NOSSA SAÚDE DEPENDE DA BIODIVERSIDADE
Aaron Bernstein: Pesquisador de Harvard; Em livro lançado nos EUA recentemente, médico diz que cura de doenças no futuro está ligada à preservação da natureza
Herton Escobar
O Estado de São Paulo
A cura do câncer pode, sim, estar escondida em alguma planta da Amazônia. Ou da mata atlântica. Ou do cerrado. Ou de qualquer outro ambiente selvagem. Cerca de metade dos medicamentos mais importantes da medicina foram desenvolvidos a partir de moléculas da natureza, e é provável - ou quase certo - que outras serão descobertas no futuro, segundo uma dupla de pesquisadores da Universidade Harvard. Elas podem estar na seiva de uma planta, na pele de um sapo, no veneno de uma aranha ou nas enzimas de uma bactéria. São segredos que só a natureza pode revelar, e que só a pesquisa científica pode desvendar.
“A maioria das drogas que você compra na farmácia não existiria se não tivesse sido inventada pela natureza”, diz o médico Aaron Bernstein, co-autor do livro Sustaining Life: How Human Health Depends on Biodiversity (Sustentando a Vida: Como a Saúde Humana Depende da Biodiversidade, em tradução literal), lançado recentemente nos Estados Unidos pela Oxford University Press.
Assinado também pelo bioquímico Eric Chivian, diretor do Centro para a Saúde e Ambiente Global da Faculdade de Medicina de Harvard, o livro faz uma avaliação sistêmica dos serviços prestados pela biodiversidade em benefício da raça humana, desde os mais fundamentais, como a purificação de água e a polinização de lavouras, até os mais complexos, como a produção de medicamentos.
É um tema que remete diretamente à Convenção da Diversidade Biológica (CDB), acordo internacional que está sendo discutido esta semana em Bonn, na Alemanha. Lançada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro (a chamada Rio 92), a CDB tem como objetivo proteger a biodiversidade global, estimular o desenvolvimento sustentável e resguardar a soberania dos países sobre a utilização dos recursos biológicos contidos em seus territórios.
Aaron Bernstein conversou por e-mail com o Estado sobre a importância econômica, ambiental e social da biodiversidade. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
O que a biodiversidade tem a ver com a nossa saúde? Como uma coisa está relacionada à outra?
Nossa saúde pessoal é inseparável da saúde do mundo natural a nossa volta. Muitas pessoas se comportam como se vivêssemos alheios à natureza, como se pudéssemos degradar nossos oceanos, nossa atmosfera, nossos solos, extinguir espécies, sem que isso tenha qualquer impacto sobre nossas vidas. Essa visão equivocada é que está no centro da crise global de biodiversidade. Precisamos de todas as formas de vida da Terra e de todos os serviços ecológicos que elas fornecem para sobrevivermos. Sem a biodiversidade não teríamos comida, perderíamos nossa principal fonte de remédios, assim como organismos que precisamos estudar para entender melhor nossas origens e nossa fisiologia. Sem falar que perderíamos serviços ecológicos vitais, como purificação de ar e água, controle de enchentes, regulação climática e controle biológico de doenças infecciosas.
Eu vivo na cidade, compro meus remédios na farmácia e minha comida, no supermercado. Por que deveria me importar se um tigre, um urso, um tubarão ou uma rã desaparecem da natureza?
Por muitas razões. Do ponto de vista ecológico, todos os organismos, incluindo os seres humanos, estão conectados por uma teia de relacionamentos. À medida que perdemos espécies, essa teia fica enfraquecida e, em algum momento que não podemos prever, ela vai se esfacelar. De um ponto de vista mais prático, todos os alimentos, não importa onde você os compra, precisam ser semeados, cultivados. O que as pessoas não compreendem é que o cultivo de uma única planta, como o trigo ou o arroz, requer a participação de centenas ou até milhares de organismos para dar certo. A contribuição de alguns organismos é óbvia, como a dos polinizadores. Há muitos outros porém, como os fungos fixadores de nitrogênio, que vivem no solo, longe dos nossos olhos, mas são igualmente essenciais. Em muitas partes do mundo, como no Nepal, nos Estados Unidos e na França, o número de polinizadores já foi reduzido drasticamente, principalmente o de abelhas e morcegos. A perda desses organismos também contribui para o aumento do preço dos alimentos.
E quanto aos medicamentos?
A maioria das drogas que você compra na farmácia não existiria se não tivesse sido inventada pela natureza. Nos Estados Unidos, aproximadamente metade das cem drogas mais prescritas no país é derivada de algum produto natural, e dois terços das novas drogas aprovadas pelo FDA entre 1998 e 2002 são derivadas de produtos naturais.
Muitas pessoas cultivam a idéia de que a cura do câncer, por exemplo, pode estar escondida em alguma planta da Amazônia, o que seria mais uma justificativa econômica para preservar a floresta. Esse argumento é real ou é uma ilusão?
Absolutamente real, e não apenas para a Amazônia. Veja alguns exemplos: a planta Catharanthus roseus, ou pervinca de Madagascar, é fonte de duas drogas importantes, a vincristina e a vinblastina, que ajudaram a tornar curáveis as duas formas mais comuns de câncer infantil (leucemia linfoblástica e linfoma de Hodgkin). Por causa da destruição das florestas tropicais de Madagáscar, essa espécie hoje está ameaçada na natureza. Se ela tivesse sido perdida antes que pudéssemos descobrir suas incríveis moléculas, milhares de crianças teriam morrido dessas doenças. Outro exemplo é o Taxol, o medicamento mais eficiente que existe contra o câncer de ovário, que foi descoberto a partir de uma árvore típica da costa noroeste dos EUA (chamada Pacific Yew, em inglês). Essa árvore era tipicamente queimada e descartada no processo de exploração madeireira, porque acreditava-se que ela não tinha nenhum valor comercial. O composto do Taxol foi descoberto na sua casca, a partir de um grande programa de prospecção de plantas medicinais do Instituto Nacional do Câncer dos EUA. Desde então, várias formas sintéticas da molécula já foram desenvolvidas, com efeitos ainda melhores do que a original, que são usadas no tratamento de uma variedade de tumores, incluindo os de pulmão, próstata e mama.
Certamente há muitas drogas que já foram desenvolvidas a partir de moléculas da natureza. Para alguns pesquisadores, porém, esse tipo de pesquisa é uma ciência ultrapassada, com chances de sucesso muito pequenas, baseada em tentativa e erro. A alternativa moderna seria o desenvolvimento de moléculas sintéticas, padronizadas para alvos específicos, com base na genômica e na biologia molecular. O que o senhor acha disso?
O desenvolvimento de medicamentos inteligentes, nos quais o cientista identifica um alvo molecular e projeta uma droga para atingir aquele alvo específico, têm produzido resultados tremendos, com certeza. Mas essas drogas são relativamente poucas e continuamos a depender, talvez mais do que nunca, dos produtos naturais como uma referência e fonte de inspiração para esse trabalho. A molécula do Taxol, por exemplo, tem uma espinha dorsal composta de mais de 30 átomos. Mesmo se você entregasse esses átomos a um químico na mesma ordem em que eles se encontram na molécula natural, ele ainda precisaria descobrir como dobrar essa cadeia de átomos em uma estrutura molecular tridimensional. Há milhões e milhões de configurações possíveis, e apenas uma traz o efeito químico desejado.
Dá para colocar um preço na biodiversidade?
Muitos já tentaram fazer isso, mas os resultados são todos insatisfatórios. Isso porque não temos como calcular o valor daquilo que estamos perdendo. Quanto valem, por exemplo, as duas espécies de sapos de gestação gástrica (cujos filhotes são gestados no estômago) que produziam substâncias com potencial para o tratamento de úlceras peptídicas e problemas de motilidade gastrointestinal, mas que foram extintas? Se a pervinca de Madagáscar tivesse sido extinta, como poderíamos calcular o valor das vidas que teriam sido perdidas sem os seus medicamentos? Como podemos saber o valor das espécies que estamos perdendo dia a dia e que ainda nem conhecemos? Mas o maior valor da biodiversidade para a saúde está nos serviços ecossistêmicos que são prestados por ela. Especialmente a purificação de ar e água. Os estudos mostram, por exemplo, que o benefício de preservar a cobertura vegetal de áreas de manancial para purificação de água (em vez de tratá-la) é enorme.
O argumento da “cura do câncer” também remete ao problema da biopirataria. Há um receio muito grande no Brasil de que cientistas estrangeiros - ou mesmo brasileiros - estejam entrando na floresta para roubar essas curas e levá-las para outros países. Portanto, a pesquisa deveria ser duramente controlada. Isso faz sentido?
A Convenção da Diversidade Biológica diz que a biodiversidade pertence às pessoas do país no qual ela se encontra, e que essas pessoas têm o direito de dar ou negar acesso a essa biodiversidade, assim como aos lucros proveniente dela - se eles um dia se materializarem.
A legislação atual brasileira, fundamentada nesse medo da biopirataria, é extremamente restritiva e burocrática quanto trata das pesquisas com biodiversidade - tanto para estrangeiros quanto para brasileiros. Qual seria a melhor maneira de regulamentar essa atividade? E como o Brasil poderia tirar melhor proveito de suas riquezas biológicas?
A curto prazo, o desmatamento e a destruição de hábitats podem ser atividades lucrativas. A longo prazo, porém, são práticas autodestrutivas para os brasileiros. O Brasil tem recursos biológicos tremendos, a maior parte dos quais nunca foi explorada, e os brasileiros têm o direito de controlar o acesso a esses recursos. Não há como prever quais curas podem estar guardadas ainda na biodiversidade brasileira, mas considerando que várias drogas já foram obtidas dessa forma, seria ingênuo pensar que não vamos descobrir outras no futuro, igualmente extraordinárias. O que sabemos com certeza é que as alterações ecológicas e a perda de biodiversidade nos trópicos estão associadas a epidemias de doenças transmitidas por vetores, como malária, dengue e febre amarela. À medida que os serviços de purificação da água são destruídos pelo degradação de mananciais, podemos prever também que haverá um aumento das doenças transmitidas pela água.
Se um cientista ou uma empresa estrangeira desenvolve um produto a partir da biodiversidade brasileira, o Brasil deveria ganhar algo por isso, mesmo que não tenha tido nenhuma participação na pesquisa?
Sem dúvida.
Quem é:
Aaron Bernstein é médico, pesquisador do Centro para a Saúde e Meio Ambiente Global da Faculdade de Medicina de Harvard. Pediatra do Children's Hospital de Boston, ligado à universidade. Seu colega Eric Chivian é médico, diretor-fundador do mesmo centro em Harvard e ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1985
Herton Escobar
O Estado de São Paulo
A cura do câncer pode, sim, estar escondida em alguma planta da Amazônia. Ou da mata atlântica. Ou do cerrado. Ou de qualquer outro ambiente selvagem. Cerca de metade dos medicamentos mais importantes da medicina foram desenvolvidos a partir de moléculas da natureza, e é provável - ou quase certo - que outras serão descobertas no futuro, segundo uma dupla de pesquisadores da Universidade Harvard. Elas podem estar na seiva de uma planta, na pele de um sapo, no veneno de uma aranha ou nas enzimas de uma bactéria. São segredos que só a natureza pode revelar, e que só a pesquisa científica pode desvendar.
“A maioria das drogas que você compra na farmácia não existiria se não tivesse sido inventada pela natureza”, diz o médico Aaron Bernstein, co-autor do livro Sustaining Life: How Human Health Depends on Biodiversity (Sustentando a Vida: Como a Saúde Humana Depende da Biodiversidade, em tradução literal), lançado recentemente nos Estados Unidos pela Oxford University Press.
Assinado também pelo bioquímico Eric Chivian, diretor do Centro para a Saúde e Ambiente Global da Faculdade de Medicina de Harvard, o livro faz uma avaliação sistêmica dos serviços prestados pela biodiversidade em benefício da raça humana, desde os mais fundamentais, como a purificação de água e a polinização de lavouras, até os mais complexos, como a produção de medicamentos.
É um tema que remete diretamente à Convenção da Diversidade Biológica (CDB), acordo internacional que está sendo discutido esta semana em Bonn, na Alemanha. Lançada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro (a chamada Rio 92), a CDB tem como objetivo proteger a biodiversidade global, estimular o desenvolvimento sustentável e resguardar a soberania dos países sobre a utilização dos recursos biológicos contidos em seus territórios.
Aaron Bernstein conversou por e-mail com o Estado sobre a importância econômica, ambiental e social da biodiversidade. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
O que a biodiversidade tem a ver com a nossa saúde? Como uma coisa está relacionada à outra?
Nossa saúde pessoal é inseparável da saúde do mundo natural a nossa volta. Muitas pessoas se comportam como se vivêssemos alheios à natureza, como se pudéssemos degradar nossos oceanos, nossa atmosfera, nossos solos, extinguir espécies, sem que isso tenha qualquer impacto sobre nossas vidas. Essa visão equivocada é que está no centro da crise global de biodiversidade. Precisamos de todas as formas de vida da Terra e de todos os serviços ecológicos que elas fornecem para sobrevivermos. Sem a biodiversidade não teríamos comida, perderíamos nossa principal fonte de remédios, assim como organismos que precisamos estudar para entender melhor nossas origens e nossa fisiologia. Sem falar que perderíamos serviços ecológicos vitais, como purificação de ar e água, controle de enchentes, regulação climática e controle biológico de doenças infecciosas.
Eu vivo na cidade, compro meus remédios na farmácia e minha comida, no supermercado. Por que deveria me importar se um tigre, um urso, um tubarão ou uma rã desaparecem da natureza?
Por muitas razões. Do ponto de vista ecológico, todos os organismos, incluindo os seres humanos, estão conectados por uma teia de relacionamentos. À medida que perdemos espécies, essa teia fica enfraquecida e, em algum momento que não podemos prever, ela vai se esfacelar. De um ponto de vista mais prático, todos os alimentos, não importa onde você os compra, precisam ser semeados, cultivados. O que as pessoas não compreendem é que o cultivo de uma única planta, como o trigo ou o arroz, requer a participação de centenas ou até milhares de organismos para dar certo. A contribuição de alguns organismos é óbvia, como a dos polinizadores. Há muitos outros porém, como os fungos fixadores de nitrogênio, que vivem no solo, longe dos nossos olhos, mas são igualmente essenciais. Em muitas partes do mundo, como no Nepal, nos Estados Unidos e na França, o número de polinizadores já foi reduzido drasticamente, principalmente o de abelhas e morcegos. A perda desses organismos também contribui para o aumento do preço dos alimentos.
E quanto aos medicamentos?
A maioria das drogas que você compra na farmácia não existiria se não tivesse sido inventada pela natureza. Nos Estados Unidos, aproximadamente metade das cem drogas mais prescritas no país é derivada de algum produto natural, e dois terços das novas drogas aprovadas pelo FDA entre 1998 e 2002 são derivadas de produtos naturais.
Muitas pessoas cultivam a idéia de que a cura do câncer, por exemplo, pode estar escondida em alguma planta da Amazônia, o que seria mais uma justificativa econômica para preservar a floresta. Esse argumento é real ou é uma ilusão?
Absolutamente real, e não apenas para a Amazônia. Veja alguns exemplos: a planta Catharanthus roseus, ou pervinca de Madagascar, é fonte de duas drogas importantes, a vincristina e a vinblastina, que ajudaram a tornar curáveis as duas formas mais comuns de câncer infantil (leucemia linfoblástica e linfoma de Hodgkin). Por causa da destruição das florestas tropicais de Madagáscar, essa espécie hoje está ameaçada na natureza. Se ela tivesse sido perdida antes que pudéssemos descobrir suas incríveis moléculas, milhares de crianças teriam morrido dessas doenças. Outro exemplo é o Taxol, o medicamento mais eficiente que existe contra o câncer de ovário, que foi descoberto a partir de uma árvore típica da costa noroeste dos EUA (chamada Pacific Yew, em inglês). Essa árvore era tipicamente queimada e descartada no processo de exploração madeireira, porque acreditava-se que ela não tinha nenhum valor comercial. O composto do Taxol foi descoberto na sua casca, a partir de um grande programa de prospecção de plantas medicinais do Instituto Nacional do Câncer dos EUA. Desde então, várias formas sintéticas da molécula já foram desenvolvidas, com efeitos ainda melhores do que a original, que são usadas no tratamento de uma variedade de tumores, incluindo os de pulmão, próstata e mama.
Certamente há muitas drogas que já foram desenvolvidas a partir de moléculas da natureza. Para alguns pesquisadores, porém, esse tipo de pesquisa é uma ciência ultrapassada, com chances de sucesso muito pequenas, baseada em tentativa e erro. A alternativa moderna seria o desenvolvimento de moléculas sintéticas, padronizadas para alvos específicos, com base na genômica e na biologia molecular. O que o senhor acha disso?
O desenvolvimento de medicamentos inteligentes, nos quais o cientista identifica um alvo molecular e projeta uma droga para atingir aquele alvo específico, têm produzido resultados tremendos, com certeza. Mas essas drogas são relativamente poucas e continuamos a depender, talvez mais do que nunca, dos produtos naturais como uma referência e fonte de inspiração para esse trabalho. A molécula do Taxol, por exemplo, tem uma espinha dorsal composta de mais de 30 átomos. Mesmo se você entregasse esses átomos a um químico na mesma ordem em que eles se encontram na molécula natural, ele ainda precisaria descobrir como dobrar essa cadeia de átomos em uma estrutura molecular tridimensional. Há milhões e milhões de configurações possíveis, e apenas uma traz o efeito químico desejado.
Dá para colocar um preço na biodiversidade?
Muitos já tentaram fazer isso, mas os resultados são todos insatisfatórios. Isso porque não temos como calcular o valor daquilo que estamos perdendo. Quanto valem, por exemplo, as duas espécies de sapos de gestação gástrica (cujos filhotes são gestados no estômago) que produziam substâncias com potencial para o tratamento de úlceras peptídicas e problemas de motilidade gastrointestinal, mas que foram extintas? Se a pervinca de Madagáscar tivesse sido extinta, como poderíamos calcular o valor das vidas que teriam sido perdidas sem os seus medicamentos? Como podemos saber o valor das espécies que estamos perdendo dia a dia e que ainda nem conhecemos? Mas o maior valor da biodiversidade para a saúde está nos serviços ecossistêmicos que são prestados por ela. Especialmente a purificação de ar e água. Os estudos mostram, por exemplo, que o benefício de preservar a cobertura vegetal de áreas de manancial para purificação de água (em vez de tratá-la) é enorme.
O argumento da “cura do câncer” também remete ao problema da biopirataria. Há um receio muito grande no Brasil de que cientistas estrangeiros - ou mesmo brasileiros - estejam entrando na floresta para roubar essas curas e levá-las para outros países. Portanto, a pesquisa deveria ser duramente controlada. Isso faz sentido?
A Convenção da Diversidade Biológica diz que a biodiversidade pertence às pessoas do país no qual ela se encontra, e que essas pessoas têm o direito de dar ou negar acesso a essa biodiversidade, assim como aos lucros proveniente dela - se eles um dia se materializarem.
A legislação atual brasileira, fundamentada nesse medo da biopirataria, é extremamente restritiva e burocrática quanto trata das pesquisas com biodiversidade - tanto para estrangeiros quanto para brasileiros. Qual seria a melhor maneira de regulamentar essa atividade? E como o Brasil poderia tirar melhor proveito de suas riquezas biológicas?
A curto prazo, o desmatamento e a destruição de hábitats podem ser atividades lucrativas. A longo prazo, porém, são práticas autodestrutivas para os brasileiros. O Brasil tem recursos biológicos tremendos, a maior parte dos quais nunca foi explorada, e os brasileiros têm o direito de controlar o acesso a esses recursos. Não há como prever quais curas podem estar guardadas ainda na biodiversidade brasileira, mas considerando que várias drogas já foram obtidas dessa forma, seria ingênuo pensar que não vamos descobrir outras no futuro, igualmente extraordinárias. O que sabemos com certeza é que as alterações ecológicas e a perda de biodiversidade nos trópicos estão associadas a epidemias de doenças transmitidas por vetores, como malária, dengue e febre amarela. À medida que os serviços de purificação da água são destruídos pelo degradação de mananciais, podemos prever também que haverá um aumento das doenças transmitidas pela água.
Se um cientista ou uma empresa estrangeira desenvolve um produto a partir da biodiversidade brasileira, o Brasil deveria ganhar algo por isso, mesmo que não tenha tido nenhuma participação na pesquisa?
Sem dúvida.
Quem é:
Aaron Bernstein é médico, pesquisador do Centro para a Saúde e Meio Ambiente Global da Faculdade de Medicina de Harvard. Pediatra do Children's Hospital de Boston, ligado à universidade. Seu colega Eric Chivian é médico, diretor-fundador do mesmo centro em Harvard e ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1985
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