OLIMPÍADAS NO BRASIL EM 2016
A liderança do gigante sul-americano se confirma com a eleição do Rio de Janeiro como sede olímpica de 2016. Seu futuro irá depender como o país irá gerir suas riquezas petrolíferas submarinas e de seu desenvolvimento militar
A opinião é de Clóvis Brigagão, diretor do Centro de Estudos das Américas e pesquisador da Universidade Cândido Mendes e do Nobel Institute, em artigo para o jornal espanhol El País, 03-10-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
IHU Online
A imagem idílica do Brasil como um país "deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e a luz do céu profundo..." parece se desvanecer diante de seus desafios atuais.
Graças à diplomacia profissional do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, e às novas rotas econômicas, federativas e corporativas, a integração internacional do Brasil se amplia de maneira vigorosa dando passos que ultrapassam suas fronteiras.
Hoje, o Brasil tem a maior taxa mundial de competitividade, segundo o Fórum Econômico Mundial, o que está nos levando a sair da crise em melhores condições: fomos os primeiros em obter a qualificação de país seguro para o investimento exterior. Contudo, em chave interna, continuam existindo sérios problemas: infraestrutura, segurança pública, desigualdade, passivos ambientais e uma baixa institucionalidade política.
O Brasil dispõe de muitas reservas de água (e de energia hidrelétrica), terá muito gás e petróleo (as jazidas marinhas depositadas sob uma grande camada de sal) e aspira a ser uma potência – com fins pacíficos – em energia nuclear. Com reservas estimadas em 35 bilhões de barris nessas jazidas marinhas, acelerou-se o debate sobre sua competitividade internacional em recursos energéticos. Três modelos estão em jogo: o atual, de concessão, o da divisão federativa (que supõe a retirada dos royalties para os maiores produtores, como Rio, São Paulo e Espírito Santo, mas que agrada a maioria da federação e tende a ser a opção do governo) e a cessão onerosa, em que a única operadora, Petrobras – empresa de capital aberto – obteria direitos de exploração de cinco bilhões de barris. Atualmente, o Congresso está discutindo as diferentes opções com os lobbies que têm ali maior presença.
O calcanhar de Aquiles dessas jazidas não é tanto a questão do tipo de modelo, mas sim a criação de uma indústria de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, como fez a Noruega, diferente da opção da Indonésia, que só explora seus recursos. Se imperar a sensatez entre o governo, as instituições públicas e privadas, a opção norueguesa será considerada a melhor. Se a riqueza não reverter em benefício social e institucional (segundo um padrão ético e de eficácia), acabaremos compartilhando da experiência de muitos países com reservas gigantescas, mas com um baixo índice de desenvolvimento humano (educação, saúde, segurança pública etc.).
Os altos custos de investimento, produção e comercialização serão compensados unicamente se o país obtiver recursos suficientes para desenvolver sua tecnologia e ampliar os benefícios sociais reais. Trata-se de uma questão estratégica muito séria, que deve ser bem refletida, e de forma democrática, para saber se decidir por um caminho que, a médio e longo prazo, gere benefício a uma grande maioria, e não só a determinados setores da burocracia estatal e à corrupção política.
A nova iniciativa estatal terá que repartir seus gigantescos ganhos esperados com o Fundo Social para aplicar investimentos no desenvolvimento social, particularmente na educação e em programas de redução da pobreza. Pelo que parece, não se trata de demagogia ou de propaganda enganosa: o governo Lula assumirá, conjuntamente com o Congresso – em uma época de má reputação –, a responsabilidade de garantir e representar os interesses da maioria da nação. O debate está longe de ter se esgotado: questões técnicas, constitucionais e ideológicas está se misturando dentro e fora do Congresso. Será preciso ver se, a curto e médio prazo, essas jazidas cobertas de sal são a salvação do país ou um sonho que perdurará "... deitado eternamente em berço esplêndido".
Com a justificação de poder, assim, proteger a Amazônia e a chamada Amazônia Azul (4,5 milhões de quilômetros quadrados) do Oceano Atlântico Sul, onde estão submersas essas jazidas, um novo modelo na política de Defesa vai se desenhando no horizonte. Seu lema é: o Brasil deve aumentar seu poder defensivo, pois, como o presidente Lula comentou, "o Brasil é um país de paz, mas precisa mostrar os dentes se alguém quiser brigar conosco".
Sem dúvida alguma as Forças Armadas estão muito desabastecidas, pois, apesar de seu enorme orçamento, 8% deste é destinado a cobrir salários e pensões militares, e pouco é o que fica para os indispensáveis investimentos necessários para a própria defesa. O governo Lula optou pelo "fait accompli" de seu acordo estratégico com a França, justificado pelo suposto ganho de status ou poder internacional. O pacote, cujo núcleo central consiste na transferência de tecnologia, suporá novos submarinos convencionais, um de propulsão nuclear (com um orçamento para 2010 de 870 milhões de euros), dezenas de caças de combate e outras dezenas de helicópteros. O prazo de produção... se perde no horizonte! No caso dos novos aviões de caça, não se levou em conta os relatórios técnicos da Aeronáutica sobre as vantagens e desvantagens das ofertas francesa, norte-americana e sueca, mas o governo Lula declarou sua preferência pela proposta francesa.
O Congresso, pouco presente nas discussões sobre a política de Defesa (não dá votos), parece ter despertado para essa questão (como acontece na França e na Espanha). Ele quer debater os critérios e os custos: isso já é, por si só, de uma grande utilidade pública. A questão principal é que, até hoje, não existe na verdade uma política pública de Defesa, cm orçamentos, compras e gastos integrados. A Aeronáutica se encarrega dos aeroportos civis e carece de uma política aeroespacial; a Marinha, mais equipada tecnologicamente, mantém em aberto um debate sobre sua relevância estratégica, duvidando do poder de grandeza ou do poder de funcionalidade dissuasória; o Exército mantém, em pleno século XXI, sua política de presença (ou ocupação) territorial. O grande salto, de aproximadamente 20 ou 30 bilhões de reais (oito bilhões de euros), sairá do bolso do contribuinte para equipar uma defesa mais robusta e poder assumir, assim, conjuntamente com a política exterior e com a participação em missões de paz, o terceiro pilar da integração internacional do Brasil.
A América Latina, em geral, e a América do Sul, em particular, possuem uma das menores taxas de gastos militares do mundo, e até agora isso mantinha o equilíbrio regional entre os Estados. Novos equipamentos tecnologicamente sofisticados, no entanto, não significam necessariamente uma corrida armamentista. Mas no atual cenário da América do Sul, esses equipamentos tecnologicamente sofisticados, mas sem objetivos e logística bem definidos, correm o risco de provocar um clima de corrida armamentista... A Colômbia expande seu chamado Plano Colômbia com novas bases militares à disposição dos serviços de inteligência e de logística dos Estados Unidos. Sobre esse assunto, o Brasil exige garantias sobre a extraterritorialidade dos possíveis transtornos fronteiriços na Amazônia. A Venezuela pôs-se firme no mercado internacional de armas e fecha acordos – não muito claros – com a Rússia. O Brasil traça sua própria aliança estratégica com a França para se converter no líder mais poderoso da região. Chile irá segui-los – mesmo mantendo ainda em vigor a Lei do Cobre, de subsídios para a compra de armas. O Equador, com um conflito nunca bem resolvido com a Colômbia, continuará aumentando seus gastos de defesa. A própria Bolívia anuncia compras de armamentos. Só a empobrecida Argentina mantém-se à margem desse poder de fogo, quando esteve tão bem armada tecnologicamente no passado. Será que a Alemanha, a Inglaterra e a Espanha vão ficar fora desse mercado?
Ao serem elevadas à esfera da Unasul e do Conselho de Defesa Sul-Americano, as questões de segurança regional se misturam em disputas ideológicas e ciúmes individuais. O papel do Brasil, como moderador equilibrado das paixões, vai ter que enfrentar – e esse é o custo da liderança – as disputas de seus vizinhos andinos e atuar com mais vigor para aplacar os ânimos. Sua liderança está em jogo... Jogo em que a ousadia e a inusitada ação diplomática em Honduras poderá ser decisiva – parece ter sido muito bem articulada – para pôr à prova a consistência de sua liderança.
A opinião é de Clóvis Brigagão, diretor do Centro de Estudos das Américas e pesquisador da Universidade Cândido Mendes e do Nobel Institute, em artigo para o jornal espanhol El País, 03-10-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
IHU Online
A imagem idílica do Brasil como um país "deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e a luz do céu profundo..." parece se desvanecer diante de seus desafios atuais.
Graças à diplomacia profissional do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, e às novas rotas econômicas, federativas e corporativas, a integração internacional do Brasil se amplia de maneira vigorosa dando passos que ultrapassam suas fronteiras.
Hoje, o Brasil tem a maior taxa mundial de competitividade, segundo o Fórum Econômico Mundial, o que está nos levando a sair da crise em melhores condições: fomos os primeiros em obter a qualificação de país seguro para o investimento exterior. Contudo, em chave interna, continuam existindo sérios problemas: infraestrutura, segurança pública, desigualdade, passivos ambientais e uma baixa institucionalidade política.
O Brasil dispõe de muitas reservas de água (e de energia hidrelétrica), terá muito gás e petróleo (as jazidas marinhas depositadas sob uma grande camada de sal) e aspira a ser uma potência – com fins pacíficos – em energia nuclear. Com reservas estimadas em 35 bilhões de barris nessas jazidas marinhas, acelerou-se o debate sobre sua competitividade internacional em recursos energéticos. Três modelos estão em jogo: o atual, de concessão, o da divisão federativa (que supõe a retirada dos royalties para os maiores produtores, como Rio, São Paulo e Espírito Santo, mas que agrada a maioria da federação e tende a ser a opção do governo) e a cessão onerosa, em que a única operadora, Petrobras – empresa de capital aberto – obteria direitos de exploração de cinco bilhões de barris. Atualmente, o Congresso está discutindo as diferentes opções com os lobbies que têm ali maior presença.
O calcanhar de Aquiles dessas jazidas não é tanto a questão do tipo de modelo, mas sim a criação de uma indústria de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, como fez a Noruega, diferente da opção da Indonésia, que só explora seus recursos. Se imperar a sensatez entre o governo, as instituições públicas e privadas, a opção norueguesa será considerada a melhor. Se a riqueza não reverter em benefício social e institucional (segundo um padrão ético e de eficácia), acabaremos compartilhando da experiência de muitos países com reservas gigantescas, mas com um baixo índice de desenvolvimento humano (educação, saúde, segurança pública etc.).
Os altos custos de investimento, produção e comercialização serão compensados unicamente se o país obtiver recursos suficientes para desenvolver sua tecnologia e ampliar os benefícios sociais reais. Trata-se de uma questão estratégica muito séria, que deve ser bem refletida, e de forma democrática, para saber se decidir por um caminho que, a médio e longo prazo, gere benefício a uma grande maioria, e não só a determinados setores da burocracia estatal e à corrupção política.
A nova iniciativa estatal terá que repartir seus gigantescos ganhos esperados com o Fundo Social para aplicar investimentos no desenvolvimento social, particularmente na educação e em programas de redução da pobreza. Pelo que parece, não se trata de demagogia ou de propaganda enganosa: o governo Lula assumirá, conjuntamente com o Congresso – em uma época de má reputação –, a responsabilidade de garantir e representar os interesses da maioria da nação. O debate está longe de ter se esgotado: questões técnicas, constitucionais e ideológicas está se misturando dentro e fora do Congresso. Será preciso ver se, a curto e médio prazo, essas jazidas cobertas de sal são a salvação do país ou um sonho que perdurará "... deitado eternamente em berço esplêndido".
Com a justificação de poder, assim, proteger a Amazônia e a chamada Amazônia Azul (4,5 milhões de quilômetros quadrados) do Oceano Atlântico Sul, onde estão submersas essas jazidas, um novo modelo na política de Defesa vai se desenhando no horizonte. Seu lema é: o Brasil deve aumentar seu poder defensivo, pois, como o presidente Lula comentou, "o Brasil é um país de paz, mas precisa mostrar os dentes se alguém quiser brigar conosco".
Sem dúvida alguma as Forças Armadas estão muito desabastecidas, pois, apesar de seu enorme orçamento, 8% deste é destinado a cobrir salários e pensões militares, e pouco é o que fica para os indispensáveis investimentos necessários para a própria defesa. O governo Lula optou pelo "fait accompli" de seu acordo estratégico com a França, justificado pelo suposto ganho de status ou poder internacional. O pacote, cujo núcleo central consiste na transferência de tecnologia, suporá novos submarinos convencionais, um de propulsão nuclear (com um orçamento para 2010 de 870 milhões de euros), dezenas de caças de combate e outras dezenas de helicópteros. O prazo de produção... se perde no horizonte! No caso dos novos aviões de caça, não se levou em conta os relatórios técnicos da Aeronáutica sobre as vantagens e desvantagens das ofertas francesa, norte-americana e sueca, mas o governo Lula declarou sua preferência pela proposta francesa.
O Congresso, pouco presente nas discussões sobre a política de Defesa (não dá votos), parece ter despertado para essa questão (como acontece na França e na Espanha). Ele quer debater os critérios e os custos: isso já é, por si só, de uma grande utilidade pública. A questão principal é que, até hoje, não existe na verdade uma política pública de Defesa, cm orçamentos, compras e gastos integrados. A Aeronáutica se encarrega dos aeroportos civis e carece de uma política aeroespacial; a Marinha, mais equipada tecnologicamente, mantém em aberto um debate sobre sua relevância estratégica, duvidando do poder de grandeza ou do poder de funcionalidade dissuasória; o Exército mantém, em pleno século XXI, sua política de presença (ou ocupação) territorial. O grande salto, de aproximadamente 20 ou 30 bilhões de reais (oito bilhões de euros), sairá do bolso do contribuinte para equipar uma defesa mais robusta e poder assumir, assim, conjuntamente com a política exterior e com a participação em missões de paz, o terceiro pilar da integração internacional do Brasil.
A América Latina, em geral, e a América do Sul, em particular, possuem uma das menores taxas de gastos militares do mundo, e até agora isso mantinha o equilíbrio regional entre os Estados. Novos equipamentos tecnologicamente sofisticados, no entanto, não significam necessariamente uma corrida armamentista. Mas no atual cenário da América do Sul, esses equipamentos tecnologicamente sofisticados, mas sem objetivos e logística bem definidos, correm o risco de provocar um clima de corrida armamentista... A Colômbia expande seu chamado Plano Colômbia com novas bases militares à disposição dos serviços de inteligência e de logística dos Estados Unidos. Sobre esse assunto, o Brasil exige garantias sobre a extraterritorialidade dos possíveis transtornos fronteiriços na Amazônia. A Venezuela pôs-se firme no mercado internacional de armas e fecha acordos – não muito claros – com a Rússia. O Brasil traça sua própria aliança estratégica com a França para se converter no líder mais poderoso da região. Chile irá segui-los – mesmo mantendo ainda em vigor a Lei do Cobre, de subsídios para a compra de armas. O Equador, com um conflito nunca bem resolvido com a Colômbia, continuará aumentando seus gastos de defesa. A própria Bolívia anuncia compras de armamentos. Só a empobrecida Argentina mantém-se à margem desse poder de fogo, quando esteve tão bem armada tecnologicamente no passado. Será que a Alemanha, a Inglaterra e a Espanha vão ficar fora desse mercado?
Ao serem elevadas à esfera da Unasul e do Conselho de Defesa Sul-Americano, as questões de segurança regional se misturam em disputas ideológicas e ciúmes individuais. O papel do Brasil, como moderador equilibrado das paixões, vai ter que enfrentar – e esse é o custo da liderança – as disputas de seus vizinhos andinos e atuar com mais vigor para aplacar os ânimos. Sua liderança está em jogo... Jogo em que a ousadia e a inusitada ação diplomática em Honduras poderá ser decisiva – parece ter sido muito bem articulada – para pôr à prova a consistência de sua liderança.
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