OS PERIGOS DA UVA
Pesquisadores constatam elevado nível de intoxicação em vinicultores gaúchos: análises feitas em 108 trabalhadores rurais da região nordeste do estado mostraram que todos apresentam danos em seu material genético
[Produção de uva: fonte de renda e de problemas para vinicultores da região nordeste do Rio Grande do Sul (foto: Flagstaffotos).]
Um estudo inédito sobre o efeito de agrotóxicos em vinicultores do Rio Grande do Sul revelou altos índices de intoxicação. Análises feitas em 108 trabalhadores rurais da região nordeste do estado mostraram que todos apresentam danos em seu material genético. A pesquisa, que resultou de uma parceria entre a Universidade de Caxias do Sul (UCS) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi publicada recentemente na revista internacional Mutagenesis.
“Selecionamos para o estudo agricultores que trabalhavam com agrotóxicos há cerca de 30 anos”, diz a primeira autora do estudo, a geneticista Juliana da Silva, atualmente no Programa de Pós-graduação em Genética e Toxicologia da Universidade Luterana do Brasil, em Canoas (RS). A ideia era estudar os efeitos dessa exposição e avaliar os danos celulares que os trabalhadores vêm sofrendo.
Para isso, os pesquisadores analisaram o perfil genético de cada um dos produtores rurais. Foram utilizados três tipos de testes: o de mutagênese (para detectar lesões permanentes no DNA), o de estresse oxidativo (para detectar lesões oxidativas no DNA) e o de genotoxicidade (para detectar danos genéticos causados por fatores externos).
Os resultados não foram animadores. “Constatamos que, em média, 11% das células de cada agricultor apresentavam algum tipo de lesão no material genético”, conta Silva. Além disso, quase todos tinham cerca de seis vezes mais lesões no DNA do que os indivíduos do grupo controle (que não estiveram expostos à ação de agrotóxicos). “Por meio de análises sanguíneas, observamos que 51% dos produtores rurais apresentavam valores de estresse oxidativo acima dos padrões normais”, acrescenta. Problemas reprodutivos também foram identificados em cerca de 18% dos indivíduos testados.
Segundo Silva, um resultado curioso do estudo foi a constatação de que alguns agricultores são geneticamente menos vulneráveis à ação de organofosforados – o tipo mais perigoso de agrotóxicos. “Algumas pessoas têm um gene capaz de ‘metabolizar’ melhor o agrotóxico”, diz. Outras, entretanto, apresentam um genoma que as torna mais suscetíveis, capazes de se intoxicar com facilidade. A exposição a agrotóxicos pode causar muitos efeitos danosos à saúde humana, como leucemia, câncer de bexiga, problemas neurológicos, imunológicos ou endócrinos.
Equipamentos de segurança
Os pesquisadores advertem que a negligência quanto ao uso de equipamentos de segurança – máscaras, luvas e roupas especiais – é a principal responsável pelos danos genéticos. “O mais difícil não é convencer os produtores rurais a usar esses equipamentos. Eles até usam. Difícil é convencê-los a usar da maneira correta.”
[Agricultor aplica fungicida em parreirais no interior de Caxias do Sul (RS). Foto: Luiz Chaves / Correio Riograndense.]
Um dos problemas mais sérios é o uso inadequado da máscara. De acordo com Silva, os produtores costumam usar, indevidamente, um tipo de máscara com filtro externo. “Quando é externo, o filtro absorve parte do veneno pulverizado até se saturar e, após um tempo, fica totalmente encharcado. Assim, o agricultor não pode respirar e se vê obrigado a tirar o equipamento, ficando totalmente exposto e respirando o agrotóxico pulverizado.”
As máscaras com filtros internos – as mais indicadas – custam bem mais caro. “Então, mesmo que o agricultor tenha consciência de que precisa dela, nem sempre ele terá dinheiro para comprá-la.” A pesquisadora conta que, às vezes, até fraldas de bebê são usadas como máscara.
Cabe lembrar ainda que o nordeste do Rio Grande do Sul é uma região serrana. Assim, as áreas onde os produtores plantam uva são normalmente encostas de morros. E a fruta é colhida no verão, quando faz muito calor. “Nessas condições é difícil convencer os agricultores a usar um equipamento quente e pesado o dia inteiro, subindo e descendo morro. É uma tarefa difícil”, confessa Silva.
Pesquisa acadêmica com relevância social
A geneticista destaca o comprometimento social de sua pesquisa. “Desde o início do trabalho, em 2003, atuamos em parceria com os sindicatos rurais”, conta. Não seria possível conscientizar os agricultores sem o auxílio dos sindicatos, que, segundo ela, têm feito um excelente trabalho.
Como forma de complementar o trabalho acadêmico, os pesquisadores têm ministrado palestras para pequenos agricultores. Além disso, os resultados do trabalho foram utilizados como instrumento para campanhas de conscientização promovidas pelo sindicato, que incentivam o uso de equipamentos de segurança e de um sistema de rodízio para a aplicação de agrotóxicos nas propriedades.
Apesar desses esforços, a situação continua grave, pois o grau de intoxicação dos agricultores ainda é alto. Para Silva, os resultados obtidos são preocupantes – ainda mais se considerarmos que estamos falando de agricultores do nordeste do estado, que têm maior grau de conscientização. “Em outras regiões, a situação é ainda pior!”
Henrique Kugler
Especial para CH On-line (PR)
[Produção de uva: fonte de renda e de problemas para vinicultores da região nordeste do Rio Grande do Sul (foto: Flagstaffotos).]
Um estudo inédito sobre o efeito de agrotóxicos em vinicultores do Rio Grande do Sul revelou altos índices de intoxicação. Análises feitas em 108 trabalhadores rurais da região nordeste do estado mostraram que todos apresentam danos em seu material genético. A pesquisa, que resultou de uma parceria entre a Universidade de Caxias do Sul (UCS) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi publicada recentemente na revista internacional Mutagenesis.
“Selecionamos para o estudo agricultores que trabalhavam com agrotóxicos há cerca de 30 anos”, diz a primeira autora do estudo, a geneticista Juliana da Silva, atualmente no Programa de Pós-graduação em Genética e Toxicologia da Universidade Luterana do Brasil, em Canoas (RS). A ideia era estudar os efeitos dessa exposição e avaliar os danos celulares que os trabalhadores vêm sofrendo.
Para isso, os pesquisadores analisaram o perfil genético de cada um dos produtores rurais. Foram utilizados três tipos de testes: o de mutagênese (para detectar lesões permanentes no DNA), o de estresse oxidativo (para detectar lesões oxidativas no DNA) e o de genotoxicidade (para detectar danos genéticos causados por fatores externos).
Os resultados não foram animadores. “Constatamos que, em média, 11% das células de cada agricultor apresentavam algum tipo de lesão no material genético”, conta Silva. Além disso, quase todos tinham cerca de seis vezes mais lesões no DNA do que os indivíduos do grupo controle (que não estiveram expostos à ação de agrotóxicos). “Por meio de análises sanguíneas, observamos que 51% dos produtores rurais apresentavam valores de estresse oxidativo acima dos padrões normais”, acrescenta. Problemas reprodutivos também foram identificados em cerca de 18% dos indivíduos testados.
Segundo Silva, um resultado curioso do estudo foi a constatação de que alguns agricultores são geneticamente menos vulneráveis à ação de organofosforados – o tipo mais perigoso de agrotóxicos. “Algumas pessoas têm um gene capaz de ‘metabolizar’ melhor o agrotóxico”, diz. Outras, entretanto, apresentam um genoma que as torna mais suscetíveis, capazes de se intoxicar com facilidade. A exposição a agrotóxicos pode causar muitos efeitos danosos à saúde humana, como leucemia, câncer de bexiga, problemas neurológicos, imunológicos ou endócrinos.
Equipamentos de segurança
Os pesquisadores advertem que a negligência quanto ao uso de equipamentos de segurança – máscaras, luvas e roupas especiais – é a principal responsável pelos danos genéticos. “O mais difícil não é convencer os produtores rurais a usar esses equipamentos. Eles até usam. Difícil é convencê-los a usar da maneira correta.”
[Agricultor aplica fungicida em parreirais no interior de Caxias do Sul (RS). Foto: Luiz Chaves / Correio Riograndense.]
Um dos problemas mais sérios é o uso inadequado da máscara. De acordo com Silva, os produtores costumam usar, indevidamente, um tipo de máscara com filtro externo. “Quando é externo, o filtro absorve parte do veneno pulverizado até se saturar e, após um tempo, fica totalmente encharcado. Assim, o agricultor não pode respirar e se vê obrigado a tirar o equipamento, ficando totalmente exposto e respirando o agrotóxico pulverizado.”
As máscaras com filtros internos – as mais indicadas – custam bem mais caro. “Então, mesmo que o agricultor tenha consciência de que precisa dela, nem sempre ele terá dinheiro para comprá-la.” A pesquisadora conta que, às vezes, até fraldas de bebê são usadas como máscara.
Cabe lembrar ainda que o nordeste do Rio Grande do Sul é uma região serrana. Assim, as áreas onde os produtores plantam uva são normalmente encostas de morros. E a fruta é colhida no verão, quando faz muito calor. “Nessas condições é difícil convencer os agricultores a usar um equipamento quente e pesado o dia inteiro, subindo e descendo morro. É uma tarefa difícil”, confessa Silva.
Pesquisa acadêmica com relevância social
A geneticista destaca o comprometimento social de sua pesquisa. “Desde o início do trabalho, em 2003, atuamos em parceria com os sindicatos rurais”, conta. Não seria possível conscientizar os agricultores sem o auxílio dos sindicatos, que, segundo ela, têm feito um excelente trabalho.
Como forma de complementar o trabalho acadêmico, os pesquisadores têm ministrado palestras para pequenos agricultores. Além disso, os resultados do trabalho foram utilizados como instrumento para campanhas de conscientização promovidas pelo sindicato, que incentivam o uso de equipamentos de segurança e de um sistema de rodízio para a aplicação de agrotóxicos nas propriedades.
Apesar desses esforços, a situação continua grave, pois o grau de intoxicação dos agricultores ainda é alto. Para Silva, os resultados obtidos são preocupantes – ainda mais se considerarmos que estamos falando de agricultores do nordeste do estado, que têm maior grau de conscientização. “Em outras regiões, a situação é ainda pior!”
Henrique Kugler
Especial para CH On-line (PR)
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