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05 setembro 2008

SÓ OS CALOTEIROS PROGRIDEM ECONOMICAMENTE?

Quem não deve não tem crédito

Em estudo sobre história econômica brasileira, pesquisador da Universidade da Califórnia afirma que o país, durante o Império, foi um dos poucos que honraram a dívida pública. Mas o crescimento econômico só começou no século 20, junto com os calotes

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Ao longo do século 19, no Brasil a solidez institucional do Império garantia uma excelente gestão da dívida pública. Mas a saúde das finanças não se traduziu em crescimento econômico. Com a República, a credibilidade junto aos credores desmoronou, por conta de sucessivos calotes, mas o país começou a crescer.

Essa contradição da história econômica brasileira está sendo estudada pelo professor William Summerhill, da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos. O brasilianista apresentou durante a semana passada, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), o curso “Desenvolvimento comparado a longo prazo e atraso econômico na América Latina”.

As conclusões da pesquisa serão publicadas no livro Inglorious revolution: Political institutions, sovereign debt and financial underdevelopment in Imperial Brazil, que está no prelo. Summerhill é também o autor de Order against progress: Government, foreign investment, and railroads in Brazil, 1854-1913, lançado em 2003.

No novo estudo, o autor analisou uma extensa série histórica de documentos brasileiros e britânicos relacionados à dívida pública brasileira entre 1824 e 1889. Os dados incluíram jornais da época, diários oficiais, arquivos do parlamento, relatórios de ministérios e de comissões de inquérito, além de uma revisão bibliográfica intercontinental.

“O objetivo final desse tipo de pesquisa é observar a experiência brasileira para melhorar a qualidade do conhecimento sobre os processos e problemas do desenvolvimento econômico na América Latina e compreender, em perspectiva histórica, a que se deve o atraso econômico do continente”, disse Summerhill à Agência FAPESP.

O historiador destaca a situação da dívida pública brasileira no século 19, absolutamente excepcional na comparação com outros países do continente. “Logo após a Independência, todos os novos países latino-americanos deram o calote, menos o Brasil. Os calotes prosseguiram ao longo de todo o século 19, mas o país foi uma notável exceção. O que achei curioso é que ninguém havia estudado por que o Brasil era excelente pagador, o que é totalmente singular”, disse.

Segundo Summerhill, os Estados sempre têm uma série de fortes incentivos para dar calotes na dívida pública, ainda que isso implique grandes dificuldades para conseguir novos empréstimos, que, quando obtidos, são acompanhados de taxas de juros cada vez mais altas.

“O esperado é que se dê o calote, mas o Brasil fugiu à regra e, ao longo do século 19, veio pagando cada vez menos juros. O risco Brasil no fim da era imperial estava muito baixo – menos de 300 pontos – um padrão invejável para a história recente”, explicou.

Credores em casa

Além de honrar a dívida, o país conseguiu outra proeza: tirar dinheiro emprestado do mercado interno, o que era incomum entre países da região. “O país tinha tanto sucesso com isso que, até meados do século 19, a maior parcela da dívida fundada a longo prazo era doméstica na origem. Isso era comum nos Estados Unidos e nos outros países mais ricos. Na América Latina, a maior parcela era da dívida estrangeira”, disse Summerhill.

Nos países vizinhos, a taxa de poupança era tão baixa que não havia quase ninguém disposto a emprestar. Ou os governos não conseguiam convencer os comerciantes de que o risco era razoável. O pesquisador questiona como o Brasil conseguiu fugir a esses padrões.

“Muitas vezes tentamos explicar resultados em termos da capacidade de pagamento, já que o Brasil tinha sucesso exportando café, que gerava grande arrecadação. Mas o mistério persiste, pois muitos países com capacidade de pagamento na época optaram ainda assim pelo calote”, disse.

A explicação para isso seria que as instituições políticas do governo – formalizadas na Constituição de 1824, mas ancoradas em um sólido equilíbrio político de bastidores – distribuíam entre o parlamento e o Imperador o controle sobre as finanças públicas, impedindo que a opção pelo calote fosse feita por um ator político isolado.

“Sabemos disso porque em 1831, no período da Regência, com o poder moderador esvaziado, o Ministério da Fazenda propôs à Câmara dos Deputados a suspensão do serviço da dívida externa por cinco anos. Rapidamente a grande maioria dos deputados vetou a proposta”, afirmou.

Segundo o professor da UCLA, a proposta de calote foi vetada porque os credores da época, embora não fossem muitos, tinham grande peso político. “Os relatórios da Câmara mostram também que os opositores da proposta alegavam que, se deixassem o governo dar o calote nos estrangeiros, ele acabaria, mais cedo ou mais tarde, dando o calote também na dívida interna – e havia muita gente influente entre os credores”, contou.

O Brasil tinha uma parcela grande de credores internos e entre eles, no início do Império, figuravam alguns comerciantes que estavam entre os maiores traficantes de escravos do país. “Isso ajuda a explicar por que os políticos se recusaram por tanto tempo a reprimir o tráfico de escravos”, apontou.

Caloteiros em série

Com o fim do Império e de suas instituições, começaram os primeiros problemas para pagar a dívida pública. Em 1892, terceiro ano da República, banqueiros em Londres só emprestavam ao Brasil a curto prazo.

“Em 1898, o Brasil já não podia pagar e deu o calote. Conseguiu alguns empréstimos novos durante a primeira República, mas não tinha aquela facilidade anterior. A perda de influência de credores domésticos dentro do legislativo atrapalhou. No século 20, o Brasil entrou na lista dos países que chamamos de caloteiros em série”, afirmou Summerhill.

Segundo o historiador, muitos economistas defendem que uma excelente gestão das finanças públicas, como a do Brasil durante o Império, é a condição que leva ao desenvolvimento. “Autores como Alexander Hamilton mostram que, nos Estados Unidos, o governo garantiu a dívida pública, assumiu a dívida dos estados e isso gerou um florescimento financeiro. No Brasil isso não aconteceu.”

Para Summerhill, as mesmas instituições políticas que apoiavam a credibilidade da dívida pública também permitiam políticas muito restritas que impediam o crescimento. “Foi muito difícil organizar um banco ou lançar ações na bolsa de valores para criar uma base de capitais. Isso pode ser visto na taxa de juros entre particulares na época. Há um subdesenvolvimento financeiro completamente inesperado”, disse.

A centralização política muito forte no Rio de Janeiro, a resistência à abertura financeira e o favorecimento de interesses de amigos, para Summerhill, são algumas explicações possíveis para que o Brasil não tenha tido a recompensa por ser um bom pagador.

“Detalhes institucionais importam para o tipo de sistema financeiro que se constrói no país. Na época havia bancos em que a maioria da diretoria era composta por deputados. Com isso, o país não crescia mesmo com as finanças públicas em excelentes condições. No século 20, houve finalmente condições para investimentos e um rápido crescimento. Mas, infelizmente, a partir daí, perdeu-se o controle sobre a dívida pública e os calotes começaram a se multiplicar”, disse.