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25 dezembro 2010

OS ANOS LULA 2003-2010

Os bastidores da queda de Palocci: Lula deu a Palocci 4 dias para se livrar da culpa do caso Francenildo

Kennedy Alencar
Folha de S. Paulo

Apesar de ter sido informado de que Antonio Palocci Filho ordenara quebra do sigilo do caseiro Francenildo Costa, Lula deu prazo de quatro dias para o ministro da Fazenda tentar um acordo pelo qual o presidente da Caixa, Jorge Mattoso, assumiria a culpa.

Lula queria demitir José Dirceu da Casa Civil desde março de 2004, nos desdobramentos do caso Waldomiro Diniz. Mas só agiu quando Roberto Jefferson enviou um recado na Câmara de que deixaria de preservá-lo se Dirceu permanecesse.

Revelações como essas estarão no livro do repórter Kennedy Alencar sobre o governo Lula a ser lançado no ano que vem pela Publifolha.


Leia, a seguir, alguns trechos do livro.

BOMBA

A primeira grande crise do governo Lula começou no aniversário de 24 anos do PT, a sexta-feira 13 de fevereiro de 2004. Reportagem da revista "Época" revelava o vídeo no qual Waldomiro Diniz pedia propina, em 2002, ao empresário do setor de jogos Carlinhos Cachoeira.

Homem de confiança de José Dirceu e subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil, Waldomiro fora filmado quando presidia a Loterj no Rio de Janeiro.

Na segunda-feira, dia 16 de fevereiro de 2004, Dirceu pôs o cargo à disposição em reunião com Lula e ministros. Pesquisa telefônica do publicitário Duda Mendonça mostrava que a maioria achava "importante" uma CPI no Congresso.

No começo da reunião, Dirceu surpreendeu ao sugerir que poderia sair: "Estou disponível". O ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) defendeu a permanência. Palocci também.

Lula avaliou que a demissão equivaleria a confissão de culpa e enfraqueceria o governo. Fazia menos de uma semana que dissera que Dirceu era o "capitão" do time. Em recente reforma ministerial, tirara atribuições políticas da Casa Civil e pedira ao ministro que priorizasse o gerenciamento dos ministérios, o que já era muito.

Depois, Lula soube que Dirceu desejava ficar. Antes da reunião em que pôs o cargo à disposição, ele havia pedido socorro a dois senadores: Antonio Carlos Magalhães, do antigo PFL baiano, e José Sarney (PMDB-AP). Ouviu deles que não deveria sair e que os três atuariam juntos para abafar a CPI.

Ao deixar o governo no mensalão, Dirceu se arrependeu de não ter ido embora no caso Waldomiro.

POR POUCO

Duas semanas depois, Lula mudaria de opinião. Na manhã de 2 de março de 2004, a Folha manchetava uma pesquisa Datafolha: "Maioria quer afastamento de Dirceu, mas poupa Lula". Segundo o levantamento, 67% dos entrevistados queriam o afastamento do ministro-chefe da Casa Civil.

Naquela manhã, o ministro da Fazenda dera entrevista à Rede Globo para repetir pela enésima vez que a política econômica não mudaria. Lula e Palocci estavam contrariados com ações de Dirceu para transferir parte da crise para a área econômica.

O ministro da Casa Civil estimulou documento do PT com crítica à notícia de queda de 0,2% do Produto Interno Bruto em 2003 --depois, esse número seria revisado para 1,1% de crescimento.

Por causa da entrevista, Palocci faltou à tradicional caminhada com Lula no Palácio da Alvorada. O ministro pediu a seu assessor Marcelo Netto que telefonasse para o Alvorada e perguntasse se poderia ir lá tomar um café.

Netto não localizou Freud Godoy, secretário particular do presidente. Falou com a telefonista. Ela consultou Lula, que autorizou a visita.

Sem camisa, de bermuda, passando manteiga no pão para dar à cadela Michelle, Lula discutiu a pesquisa com Palocci: "Precisamos pensar no afastamento do Zé Dirceu. A pesquisa foi muito ruim para ele". Palocci concordou.

Os dois acertaram que tentariam convencer Dirceu a tirar licença e reassumir o mandato de deputado. No entanto, ao longo do dia, Dirceu teve um aliado inesperado. Após prometer uma bomba, o senador Almeida Lima, então no PDT, fez um discurso vazio e deu argumentos a favor de suposta campanha para desestabilizar o governo derrubando Dirceu. Lula e Palocci recuaram.

ISOLAMENTO

Em março de 2005, José Dirceu tinha consciência de que perdera a proeminência política para Palocci. Numa conversa, na residência oficial da Casa Civil, na Península dos Ministros, no Lago Sul, desabafou enquanto tomava café com leite e comia torrada com mortadela. "O Palocci me disse no final do ano que já tinha pedido demissão cinco vezes ao presidente. Filho da puta. Sempre consegue o quer."

Queixava-se também da indicação de Romero Jucá para ministro da Previdência. "O PMDB está indicando, mas é ladrãããooooo", falou, com o característico sotaque do sul de Minas Gerais. Jucá durou quatro meses como ministro, mas, hábil conhecedor do Congresso, virou um líder do governo no Senado útil durante todo o resto do governo.

Dirceu criticava Lula: "É conservador. Esse pessoal do sindicalismo do ABC sempre teve casa, carro. Não é como o pessoal que viveu clandestino na ditadura. O Lula fala cada coisa. Quando fala em família, fico me controlando para não rir. Já disse para o presidente que fiz a minha parte. Já tive três famílias".

A irritação era maior com Antonio Palocci. Em 2004, em um intervalo de 20 dias, o chefe da Casa Civil e o ministro da Fazenda tiveram dois embates pesados.

No dia 22 de novembro de 2004, Lula se reuniu com ministros do PT na Granja do Torto. O encontro fora planejado pelo presidente do partido, José Genoino, para discutir os resultados das eleições municipais de outubro. Mas a economia acabou virando o assunto principal.

Ministros atacaram os juros altos. "Enxugamos gelo", disse Dirceu. Quando Palocci começou a responder à crítica, Dirceu o interrompeu: "Palocci, aqui não tem nenhum imbecil para aceitar essa explicação".

O ministro da Fazenda se virou para Lula: "Assim não tenho como continuar". Lula o apoiou: "Está dando certo. O caminho é esse".

A reunião acabou em constrangimento.

No dia seguinte, Antonio Palocci disse a Jaques Wagner, ministro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que Dirceu havia sido desleal: "Você poderia ter me inquirido daquele jeito. Ele não. Sabe de coisas que eu não posso falar. Sabe de coisas que só falo com ele e com o presidente. Anotei no meu caderno".

É revelador o desabafo de Dirceu sobre outro encontro, a reunião ministerial de 11 e 12 de dezembro de 2004: "No final do ano, não engoli o desaforo. O Lula ficou elogiando o Palocci. Até aí, tudo bem. É duro de engolir. Tava todo mundo lá bebendo, relaxando. Mas, depois, começou a elogiar o [Henrique] Meirelles [presidente do Banco Central]. Fechei a cara. Todo mundo foi ficando preocupado. O Jaques [Wagner] me passou a palavra. Eu disse: 'Bom Natal, feliz Ano Novo e boa noite'. Foi o fim".

NA MARRA

Lula sempre teve uma relação fria com Dirceu. Mas reconhece seu papel fundamental na vitoriosa estratégia de chegar ao poder com a guinada do PT ao centro na política e na economia.

Também considera que Dirceu paga um preço mais alto do que sua culpa pelo mensalão: "Ele não pode nem sair de casa. Não pode andar de avião que é ofendido, como se fosse bandido".

Quando Jefferson destampou a panela de pressão do mensalão, Lula ficou atordoado. Reservadamente, responsabilizava Dirceu, que queria cuidar do gerenciamento do governo e da articulação política, mas não dava conta do recado.

Dirceu culpava Lula pelo veto à aliança com o PMDB na formação do governo, em dezembro de 2002, o que o obrigou a fazer composições políticas no varejo com o pior do Congresso.

Em 12 de junho de 2006, um domingo, Jefferson deu à Folha a segunda de três entrevistas demolidoras. Nela, bombardeou a cúpula do PT, mas resguardou Lula. "Várias vezes conversei com o [José] Genoino [presidente do PT] e com o Delúbio [Soares, tesoureiro do partido] no gabinete do ministro Zé Dirceu", disparou.

No mesmo dia, Lula convocou Dirceu para uma reunião na Granja do Torto. Dirceu chegou às 18h. Lula foi claro: "Isso não vai parar se você não sair". O presidente defendeu um afastamento temporário que ambos sabiam definitivo.

Lula dizia que o governo estava paralisado com um chefe da Casa Civil que tinha de se explicar permanentemente. Dirceu resistiu. Voltou a falar em "confissão de culpa". Presente, José Genoino lhe deu apoio. O presidente cedeu: "Vamos esperar um pouco mais".

Jefferson socorreria Lula em breve. Na terça, dia 14 de junho, no Conselho de Ética, o presidente do PTB disse: "Zé Dirceu, se você não sair daí rápido, vai fazer réu um homem bom, o presidente Lula". Recado entendido, Lula reuniu de emergência 16 ministros no dia seguinte. Avaliação unânime: repercussão péssima do depoimento de Jefferson, mas Lula havia sido preservado.

Naquela tarde, Lula conversou com Dirceu. "Não dá mais." O chefe da Casa Civil negociou a saída para a manhã seguinte. Impediu Palocci de assumir a Casa Civil. Bancou Dilma, então ministra das Minas e Energia. Isso explica a atenção que a presidente eleita dispensa a ele nos bastidores.

CONTRA O RELÓGIO

A queda de Palocci foi um golpe mais duro para Lula. Tempos depois, o presidente a enxergaria como positiva. Pôde afrouxar o rigor fiscal e monetário com menor resistência interna.

Grato pelo arrocho do primeiro governo, o que julga um dos fundamentos do sucesso de seus oito anos, Lula tirou Palocci do purgatório e o indicou para a Casa Civil de Dilma. Não foi a primeira vez que o ajudou.

Na tarde de 16 de março de 2006, no Palácio do Planalto, Palocci contou ao presidente da Caixa, Jorge Mattoso, que soubera que o caseiro Francenildo Costa havia recebido muito dinheiro. O caseiro dissera ter visto Palocci numa casa frequentada por lobistas em Brasília.

Palocci pediu para Mattoso averiguar a movimentação financeira do caseiro na conta da Caixa. De noite, Mattoso foi à casa do ministro e lhe deu o extrato.

No dia seguinte, sexta, o assessor de imprensa de Palocci, Marcelo Netto, passou o documento para "Época", que o publicou no blog da revista. Mas a versão do caseiro se sustentou: dinheiro do pai que hesitava em reconhecê-lo como filho. Começava a ruína de Palocci.

Nos dias seguintes, em reuniões com colegas, Palocci negava ter dado a ordem de violação. Mas o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, tinha informações em sentido contrário. Para a Polícia Federal, Palocci era culpado. Dois assessores de Thomaz Bastos, que estiveram com Palocci na noite de 16 de março, convidados para uma reunião fora da agenda, responsabilizavam Palocci. Mattoso foi explícito numa conversa com um auxiliar de Lula. Disse que Palocci fora o mandante.

Ciente disso, Lula chamou Palocci e Thomaz Bastos para beber um uísque 12 anos no gabinete presidencial no final da tarde de 23 de março. Nessa conversa, Palocci admitiu ter pedido a Mattoso que levantasse informações sobre a movimentação financeira do caseiro, mas criticava a forma como o presidente da Caixa a efetuara e como o seu assessor de imprensa a divulgara. Palocci disse que não era para a ação ter sido feita daquele jeito.

"Palocci, sabe qual foi o teu erro? Foi ter mentido", disse Lula. Para o presidente, se tivesse admitido que fora à casa, o testemunho do caseiro cairia no vazio.

Francenildo simplesmente jurava que vira Palocci na casa em que lobistas de Ribeirão Preto (SP), amigos do ministro, faziam festas com garotas de programa.

"A questão é a seguinte. Se até segunda essa coisa não tiver sido resolvida com o Mattoso, você vai ter de pedir demissão", advertiu Lula. "Tá bom", respondeu Palocci.

Nos próximos dias, o ministro da Fazenda tentou convencer Mattoso e Marcelo Netto a assumir a culpa pela violação e divulgação. Eles não aceitaram.

Na segunda 27, Thomaz Bastos deu a Lula informações do diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda. Em depoimento à PF, Mattoso admitira ter dado a ordem interna na Caixa para quebrar o sigilo e imprimir um extrato. Contou que entregou o documento nas mãos de Palocci. Não disse que recebera ordem do ministro, mas não o inocentou, como queria Lula.

Na hora, o presidente telefonou para Palocci. Disse que ele teria de pedir demissão. O ministro tentou afastamento temporário. Lula refutou. Já escolhera o substituto: Guido Mantega, presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Publicamente, Palocci sempre negou ter ordenado a violação e a divulgação do sigilo. Alega ter triturado o extrato em 17 de março de 2006 sem tê-lo visto. Netto sempre negou a divulgação.

Numa votação apertada em 27 de março de 2009, o Supremo Tribunal Federal rejeitou, por falta de provas, a denúncia do Ministério Público contra Palocci e Netto. O STF decidiu que Mattoso responderia a processo criminal na primeira instância.