País procura corretamente. O MMA foi relegado às funções pequenas do ponto de vista de sua importância: licenciamento, fiscalização e controle.
A nomeação pelo presidente Lula do ministro Mangabeira Unger para gerir o Plano Amazônia Sustentável (PAS) reflete essa falta de importância do MMA?
Olha, essa questão não pode ser vista como pessoal. Nada tem a ver com a pessoa de Mangabeira. O que tem a ver é que o PAS tem por função orquestrar e coordenar um processo que viabilize o desenvolvimento sustentável de 60% do território brasileiro, da maior floresta tropical e biodiversidade biológica do planeta, da maior diversidade cultural do Brasil. E, na hora de você operar essa agenda, o Meio Ambiente não é visto como o ministério que pode fazê-lo. Na hora em que se constrói uma visão de integração entre o governo e essa biodiversidade cultural, o ministério não é mais visto como o que pode gerir isso. Essa questão, repito, não tem nada a ver com Mangabeira Unger, tem a ver com a visão do governo sobre qual é o papel do MMA. Nessa visão, é só para fiscalizar, criar unidade de fiscalização. Não é dialogar, no contexto do governo, na busca de soluções sobre o desenvolvimento sustentável, que dêem ao Brasil condições para explorar suas potencialidades.
A ex-ministra Marina Silva disse que o resultado da política ambiental no segundo mandato é "pífio". A situação se agravou no segundo mandato?
Vejo que nós avançamos na agenda ambiental, no começo era acomodada no governo, e em certo momento ela passou a ser estranha. Quando nós saímos do embate, do combate ao desmatamento pela fiscalização e passamos a agir com as alternativas ambientais, sociais e econômicas, isso passou a ser estranho no governo.
Quer dizer que quando a atuação do meio ambiente ameaçou atingir a economia, o governo mudou?
Acredito que chegamos a um momento muito especial a partir da divulgação daqueles dados sobre o desmatamento, em janeiro. Houve naquele momento uma visão pequena em relação ao ministério, ou que o ministério tem um papel restrito. Diria que o ministério foi submetido a um isolamento em relação aos grandes debates nacionais, soluções, às discussões com o próprio núcleo do governo. As participações do ministério se resumiam a reuniões onde havia demandas do próprio ministério e não reuniões onde o ministério demandava. Cada vez menos era possível obter uma reunião do centro do governo para tratar de um assunto levado pelo ministério. A partir de 2006, praticamente as reuniões eram determinadas por outros. O ministério ficou de fora da política industrial. Na biotecnologia, o ministério foi envolvido nos 45 minutos finais do jogo. Foi uma verdadeira guerra.
Quem sufocou o ministério? Uma pessoa, o conjunto do governo?
O que fica evidente é que essa visão do papel do ministério gradativamente se tornou hegemônica no governo, que o ministério não tinha um papel relevante dentro da política de desenvolvimento nacional. E olha que estamos lidando com um país em desenvolvimento. E qual é a questão número 1 do Brasil? Desenvolvimento com distribuição de renda, socialmente justo. Para nós havia mais um elemento: desenvolvimento econômico, socialmente justo e ambientalmente sustentável. Esse ambientalmente sustentável não faz parte da visão do conjunto do governo. Essa é uma visão secundária, mesmo que seja evidente que as conseqüências disso são a perda de mercado, o prejuízo econômico. Isso é sempre interpretado como artificialidade. Pegando o caso dos biocombustíveis. É evidente que não há elemento hoje - e tenho dito isso, participei de várias reuniões internacionais, pelo governo, e estando fora dele, vou continuar dizendo - que não há nenhuma justificativa da opinião pública internacional para condenar os biocombustíveis do Brasil em função da destruição da Amazônia. É um absurdo. O etanol, o mais importante, tem participação muito pequena na área agricultável do Brasil, menos de 1%, está em regiões altamente desenvolvidas, como São Paulo. Nas regiões onde ele está você tem ganhos ambientais, ele traz a modernização do campo, apoio à recuperação de áreas degradadas, melhorias ambientais. Então, é um absurdo dizer que o biocombustível é um elemento degradador hoje. Mas não há dúvida de que pode ser amanhã. Não há dúvida de que a expansão pode ser algo que gere problemas.
Isso não é uma vantagem a ser divulgada?
Uma coisa é você dizer: ?não quero que o biocombustível gere degradação ambiental porque eu não quero degradação ambiental?, ou dizer: ?infelizmente, nós não vamos ter degradação ambiental porque senão vai ter barreira de mercado?. A diferença é filosófica, de percepção. No caso do biocombustível, por exemplo, quando fomos discutir, em várias reuniões, no núcleo do governo - esse é um dado muito interessante - sempre que esse assunto vinha para a discussão, nós colocávamos que o MMA já tem um mapeamento detalhado das áreas sensíveis do ponto de vista ambiental e que esse mapeamento seria importante para orientar políticas de governo de desestímulo da expansão nessas áreas, estimulando a expansão em outras áreas. Isso sempre era visto como uma restrição. ?Não, mas isso é uma restrição. Você não pode impedir a expansão.? É uma visão de que a questão ambiental é quase uma artificialidade inventada por algumas pessoas que ocupam um ministério do governo. Então, quando essa situação é exposta como foi, com os dados do desmatamento em janeiro, e que isso gera um impacto, aí sim. Aquilo que é algo circunscrito e vira algo central, que traz para o centro do governo o problema, com repercussões enormes, nacionais e internacionais, a reação não é: ?Ih, temos um grave problema.? A reação é: ?Será que isso é grave mesmo?? É como se o sujeito que descobre que está com febre quebrasse o termômetro.
O presidente Lula disse que, ao divulgar os dados do desmatamento, o MMA pegou um nódulo e o transformou em câncer.
O presidente Lula é uma pessoa admirável, pela objetividade e capacidade de análise que possui. Os grandes resultados que obtivemos foram conquistas obtidas junto com o presidente. No caso daquela fala dele, ele estava correto do seu ponto de vista. Ele quis dizer que a faixa de desmatamento é medida em 12 meses. Portanto, temos 12 meses para tratar do assunto.
Quem é: João Paulo Capobianco
É ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e ficou como ministro interino até a posse de Carlos Minc. Biólogo, fotógrafo e ambientalista especializado em Educação Ambiental pela Universidade de Brasília. Foi fundador e primeiro presidente da Associação em Defesa da Juréia e fundador da Fundação SOS Mata Atlântica.
Crédito da imagem: Marcello Casal Jr./ABr
1 Comments:
2º categoria ainda é muito... tinha que ser de ultima, quem sabe assim nao atrapalhava o progresso nem a vida de quem quer produzir
Postar um comentário
<< Home