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06 abril 2009

MEGAFAUNA NÃO PRECISA SER TÃO GRANDE. DEPENDE DO CONTEXTO

Mauro Galetti (Unesp) e Dennis Hansen (Stanford) defendem a revisão do conceito de megafauna e descrevem a importância dos grandes vertebrados na dispersão de sementes e na conservação da biodiversidade

Grande impacto

Por Heitor Shimizu

Agência FAPESP – Pequenos para uns, grandes para outros. Um artigo publicado na edição desta sexta-feira (3/4) da revista Science propõe uma revisão do conceito de megafauna, por entender que muitas vezes o “mega” não é tão grande assim.

O termo megafauna designa os grandes vertebrados terrestres – a maioria dos quais desapareceu há mais de 10 mil anos – que têm papel fundamental na dinâmica dos ecossistemas. O novo estudo defende que o conceito não deveria se limitar ao tamanho absoluto, mas variar de acordo com o contexto.

Pela definição clássica, megafauna se refere a mamíferos continentais com peso entre 44 e 1.000 quilos. Mas para Mauro Galetti, professor do Instituto de Biociências de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Dennis Hansen, do Departamento de Biologia da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, o impacto de um vertebrado em um determinado ecossistema depende do cenário em questão. Um animal que seria pequeno em um local pode ser o maior exemplar em outro. “A mesofauna de um ecossistema é a megafauna em outra”, apontam.

O artigo foi escrito enquanto Galetti fez pós-doutorado em Stanford, de onde retornou este mês, no qual teve bolsa da FAPESP na modalidade Novas Fronteiras (www.fapesp.br/novasfronteiras), que desde 2006 apoia a realização de estágios de longa duração em centros de excelência no exterior, em áreas de pesquisa ainda não bem implantadas no Estado de São Paulo.

Galetti e Hansen examinaram três tipos de ecossistemas – continentais, ilhas continentais e ilhas oceânicas – e compararam os pesos dos maiores vertebrados dispersores de sementes existentes atualmente com os maiores que foram extintos desde o fim do Pleistoceno (que se estendeu de 1,8 milhão a 10 mil anos atrás), quando ocorreu a última glaciação.

Segundo eles, um detalhe do ecossistema que ilustra claramente o argumento que defendem é a dispersão de sementes promovida por animais frugívoros. Quanto maior o animal, maior as frutas que ele consome – e cujas sementes ele dispersa.

“Com o desaparecimento de grandes vertebrados, como o gonfotério ou a preguiça-gigante na América do Sul, diversas espécies de plantas frutíferas perderam seus dispersores primários. É o caso de frutos como pequi e jatobá, que hoje contam apenas com dispersores secundários, como a cotia”, disse Galetti à Agência FAPESP. Gonfotérios eram mastodontes que viveram nas Américas e lembram o elefante atual.

Galetti pesquisa há cerca de 20 anos o efeito da fragmentação ou defaunação (perda de mamíferos e aves devido à caça) na predação e dispersão de sementes e herbivoria, especialmente na Mata Atlântica e Pantanal.

No ano passado, publicou artigo na PloS One, junto com dois colegas, no qual introduziram uma definição operacional para frutas consumidas pela megafauna e destacaram o impacto em ecossistemas da extinção dos grandes vertebrados, como na diminuição das distâncias em que sementes são dispersadas e na consequente limitação na variabilidade genética e na composição de espécies.

“O impacto da extinção dos grandes vertebrados é imenso. Os maiores frugívoros na América do Sul, por exemplo, como a preguiça-gigante, só ao andar já dispersavam sementes. Além disso, eles consumiam muita biomassa, controlavam muitas plantas. Pisando ou dispersando, tinham um impacto muito grande na diversidade da floresta. Eram importantes controladores da biodiversidade”, explicou Galetti.

Tal importância nos ecossistemas pode ser aplicada nos dias atuais para os exemplares remanescentes da megafauna, muitos dos quais correm risco de extinção, principalmente por conta da ação do homem.

“Impactos antropogênicos deverão causar novas extinções entre os grandes vertebrados, com consequências dramáticas para as dinâmicas dos ecossistemas. Se todos os vertebrados frugívoros ameaçados forem extintos, o encolhimento ecológico relativo em muitos ecossistemas continentais equivalerá ao encontrado em ilhas”, descreveram os autores.

Sobreviventes

Os pesquisadores verificaram que as massas corporais dos vertebrados nos continentes atualmente são dez vezes menores, em média, do que as de seus predecessores extintos. Nas ilhas, as massas dos maiores vertebrados dispersores de sementes atuais são de cem a quase mil vezes menores.

Os maiores frugívoros na América do Sul eram os gonfotérios (7.580 quilos), enquanto que o maior frugívoro vivo é a anta (300 quilos). Na ilha continental de Madagascar, o papel de maior frugívoro passou da ave-elefante (450 quilos) para a tartaruga rajada (10 quilos). Na ilha Maurício, a queda foi de 100 quilos (tartarugas-gigantes) para cerca de 500 gramas (morcego).

“A perda dos gigantes das ilhas – tartarugas, lagartos e aves que não voavam, como o dodo – levou, em termos relativos, a uma diminuição na megafauna maior do que a extinção dos maiores gonfotérios na América do Sul”, ressaltaram os autores.

Um exemplo da dimensão do problema da defaunação, segundo eles, é que, se todos os vertebrados frugívoros em risco de extinção na América do Sul desaparecessem, o maior remanescente seria o bugio (ou macaco-uivador), que tem cerca de 9 quilos.

Ou seja, em 20 mil anos o maior dispersador de sementes teria passado de um animal de 7 toneladas (gonfotério) para a atual anta (300 quilos), até chegar ao bugio. No fim das contas, uma queda de quase mil vezes em massa.

Mas, apesar de muitas vezes pequenos, os vertebrados frugívoros que sobreviveram ainda fazem o papel de megafauna em seus ecossistemas. E não têm substitutos. Segundo os pesquisadores, o papel que realizam na dispersão de sementes não será preenchido pelos frugívoros que sobreviverem, por conta de esses serem muito pequenos.

“Quando um grande frugívoro desaparece, não entra ninguém em seu lugar. Ao perder seus dispersores, as plantas passam a ser dominadas por outras espécies”, disse Galetti.

Para Galetti e Hansen, uma ampliação do conceito de megafauna deverá ajudar a relacionar mais eficientemente pesquisas com iniciativas de conservação, à medida que esses grandes (em impacto e não necessariamente em peso) animais continuarem a desaparecer na Terra.

O artigo The Forgotten Megafauna, de Dennis Hansen e Mauro Galetti, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org.

(Ilustração: Science)

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Caro Evandro:
Seria interessante uma listagem das
plantas do Acre com frutos (sementes) grandes que poderiam ter tido como dispersoras a megafauna extinta do Pleistoceno.
No Laboratório de Paleontologia da UFAC existem fósseis de preguiças gigantes e gonfotérios(mastodontes), extintos há 10-12 mil anos passados.
Um exemplo interessante a ser examinado seria o cocão de Tarauacá.
Alceu

06/04/2009, 07:16  

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