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04 março 2009

INVETERATIVIDADE

Antonio Alves
Blog Tempo Algum

Aos 15 anos e meio, Samuel saiu-se com essa. Conversávamos na parada de ônibus e ele tentava explicar não sei o quê, que tinha puxado mais para a mãe enquanto a Veriana era herdeira "desse seu talento, essa sua... (procurou uma palavra e veio esta:) inveteratividade".

Tentei especificar: você está se referindo a essa coisa da palavra escrita? Não -respondeu-, as outras coisas também, a loucura toda.

Bem, seja lá o que for essa capacidade de ser inveterado em qualquer coisa, parece que a Veriana pegou de mim, e é a parte que dói, acho, e induz a gente a ficar acordado madrugada adentro, em alguma obsessão. Há, certamente, algum talento que escorre em meio às horas. Meu dom, minha cruz. Não sei se gosto de lembrar a canção: "ah, meu amigo, meu herói, ah como dói saber que a ti também corrói a dor da solidão".

Mais tarde falei com Samuel ao telefone para pedir que ele lembrasse a palavra. Ao ouvi-la novamente, achei muito engraçada e disse: bem, você ainda é muito novo para ser inveterado em qualquer coisa. Depois fiquei pensando. Sei que há um bocado de escolha nas identificações que a gente vai fazendo para defender a mãe, guardá-la dentro do peito, recusando algum pai que ameace a integridade e a delicadeza inefável daquela pureza que a gente não quer perder. Um dia, porém, a força oculta do pai também se revela.

Comigo aconteceu depois dos 30 anos, já andando sem pai nem mãe no mundo, quando um dia, cruzando a perna como ele cruzava, erguendo a sobrancelha como ele erguia, fazendo aquele gesto, sorrindo aquele sorriso, percebi meu pai em mim. No começo incomodou, depois me acostumei, hoje nem noto mais.

Inveteratividade. O velho Vieira era um inveterado, sem dúvida, seja lá no que fosse. E agora que o neto dele me deu esta palavra, será mais fácil me livrar de umas dores que vem me deixando torto e mal-dormido, deixar para trás algumas cargas que estavam pesando em meu ombro.

Posso até começar uma história nova, ou lembrar de alguma antiga.