SISTEMA DE ENSINO IRREAL, ESPECIALIZAÇÃO EXAGERADA E EGO: EFEITOS NO FRACASSO DO SUS
O descompasso entre o ensino médico e as reais necessidades da população é um dos entrave para a melhoria do Sistema Único de Saúde (SUS). Outros problemas: supervalorização de médicos especialistas em detrimento de profissionais de formação geral, aptos a atuar em unidades básicas de saúde, dificuldade para o trabalho em equipe multidisciplinar e o enfraquecimento da relação entre médico e paciente
Pesquisa aponta descompasso entre ensino médico brasileiro e o SUS
Marcelo Garcia
Agência Fiocruz de Notícias
O descompasso entre o ensino médico brasileiro e as reais necessidades da população constitui um importante entrave para a melhoria do Sistema Único de Saúde (SUS). A conclusão é de um estudo desenvolvido no Instituto Oswaldo Cruz a partir da percepção de futuros médicos, matriculados em universidades de seis estados. Como principais problemas a pesquisa aponta a supervalorização de médicos especialistas em detrimento de profissionais de formação geral, aptos a atuar em unidades básicas de saúde, a dificuldade para o trabalho em equipe multidisciplinar e o enfraquecimento da relação entre médico e paciente. O estudo já serviu como base para dois artigos publicados na Revista Brasileira de Educação Médica, em 2008.
Faculdade de Medicina da Bahia, a mais antiga do país, que completa 200 anos em 2008
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Entre 2004 e 2007, o médico Neilton Araujo de Oliveira, pesquisador do Laboratório de Comunicação Celular do Instituto, entrevistou 1.004 estudantes do internato de 13 cursos de medicina em Goiás, Tocantins, Alagoas, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Os questionários abordaram os motivos que influenciaram a escolha dos estudantes pela carreira médica e aspectos relativos aos cursos, como currículo, concepção pedagógica, integração entre ensino e serviços de saúde, participação em pesquisas científicas e a relação com os pacientes. Os resultados indicam forte contradição entre a formação oferecida pelas escolas médicas e as reais necessidades dos serviços de saúde no Brasil.
“Hoje, prevalece um modelo de medicina individualista e tecnicista, centrado na concepção biológica e referenciado em sofisticação diagnóstica, no qual a clínica perde espaço para a valorização de médicos muito especializados. No entanto, temos uma demanda no sentido oposto, que aponta para a necessidade de médicos com formação geral, que atuem no serviço de saúde e atendam às necessidades de saúde da população”, avalia Oliveira, que desenvolveu a pesquisa durante o doutorado em ensino em biociências e saúde no IOC sob orientação do pesquisador Luiz Anastácio Alves, chefe do Laboratório de Comunicação Celular.
Sem deixar de reconhecer a importância das especialidades médicas, o pesquisador alerta para as conseqüências desta preferência em detrimento do trabalho de atendimento geral da medicina, composto por prevenção, proteção, promoção e recuperação da saúde. “A especialização não pode significar a negação da visão geral e é esse justamente o maior desafio do ensino médico brasileiro: incorporar novas tecnologias e, ao mesmo tempo, valorizar a clínica básica. Para isso, é fundamental que, durante a graduação, o estudante participe mais intensamente de pesquisas científicas e de serviços comunitários de saúde – experiências cruciais para toda a carreira”, acredita Oliveira.
Além de enfatizar o contraste entre o perfil predominante nos cursos de medicina e as necessidades do SUS, os dados gerados durante o estudo podem ajudar a compreender os fatores responsáveis por esse desequilíbrio. “Os questionários demonstram que 53% dos estudantes escolheram a medicina por vocação, e que 63% pretendem atuar como médicos especialistas depois de formados. Isso demonstra que, apesar de o SUS demandar profissionais aptos a atuar na atenção integral da saúde, a identidade hegemônica do médico é a do grande especialista, altamente remunerado e com grande reconhecimento social”, diz o pesquisador.
O estudo também aponta o enfraquecimento da relação entre médicos e pacientes e a família: enquanto 70% dos problemas de saúde de uma comunidade demandam atenção e ações básicas de saúde, centradas na clínica e ações de promoção da saúde, somente 5% dos entrevistados demonstrou interesse em trabalhar em pequenas cidades e municípios do interior, onde existem mais projetos de saúde da família. A pesquisa aponta, ainda, que apenas 12% dos alunos entrevistados consideram que a instituição de ensino onde estudam adota um modelo baseado na integralidade da atenção à saúde, preconizada pelo SUS. Aprender a trabalhar em equipe com médicos e profissionais de saúde de outras áreas também foi uma necessidade identificada pela pesquisa.
Para minimizar a discrepância entre a formação médica e as demandas do sistema de saúde brasileiro indicada pelo estudo, Oliveira aposta na articulação das ações e das políticas de educação e saúde e no esforço combinado de universidades, serviços de saúde e organizações comunitárias. “A integralidade deve ser entendida sob o foco tanto da educação como da atenção à saúde. Minha hipótese é de que o sistema educacional não dará conta, sozinho, desta mudança. Ela só acontecerá quando serviços de saúde e escolas médicas atuarem de forma integrada e articulada, no contexto loco-regional”, alerta o médico.
Para o pesquisador, é possível investir na evolução do ensino médico a partir de medidas de baixo custo. “O ideal seria eleger municípios pilotos onde há cursos de medicina e reunir seus coordenadores e dirigentes universitários, representantes de organizações comunitárias, secretários municipais de saúde e suas equipes, e até o prefeito, para estabelecer políticas e programas que estimulem a integração entre serviço e ensino médico, de acordo com as necessidades loco-regionais de saúde da população, o que estaria de acordo com as diretrizes curriculares nacionais de medicina”, sugere Neilton.
A tese do médico deu origem a diversos artigos. Um deles, sobre as mudanças curriculares promovidas pelo Promed, foi publicado na Revista Brasileira de Educação Médica, e outro, sobre a importância da iniciação científica na graduação em medicina, estará na próxima edição da mesma publicação, além de ter sido premiado no 45º Congresso Brasileiro de Medicina (Cobem), promovido em 2007.
Pesquisa aponta descompasso entre ensino médico brasileiro e o SUS
Marcelo Garcia
Agência Fiocruz de Notícias
O descompasso entre o ensino médico brasileiro e as reais necessidades da população constitui um importante entrave para a melhoria do Sistema Único de Saúde (SUS). A conclusão é de um estudo desenvolvido no Instituto Oswaldo Cruz a partir da percepção de futuros médicos, matriculados em universidades de seis estados. Como principais problemas a pesquisa aponta a supervalorização de médicos especialistas em detrimento de profissionais de formação geral, aptos a atuar em unidades básicas de saúde, a dificuldade para o trabalho em equipe multidisciplinar e o enfraquecimento da relação entre médico e paciente. O estudo já serviu como base para dois artigos publicados na Revista Brasileira de Educação Médica, em 2008.
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Entre 2004 e 2007, o médico Neilton Araujo de Oliveira, pesquisador do Laboratório de Comunicação Celular do Instituto, entrevistou 1.004 estudantes do internato de 13 cursos de medicina em Goiás, Tocantins, Alagoas, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Os questionários abordaram os motivos que influenciaram a escolha dos estudantes pela carreira médica e aspectos relativos aos cursos, como currículo, concepção pedagógica, integração entre ensino e serviços de saúde, participação em pesquisas científicas e a relação com os pacientes. Os resultados indicam forte contradição entre a formação oferecida pelas escolas médicas e as reais necessidades dos serviços de saúde no Brasil.
“Hoje, prevalece um modelo de medicina individualista e tecnicista, centrado na concepção biológica e referenciado em sofisticação diagnóstica, no qual a clínica perde espaço para a valorização de médicos muito especializados. No entanto, temos uma demanda no sentido oposto, que aponta para a necessidade de médicos com formação geral, que atuem no serviço de saúde e atendam às necessidades de saúde da população”, avalia Oliveira, que desenvolveu a pesquisa durante o doutorado em ensino em biociências e saúde no IOC sob orientação do pesquisador Luiz Anastácio Alves, chefe do Laboratório de Comunicação Celular.
Sem deixar de reconhecer a importância das especialidades médicas, o pesquisador alerta para as conseqüências desta preferência em detrimento do trabalho de atendimento geral da medicina, composto por prevenção, proteção, promoção e recuperação da saúde. “A especialização não pode significar a negação da visão geral e é esse justamente o maior desafio do ensino médico brasileiro: incorporar novas tecnologias e, ao mesmo tempo, valorizar a clínica básica. Para isso, é fundamental que, durante a graduação, o estudante participe mais intensamente de pesquisas científicas e de serviços comunitários de saúde – experiências cruciais para toda a carreira”, acredita Oliveira.
Além de enfatizar o contraste entre o perfil predominante nos cursos de medicina e as necessidades do SUS, os dados gerados durante o estudo podem ajudar a compreender os fatores responsáveis por esse desequilíbrio. “Os questionários demonstram que 53% dos estudantes escolheram a medicina por vocação, e que 63% pretendem atuar como médicos especialistas depois de formados. Isso demonstra que, apesar de o SUS demandar profissionais aptos a atuar na atenção integral da saúde, a identidade hegemônica do médico é a do grande especialista, altamente remunerado e com grande reconhecimento social”, diz o pesquisador.
O estudo também aponta o enfraquecimento da relação entre médicos e pacientes e a família: enquanto 70% dos problemas de saúde de uma comunidade demandam atenção e ações básicas de saúde, centradas na clínica e ações de promoção da saúde, somente 5% dos entrevistados demonstrou interesse em trabalhar em pequenas cidades e municípios do interior, onde existem mais projetos de saúde da família. A pesquisa aponta, ainda, que apenas 12% dos alunos entrevistados consideram que a instituição de ensino onde estudam adota um modelo baseado na integralidade da atenção à saúde, preconizada pelo SUS. Aprender a trabalhar em equipe com médicos e profissionais de saúde de outras áreas também foi uma necessidade identificada pela pesquisa.
Para minimizar a discrepância entre a formação médica e as demandas do sistema de saúde brasileiro indicada pelo estudo, Oliveira aposta na articulação das ações e das políticas de educação e saúde e no esforço combinado de universidades, serviços de saúde e organizações comunitárias. “A integralidade deve ser entendida sob o foco tanto da educação como da atenção à saúde. Minha hipótese é de que o sistema educacional não dará conta, sozinho, desta mudança. Ela só acontecerá quando serviços de saúde e escolas médicas atuarem de forma integrada e articulada, no contexto loco-regional”, alerta o médico.
Para o pesquisador, é possível investir na evolução do ensino médico a partir de medidas de baixo custo. “O ideal seria eleger municípios pilotos onde há cursos de medicina e reunir seus coordenadores e dirigentes universitários, representantes de organizações comunitárias, secretários municipais de saúde e suas equipes, e até o prefeito, para estabelecer políticas e programas que estimulem a integração entre serviço e ensino médico, de acordo com as necessidades loco-regionais de saúde da população, o que estaria de acordo com as diretrizes curriculares nacionais de medicina”, sugere Neilton.
A tese do médico deu origem a diversos artigos. Um deles, sobre as mudanças curriculares promovidas pelo Promed, foi publicado na Revista Brasileira de Educação Médica, e outro, sobre a importância da iniciação científica na graduação em medicina, estará na próxima edição da mesma publicação, além de ter sido premiado no 45º Congresso Brasileiro de Medicina (Cobem), promovido em 2007.
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