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10 março 2009

TRABALHO ESCRAVO NO PARÁ

Enfim! 27 escravagistas condenados por prática de trabalho escravo pela Justiça Federal do Pará

CPT/Ecodebate


Em ato exemplar, esperado da Justiça brasileira por muitos anos, o Juiz Federal de Marabá, Carlos Henrique Borlido Haddad, despachou no último dia 5 de março, 32 sentenças em ações penais movidas por prática de trabalho escravo, um crime definido pelos artigos 149, 203 e 207 do Código Penal. Em 26 sentenças condenatórias, 27 pessoas receberam penas que variam entre três anos e quatro meses e 10 anos e seis meses de prisão, com média de cinco anos e quatro meses: são quase todos proprietários do sul e sudeste do Pará, além de alguns gerentes e agenciadores de mão-de-obra. Outras oito pessoas, em seis ações, foram absolvidas.

À origem dessas ações estão 32 fiscalizações realizadas pelo Ministério do Trabalho entre os anos 1999 e 2008, libertando cerca de 500 escravos (sendo 431 somente nas terras dos réus hoje condenados), em atividades de desmatamento, roço de pasto e carvoaria, em propriedades localizadas principalmente nos municípios de Itupiranga, Marabá, São Felix do Xingu, Rondon do Pará e Rio Maria. Metade das denúncias foi colhida pela CPT junto a trabalhadores fugitivos procurando socorro.

Paradoxo? Consta no rol dos atuais condenados o gerente da fazenda Lagoa das Vacas, em São Félix do Xingu, cujo dono, Aldimir Lima Nunes, vulgo ‘Branquinho’, ganhou Habeas Corpus junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 28/06/2007 após condenação à prisão pela mesma Justiça Federal de Marabá, pelo mesmo crime e por crimes agravantes (incluindo ameaças de morte contra autoridades e contra agentes da CPT).

Embora passíveis de recursos cuja tramitação poderá gastar anos, tais sentenças criminais constituem uma verdadeira revolução no panorama de impunidade irrestrita de que se beneficiaram até hoje os escravagistas modernos no Brasil, uma situação amplamente denunciada nacional e internacionalmente e que só começou a ser revertida após a decisão do STF, em 30/11/2006, atribuindo à Justiça federal a competência para julgar este crime.

A indefinição que prevalecia até então garantia aos réus a possibilidade de recursos sem fim, até conseguir a prescrição do crime. Em virtude dessa brecha legal mantida por décadas com o consentimento do Judiciário, centenas de criminosos deixaram de ser julgados, muitos deles reincidindo mais de uma vez no mesmo crime. Menos de dez deles receberam pena privativa de liberdade.

Na ausência de possibilidade legal de confiscar a propriedade de tais criminosos (enquanto o Congresso protelar a aprovação da PEC 438/2001), as únicas punições aplicadas até hoje têm resultado de condenações pecuniárias pronunciadas pela Justiça do Trabalho ou dos efeitos dissuasivos oriundos da inclusão dos proprietários na “Lista Suja”, frustrando dramaticamente as metas da política nacional de erradicação do trabalho escravo.

Das 445 fiscalizações realizadas no Pará entre 1995 e 2008, com efetiva libertação (11.035 libertados), somente 204 geraram Ação Penal, sendo 144 efetivadas entre 2007 e 2008. No Tocantins, equiparado com o Mato Grosso e o Maranhão nesse deplorável ranking, 107 fiscalizações do mesmo período libertaram 1.909 escravos, mas resultaram em somente 21 Ações Penais.

Tamanho déficit na ação da justiça resulta cumulativamente da não-conclusão de centenas de Inquéritos criminais de competência da Polícia Federal, da inércia do Ministério Público, da lerdeza calculada do Judiciário. Por outro lado, para explicar essa incipiente retomada, reconhece o Juiz Haddad: “Tudo decorre da ênfase dada às fiscalizações pelo Ministério do Trabalho e Emprego nos últimos anos. O trabalho do grupo móvel, traduzido nas ações dos procuradores, gerou mais processos na Justiça. A fiscalização mais intensa possibilita que haja mais decisões e punições em casos de trabalho escravo”.

As atuais condenações ganham especial relevância no contexto da polêmica latente, alimentada pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura e da Pecuária) e sua bancada ruralista, sobre a natureza da escravidão contemporânea no âmbito do “moderno” agronegócio brasileiro, e sobre seu conceito legal. O entendimento expressado pelo Juiz Federal de Marabá está em perfeita sintonia com a letra e o espírito da lei quando afirma que “a lesão à liberdade pessoal provocada pelo crime de redução à condição análoga à de escravo não se restringe a impedir a liberdade de locomoção das pessoas. A proteção prevista em lei dirige-se à liberdade pessoal, na qual se inclui a liberdade de autodeterminação, em que a pessoa tem a faculdade de decidir o que fazer, como, quando e onde fazer”, o que não é possível para alguém submetido a condições degradantes ou mesmo a trabalho forçado, as duas hipóteses constitutivas do tipo penal.

Além de irreversíveis danos ao meio ambiente e aos territórios de comunidades tradicionais, o desenfreado avanço do agronegócio sobre as terras do cerrado e da floresta têm resultado até hoje na afronta brutal aos direitos do trabalhador, culminando no recrudescimento do trabalho escravo. Tratados como mero insumo e mercadoria descartável no processo produtivo, 5.244 brasileiros e brasileiras foram libertados da escravidão em 2008, o segundo recorde histórico desde 1995.

Esse escândalo tem que acabar.

Oxalá a Justiça brasileira acorde de vez e cumpra enfim seu papel constitucional, punindo os verdadeiros criminosos de forma dissuasiva, amparando as vítimas e estimulando a sociedade civil a continuar se mobilizando pelo direito de todos à terra e à dignidade.