O ACRE E A REFORMA DO CÓDIGO FLORESTAL
Acre é a prova de desenvolvimento aliado ao Código Florestal, diz WWF
Fábio Pontes
A Gazeta, Dom, 28 de Fevereiro de 2010
Apontado como um dos entraves para o incremento da produção agropecuária nacional, o Código Florestal está na mira do setor ruralista. Desde o ano passado o país discute mudanças no texto. Os maiores interessados, lógico, são os produtores. Mas para Mauro Armelin, coordenador do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável do WWF-Brasil, é possível aumentar a produção no campo sem alterar o código.wwf
Nessa entrevista concedida por e-mail ao jornal A GAZETA, Armelin considera um equívoco afirmar que o principal prejudicado pelo Código Florestal é o pequeno produtor. "Existe [nó Código] uma claríssima distinção de usos [da terra] pela pequena propriedade", diz. Quanto ao papel do Acre, ele afirma que o Estado está na vanguarda de uma economia ambiental.
Segundo ele, o Acre é uma prova de que uma região pode se desenvolver mantendo suas riquezas naturais e que não tem o Código Florestal como empecilho.
A GAZETA: O Código Florestal está em vigor desde a década de 60 com seu texto basicamente original. Muitos o acusam de ser velho e obsoleto. Há necessidade de alterá-lo?
Armelin: Vamos olhar com uma lente maior a legislação geral vigente: o Código Civil foi atualizado em 2002, mas estava valendo desde 1916; o Código de Águas vale desde 1934; o Código Penal e o Código de Processo Penal são, respectivamente, de 1940 e 41. A violência é um problema que ocupa muito mais espaço na agenda atual e nem por isso existe essa mobilização toda para suprimir ou alterar de forma intempestiva as legislações vigentes. O Código Florestal é de 1965 e tem três pilares que fazem dele uma legislação conceitualmente moderna, que são o conceito de área de preservação permanente (APP), voltado para a proteção contra erosão (defende a propriedade de uso indevido), assoreamento de corpos d'água (direito coletivo aos recursos hídrico) e deixa evidenciada a função social da propriedade, que está na Constituição de 1988. Este último ponto é fundamental para o atual debate. Por outro lado, o Código Florestal foi uma lei que passou por muitas regulamentações, então distorções podem ter surgido durante esses processos. Assim, uma revisão das resoluções que regulamentam o código bastaria perfeitamente para aqueles produtores, pequenos ou grandes, resolverem seus questionamentos e passivos.
A GAZETA: O que representaria para a conservação da fauna e flora brasileiras as possíveis mudanças no Código Florestal?
Armelin: Concentrando-se somente nas alterações da Reserva Legal, se os passivos ambientais gerados pelo agronegócio fossem recuperados a Mata Atlântica, por exemplo, poderia ter sua área ampliada de 7% para 20%, o que é muito significativo. No caso da Amazônia, o percentual de uma propriedade que deve ser preservada (Reserva Legal) seja reduzido, passando dos atuais 80% para os 50% vigentes no passado, se terá também um número significativo, mas na direção contrária da Mata Atlântica.
A GAZETA: Os defensores do Código Florestal argumentam que ele é muito rigoroso em suas penalidades. Dizem que o maior prejudicado é o pequeno produtor. Afinal, o código é realmente severo? Qual o papel dos órgãos de repressão aos crimes ambientais em meio a esse imbróglio?
Armelin: O código sempre previu sanções aos transgressores. Porém, em 2001, além de passar a valer a exigência de averbação da reserva legal vinculada à matrícula do imóvel, em 2008 as punições saíram da esfera administrativa e foram para a esfera cível e o Ministério Público, que tem por obrigação de ofício fazer cumprir a lei, passou a atuar mais fortemente. Foi isso que efetivamente gerou essa rea-ção que estamos vendo por parte dos ruralistas. Até então, o governo tentava punir e os transgressores tentavam se desviar das punições. Agora não mais. Além disso, a averbação obrigatória pode trazer à tona uma situação fundiária complicada, pois, na Amazônia, existem várias áreas com sobreposições de títulos e áreas em disputa. O argumento de que os pequenos produtores são os mais prejudicados é um equívoco, pois existe uma claríssima distinção de usos pela pequena propriedade, seja com possibilidade de uso das APPs, com sistemas agroflorestais, até no cômputo de Reserva Legal e APPs. Como colocado, o MP e o órgão de fiscalização têm obrigação de fazer cumprir a lei, sob pena de prevaricação. Esse conceito de leis que "pegam" e leis que não "pegam" precisa acabar, afinal lei é lei. No fundo, esse processo está sendo muito maduro e a sociedade brasileira cresce com ele.
A GAZETA: O governador do Acre, Binho Marques, já se mostrou contrário a mudanças no Código Florestal. Para ele, as alterações são um retrocesso. Até que ponto mexer nessa lei pode contribuir para que não somente a Amazônia como os demais biomas dêem lugar a pastos e plantações?
Armelin: Quando a Reserva Legal na Amazônia passou de 50% para 80%, a intenção clara disso foi direcionar a região para um modelo diferente de desenvolvimento, onde a floresta é o grande meio de produção e de geração de renda para comunidades. O Estado do Acre é um dos locais onde esse sentimento está mais incorporado. O governador Binho se coloca contra as mudanças pois percebeu que, para o modelo de desenvolvimento que é vislumbrado para o Estado, a existência da floresta é a solução e não um problema. O Estado está trabalhando intensamente para valorizar a floresta e garantir sua manutenção. Os outros estados podem seguir pelo mesmo caminho. No imaginário geral, retirar a floresta para o plantio de pasto parece abrir as portas do desenvolvimento, mas isso é uma visão equivocada, e a flexibilização das leis florestais pode, sim, criar a impressão de que isso é positivo. Ao contrário, a manutenção do Código deve, a exemplo do Acre, vir acompanhado de uma política florestal agressiva, que promove conservação e desenvolvimento social, além de promover políticas de aumento da produtividade nas áreas já desmatadas. O aumento de produtividade no agronegócio e conservação do meio ambiente não são excludentes, mas complementares.
A GAZETA: Qual papel que o Acre, um Estado com mais de 80% de sua cobertura florestal intacta, pode ter em uma discussão tão complexa quanto o da reforma no Código Florestal?
Armelin: O Acre está na vanguarda de uma nova economia ambiental. O Estado não está somente participando da discussão, mas está mostrando caminhos alternativos. Esse exemplo deve ser sistematizado e divulgado. Por esse, e vários outros motivos, a WWF-Brasil aposta tanto na sociedade acreana. Se existe um local onde o desenvolvimento sustentável já está sendo implementado, e com bons resultados, esse lugar é o Estado do Acre.
Fábio Pontes
A Gazeta, Dom, 28 de Fevereiro de 2010
Apontado como um dos entraves para o incremento da produção agropecuária nacional, o Código Florestal está na mira do setor ruralista. Desde o ano passado o país discute mudanças no texto. Os maiores interessados, lógico, são os produtores. Mas para Mauro Armelin, coordenador do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável do WWF-Brasil, é possível aumentar a produção no campo sem alterar o código.wwf
Nessa entrevista concedida por e-mail ao jornal A GAZETA, Armelin considera um equívoco afirmar que o principal prejudicado pelo Código Florestal é o pequeno produtor. "Existe [nó Código] uma claríssima distinção de usos [da terra] pela pequena propriedade", diz. Quanto ao papel do Acre, ele afirma que o Estado está na vanguarda de uma economia ambiental.
Segundo ele, o Acre é uma prova de que uma região pode se desenvolver mantendo suas riquezas naturais e que não tem o Código Florestal como empecilho.
A GAZETA: O Código Florestal está em vigor desde a década de 60 com seu texto basicamente original. Muitos o acusam de ser velho e obsoleto. Há necessidade de alterá-lo?
Armelin: Vamos olhar com uma lente maior a legislação geral vigente: o Código Civil foi atualizado em 2002, mas estava valendo desde 1916; o Código de Águas vale desde 1934; o Código Penal e o Código de Processo Penal são, respectivamente, de 1940 e 41. A violência é um problema que ocupa muito mais espaço na agenda atual e nem por isso existe essa mobilização toda para suprimir ou alterar de forma intempestiva as legislações vigentes. O Código Florestal é de 1965 e tem três pilares que fazem dele uma legislação conceitualmente moderna, que são o conceito de área de preservação permanente (APP), voltado para a proteção contra erosão (defende a propriedade de uso indevido), assoreamento de corpos d'água (direito coletivo aos recursos hídrico) e deixa evidenciada a função social da propriedade, que está na Constituição de 1988. Este último ponto é fundamental para o atual debate. Por outro lado, o Código Florestal foi uma lei que passou por muitas regulamentações, então distorções podem ter surgido durante esses processos. Assim, uma revisão das resoluções que regulamentam o código bastaria perfeitamente para aqueles produtores, pequenos ou grandes, resolverem seus questionamentos e passivos.
A GAZETA: O que representaria para a conservação da fauna e flora brasileiras as possíveis mudanças no Código Florestal?
Armelin: Concentrando-se somente nas alterações da Reserva Legal, se os passivos ambientais gerados pelo agronegócio fossem recuperados a Mata Atlântica, por exemplo, poderia ter sua área ampliada de 7% para 20%, o que é muito significativo. No caso da Amazônia, o percentual de uma propriedade que deve ser preservada (Reserva Legal) seja reduzido, passando dos atuais 80% para os 50% vigentes no passado, se terá também um número significativo, mas na direção contrária da Mata Atlântica.
A GAZETA: Os defensores do Código Florestal argumentam que ele é muito rigoroso em suas penalidades. Dizem que o maior prejudicado é o pequeno produtor. Afinal, o código é realmente severo? Qual o papel dos órgãos de repressão aos crimes ambientais em meio a esse imbróglio?
Armelin: O código sempre previu sanções aos transgressores. Porém, em 2001, além de passar a valer a exigência de averbação da reserva legal vinculada à matrícula do imóvel, em 2008 as punições saíram da esfera administrativa e foram para a esfera cível e o Ministério Público, que tem por obrigação de ofício fazer cumprir a lei, passou a atuar mais fortemente. Foi isso que efetivamente gerou essa rea-ção que estamos vendo por parte dos ruralistas. Até então, o governo tentava punir e os transgressores tentavam se desviar das punições. Agora não mais. Além disso, a averbação obrigatória pode trazer à tona uma situação fundiária complicada, pois, na Amazônia, existem várias áreas com sobreposições de títulos e áreas em disputa. O argumento de que os pequenos produtores são os mais prejudicados é um equívoco, pois existe uma claríssima distinção de usos pela pequena propriedade, seja com possibilidade de uso das APPs, com sistemas agroflorestais, até no cômputo de Reserva Legal e APPs. Como colocado, o MP e o órgão de fiscalização têm obrigação de fazer cumprir a lei, sob pena de prevaricação. Esse conceito de leis que "pegam" e leis que não "pegam" precisa acabar, afinal lei é lei. No fundo, esse processo está sendo muito maduro e a sociedade brasileira cresce com ele.
A GAZETA: O governador do Acre, Binho Marques, já se mostrou contrário a mudanças no Código Florestal. Para ele, as alterações são um retrocesso. Até que ponto mexer nessa lei pode contribuir para que não somente a Amazônia como os demais biomas dêem lugar a pastos e plantações?
Armelin: Quando a Reserva Legal na Amazônia passou de 50% para 80%, a intenção clara disso foi direcionar a região para um modelo diferente de desenvolvimento, onde a floresta é o grande meio de produção e de geração de renda para comunidades. O Estado do Acre é um dos locais onde esse sentimento está mais incorporado. O governador Binho se coloca contra as mudanças pois percebeu que, para o modelo de desenvolvimento que é vislumbrado para o Estado, a existência da floresta é a solução e não um problema. O Estado está trabalhando intensamente para valorizar a floresta e garantir sua manutenção. Os outros estados podem seguir pelo mesmo caminho. No imaginário geral, retirar a floresta para o plantio de pasto parece abrir as portas do desenvolvimento, mas isso é uma visão equivocada, e a flexibilização das leis florestais pode, sim, criar a impressão de que isso é positivo. Ao contrário, a manutenção do Código deve, a exemplo do Acre, vir acompanhado de uma política florestal agressiva, que promove conservação e desenvolvimento social, além de promover políticas de aumento da produtividade nas áreas já desmatadas. O aumento de produtividade no agronegócio e conservação do meio ambiente não são excludentes, mas complementares.
A GAZETA: Qual papel que o Acre, um Estado com mais de 80% de sua cobertura florestal intacta, pode ter em uma discussão tão complexa quanto o da reforma no Código Florestal?
Armelin: O Acre está na vanguarda de uma nova economia ambiental. O Estado não está somente participando da discussão, mas está mostrando caminhos alternativos. Esse exemplo deve ser sistematizado e divulgado. Por esse, e vários outros motivos, a WWF-Brasil aposta tanto na sociedade acreana. Se existe um local onde o desenvolvimento sustentável já está sendo implementado, e com bons resultados, esse lugar é o Estado do Acre.
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