HISTÓRIA ACREANA: O HOMEM QUE DESAFIOU RUI BARBOSA
“Quem era aquele defensor gratuito dos bravos acreanos, filho do nordeste, que, como cavaleiro medieval, se armava para entrar na luta contra um homem da estatura intelectual de Rui Barbosa?”
Isaac Melo
Editor do Blog Alma Acreana
Se se diz que a história acreana é um poço de bravura e teimosia, não duvide. A verdade é que grande parte da história do Acre ainda está por vir à tona. Há muitos personagens e fatos que ainda estão a dormir o sono do esquecimento.
Rui Barbosa, um dos maiores gênios intelectuais que este país já produziu, é de todos conhecido. Orador brilhante, jurista impecável, advogado completo, escritor exímio. Gumersindo Bessa, jurista sergipano, nem tanto. O que cruzou o caminho desses dois homens, um já consagrado, outro ignoto? A questão acreana.
Logo após a anexação das terras acreanas ao Brasil, iniciou-se uma intensa discussão em torno de questões jurídicas. Ora, o Acre naquele período era um grande produtor da hevea brasiliensis, ou seja, grande gerador de riquezas advindas da borracha. Os governos cobravam altas taxas alfandegárias sobre o produto. Para se ter uma ideia a renda acreana era uma das maiores do Brasil. Em síntese, quem tivesse o domínio do Território acreano estaria com seus cofres bem nutridos.
O Estado do Amazonas, que não era besta, vendo ali uma galinha de ovos de ouro entrou com uma ação no Supremo Tribunal contra a própria União Federal que também reivindicava a posse do Território. Naquele momento o Acre juridicamente, não pertencia nem à União nem ao Amazonas. Por sua vez, o Amazonas se julgava com pleno direito às terras acreanas setentrionais, uma vez que sempre ambicionara incorporar o Acre ao seu território, e estava disposto a defender com unhas e dentes aquelas terras que sendo já brasileira antes do Tratado de Petrópolis “necessariamente se havia de achar no Estado do Amazonas”.
Ora, para tal empreitada o Estado do Amazonas tomou nada menos que Rui Barbosa, então Conselheiro do Tribunal, para advogar a seu favor no litígio levantado contra a União. O exaustivo levantamento de leis, conforme assevera Sílvio Meira, documentos, dados históricos, geográficos, cartográficos, transforma as Razões Finais de Rui Barbosa num monumento de sabedoria, de erudição, de clarividência, um exemplo extraordinário de peça jurídica da lavra de um advogado completo, sem igual.
Note que, diante desse amplo embate jurídico, não se discute os direitos dos acreanos, mas quem de direito o devia possuir, isto é, a quem pertenceria o domínio de suas terras. Esse debate já havia se tornado nacional, levado a público pela imprensa brasileira a todos os Estados. É aqui que Gumersindo Bessa cruza o caminho de Rui. Surge então, o espontâneo “defensor dos acreanos”. A 31 de janeiro de 1906, em Aracaju, Gumersindo Bessa leva a público o seu “Memorial em Prol dos Acreanos Ameaçados de Confisco pelo Estado do Amazonas na Ação de Reivindicação do Território do Acre”, documento composto de 20 páginas. “Quem era aquele defensor gratuito dos bravos acreanos, filho do nordeste, que, como cavaleiro medieval, se armava para entrar na luta contra um homem da estatura intelectual de Rui Barbosa?”. Gumersindo Bessa, nas palavras de Sílvio Meira, era um homem de província, de alto merecimento. Não se tratava de um aventureiro, nem de algum audacioso escriba do pequenino Estado, mas de um jurista de real merecimento, tocado do sentimento natural de defesa de uma causa que lhe parecia nobre.
Rui Barbosa, até então, havia se recusado a tomar parte nas inúmeras polêmicas levantadas pelos jornais acerca do tema, como foi o caso do Jornal do Comércio, que tinha publicado uma série de artigos acrimoniosos de autoria do Dr. Orlando Correia Lopes, outro personagem principal do pós-revolução acreana. Todavia, ao Memorial de Bessa Rui considerou-o digno de receber uma resposta. A partir daí, sucederam-se oito artigos de Gumersindo, com oito respostas de Rui Barbosa. Apesar da grande competência de Bessa, seus argumentos não foram fortes o bastante no embate contra Rui. Nada, porém, como assevera Sílvio Meira, garantirá tanta a lembrança ao nome de Gumersindo Bessa, que a honra de haver debatido a causa do Amazonas com o imortal brasileiro e haver merecido de Rui uma resposta, que é uma lição permanente de direito e de estilo.
Por fim, dessa lição todos nós tomamos parte. Embora saibamos que, para o Acre, o sergipano Gumersindo Bessa meio que incorporava os interesses da consciência acreana, a reivindicar sua autonomia e seus direitos, até então, ignorados pelo Estado Brasileiro. Por um momento, os acreanos era aquele homem, um espinho a cravar na carne daqueles que reivindicavam para si o destino de um povo, à semelhança de quem reivindica a posse de um brinquedo qualquer...
Referências para aprofundar:
BESSA, Gumersindo. Memorial em Prol dos Acreanos Ameaçados de Confisco pelo Estado do Amazonas na Ação de Reivindicação do Território do Acre. Rio de Janeiro: Typ. Do Jornal do Commercio: 1906.
BARBOSA, Rui. O Direito do Amazonas ao Acre Setentrional. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1984. (Vol. XXXVII, tomo V; Vol. XXXVII, tomo VI)
Isaac Melo
Editor do Blog Alma Acreana
Se se diz que a história acreana é um poço de bravura e teimosia, não duvide. A verdade é que grande parte da história do Acre ainda está por vir à tona. Há muitos personagens e fatos que ainda estão a dormir o sono do esquecimento.
Rui Barbosa, um dos maiores gênios intelectuais que este país já produziu, é de todos conhecido. Orador brilhante, jurista impecável, advogado completo, escritor exímio. Gumersindo Bessa, jurista sergipano, nem tanto. O que cruzou o caminho desses dois homens, um já consagrado, outro ignoto? A questão acreana.
Logo após a anexação das terras acreanas ao Brasil, iniciou-se uma intensa discussão em torno de questões jurídicas. Ora, o Acre naquele período era um grande produtor da hevea brasiliensis, ou seja, grande gerador de riquezas advindas da borracha. Os governos cobravam altas taxas alfandegárias sobre o produto. Para se ter uma ideia a renda acreana era uma das maiores do Brasil. Em síntese, quem tivesse o domínio do Território acreano estaria com seus cofres bem nutridos.
O Estado do Amazonas, que não era besta, vendo ali uma galinha de ovos de ouro entrou com uma ação no Supremo Tribunal contra a própria União Federal que também reivindicava a posse do Território. Naquele momento o Acre juridicamente, não pertencia nem à União nem ao Amazonas. Por sua vez, o Amazonas se julgava com pleno direito às terras acreanas setentrionais, uma vez que sempre ambicionara incorporar o Acre ao seu território, e estava disposto a defender com unhas e dentes aquelas terras que sendo já brasileira antes do Tratado de Petrópolis “necessariamente se havia de achar no Estado do Amazonas”.
Ora, para tal empreitada o Estado do Amazonas tomou nada menos que Rui Barbosa, então Conselheiro do Tribunal, para advogar a seu favor no litígio levantado contra a União. O exaustivo levantamento de leis, conforme assevera Sílvio Meira, documentos, dados históricos, geográficos, cartográficos, transforma as Razões Finais de Rui Barbosa num monumento de sabedoria, de erudição, de clarividência, um exemplo extraordinário de peça jurídica da lavra de um advogado completo, sem igual.
Note que, diante desse amplo embate jurídico, não se discute os direitos dos acreanos, mas quem de direito o devia possuir, isto é, a quem pertenceria o domínio de suas terras. Esse debate já havia se tornado nacional, levado a público pela imprensa brasileira a todos os Estados. É aqui que Gumersindo Bessa cruza o caminho de Rui. Surge então, o espontâneo “defensor dos acreanos”. A 31 de janeiro de 1906, em Aracaju, Gumersindo Bessa leva a público o seu “Memorial em Prol dos Acreanos Ameaçados de Confisco pelo Estado do Amazonas na Ação de Reivindicação do Território do Acre”, documento composto de 20 páginas. “Quem era aquele defensor gratuito dos bravos acreanos, filho do nordeste, que, como cavaleiro medieval, se armava para entrar na luta contra um homem da estatura intelectual de Rui Barbosa?”. Gumersindo Bessa, nas palavras de Sílvio Meira, era um homem de província, de alto merecimento. Não se tratava de um aventureiro, nem de algum audacioso escriba do pequenino Estado, mas de um jurista de real merecimento, tocado do sentimento natural de defesa de uma causa que lhe parecia nobre.
Rui Barbosa, até então, havia se recusado a tomar parte nas inúmeras polêmicas levantadas pelos jornais acerca do tema, como foi o caso do Jornal do Comércio, que tinha publicado uma série de artigos acrimoniosos de autoria do Dr. Orlando Correia Lopes, outro personagem principal do pós-revolução acreana. Todavia, ao Memorial de Bessa Rui considerou-o digno de receber uma resposta. A partir daí, sucederam-se oito artigos de Gumersindo, com oito respostas de Rui Barbosa. Apesar da grande competência de Bessa, seus argumentos não foram fortes o bastante no embate contra Rui. Nada, porém, como assevera Sílvio Meira, garantirá tanta a lembrança ao nome de Gumersindo Bessa, que a honra de haver debatido a causa do Amazonas com o imortal brasileiro e haver merecido de Rui uma resposta, que é uma lição permanente de direito e de estilo.
Por fim, dessa lição todos nós tomamos parte. Embora saibamos que, para o Acre, o sergipano Gumersindo Bessa meio que incorporava os interesses da consciência acreana, a reivindicar sua autonomia e seus direitos, até então, ignorados pelo Estado Brasileiro. Por um momento, os acreanos era aquele homem, um espinho a cravar na carne daqueles que reivindicavam para si o destino de um povo, à semelhança de quem reivindica a posse de um brinquedo qualquer...
Referências para aprofundar:
BESSA, Gumersindo. Memorial em Prol dos Acreanos Ameaçados de Confisco pelo Estado do Amazonas na Ação de Reivindicação do Território do Acre. Rio de Janeiro: Typ. Do Jornal do Commercio: 1906.
BARBOSA, Rui. O Direito do Amazonas ao Acre Setentrional. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1984. (Vol. XXXVII, tomo V; Vol. XXXVII, tomo VI)
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