O BAMBU É UM DESAFIO PARA A CONSERVAÇÃO E O MANEJO DE FLORESTAS NO SUDOESTE DA AMAZÔNIA
Primeira parte
Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano
No sudoeste da Amazônia
ocorrem extensas áreas de florestas nativas com o subosque (interior da mata)
dominado por algumas espécies de bambu do gênero Guadua (Figura 1). Localmente
conhecidas como "tabocais" no Brasil e "pacales" no Peru,
essas florestas ocupam uma área estimada em 161.500 km2 (1) (Figura 2) no sudoeste da Amazônia
brasileira, nos estados do Acre e Amazonas, norte da Amazônia boliviana, no
Departamento de Pando, e quase toda a Amazônia central do Peru, nos
Departamentos de Madre de Dios e Ucayali. Estima-se que 59% da cobertura
vegetal do Acre é composta por florestas primárias nas quais o bambu se
apresenta como elemento principal ou secundário do subosque (2; 3).
O gênero Guadua está amplamente distribuído nas
Américas e caracteriza-se pelo hábito arborescente, porte mediano a grande,
colmos e ramos com espinhos recurvados que auxiliam a sua fixação em outras
plantas (4). Assim como outros bambus, Guadua possui florescimento monocárpico, ou
seja, cada população individual apresenta um único evento com floração e
frutificação maciças e sincrônicas (5; 6) seguidas de mortalidade de toda a
população. A longevidade das populações de Guadua no sudoeste da Amazônia é estimada
entre 27 e 28 anos (1). A sincronia na floração, frutificação e morte do bambu
acontece por que ele é uma planta clonal, suportada por uma extensa teia
rizomatosa subterrânea. Estudo recente estimou que o tamanho médio das
populações de bambu no sudoeste da Amazônia é de 330 km2, mas em uma
delas a extensão ocupada era de 2.750 km2 (1).
As espécies de bambu mais
frequentes nos tabocais do sudoeste da Amazônia são Guadua sarcocarpa Londoño & P. M. Peterson e G. weberbaueri Pilg. Ambas são lenhosas de hábito
arborescente, sarmentosas e podem atingir até 20 m de altura e 10 cm diâmetro
(4). Embora eretos no início de seu crescimento, os colmos adultos dessas
espécies se apoiam em outras árvores para atingir o dossel da floresta. Nesse
processo as copas das árvores de pequeno e médio porte (DAP > 30 cm) nas quais os colmos se apoiam
são danificadas (7). A grande concentração de colmos que se estabelece nas
áreas mais propícias para a espécie exerce uma carga de peso excessiva sobre as
árvores apoio, que, em algumas situações, terminam por cair. Sem sustentação,
os colmos maiores inclinam-se ou quebram-se e caem sobre as plantas menores do
subosque florestal abrindo uma clareira e formando uma massa que bloqueia a
passagem da luz e suprime fisicamente o recrutamento de outras árvores. As
clareiras abertas são rapidamente ocupadas por novos colmos de bambu (8) e esse
ciclo quase perpétuo de distúrbios no dossel florestal é uma das estratégias
que os bambus do sudoeste da Amazônia usam para manter, de forma perene, a
ocupação de extensas áreas florestais na região (7).
De uma maneira geral,
florestas dominadas por bambus apresentam-se estruturalmente alteradas,
especialmente nos estratos intermediários e no dossel. Possuem menor riqueza
florística e densidade de árvores, e a redução da área basal arbórea total
varia entre 30 e 50% (8-11). A presença do bambu também reduz entre 29 e 39% a
biomassa aérea da floresta (12; 13) e entre 30-50% o potencial de armazenamento
de carbono (2). Ele pode afetar ainda o influxo de outras espécies arbóreas,
enfraquecer a habilidade competitiva das espécies com baixa capacidade de
adaptação quando o ambiente passa a ser dominado pelo bambu, alterar a
composição florística, reduzir em quase 40% o número de espécies na amostra de
um hectare, e causar uma redução na diversidade a ponto de a mesma ser
considerada uma das mais baixas da Amazônia (2; 14).
A
exploração madeireira e o risco da invasão do bambu
Mesmo restritas ao sudoeste da Amazônia, as florestas com bambu são relevantes biologicamente em razão de sua ampla ocorrência na referida região. Apesar disso, a insuficiência de estudos científicos para compreender a dinâmica dessas florestas pode comprometer os esforços locais de exploração florestal sustentável. E o caso da exploração madeireira é o mais emblemático porque esta atividade é praticada de forma seletiva e a retirada das árvores deixa como legado imediato centenas de clareiras no dossel da floresta. Essas clareiras, com abundante espaço físico e luminosidade, são extremamente favoráveis ao desenvolvimento do bambu, que tem ampliada as condições para se expandir em áreas onde antes não existia. É preciso, portanto, descobrir as condições que favorecem o aparecimento do bambu, sua velocidade de crescimento e o tempo que leva para dominar uma determinada área florestal. Para o Acre, a resposta a essas questões é muito importante e urgente porque é nas regiões central e leste do estado, onde se concentram as florestas com bambu, que a exploração madeireira é mais intensa.
Estudos recentes mostram que
a exploração manejada de madeira em florestas com bambu é mais complexa (15;
16) e limitada pelo fato de elas apresentarem menor área basal e densidade de
árvores, resultando quase sempre em um menor volume de madeira explorado. Uma
das sugestões para garantir a exploração sustentável nessas florestas envolve a
combinação de ciclos curtos de cortes, baixa intensidade de exploração e
rotação das espécies a serem exploradas em cada ciclo (17).
Uma avaliação do manejo de
madeira em floresta com bambu no leste do Acre demonstrou que o volume de
madeira remanescente após a primeira exploração se reduziu em 2/3, indicando
que, no longo prazo, o manejo das espécies comerciais fica comprometido pela
pouca quantidade de árvores passíveis de exploração futura. Isso levou os
autores do estudo a duvidar se a exploração de madeira em florestas com bambu
pode ser sustentável, especialmente nos casos que envolvem grupos de pequenos proprietários
que realizam a exploração de forma comunitária (15). Para eles, a melhor
alternativa de manejo seria restringir a retirada das árvores ao período
imediatamente posterior aos eventos de mortalidade natural das populações de
bambu, preferencialmente durante a estação seca que se segue a esses eventos
(17), quando as plântulas da espécie ainda estão muito vulneráveis e o sistema
de rizoma ainda não está completamente desenvolvido (18).
Existe uma incerteza e
preocupação sobre o que acontecerá com as florestas do sudoeste da Amazônia
após a exploração seletiva de milhares de árvores. Sabe-se que as florestas
dominadas por bambu são floristicamente muito heterogêneas (15) e isso torna
difícil prever se as áreas exploradas seguirão seu curso natural de regeneração
ou se o bambu, com sua agressividade exagerada, e ajuda humana via abertura de
clareiras, irá promover mudanças estruturais e biológicas de resultados
imprevisíveis. Pode parecer exagerado, mas no contexto atual de desconhecimento
científico e da intensa atividade de exploração florestal, existe a
possibilidade de grandes extensões florestais da Amazônia sul-ocidental se
transformarem em tabocais.
[Artigo continua...]
Nota: Os números entre
parênteses referem-se às referência bibliográficas consultadas, disponíveis na
íntegra do artigo, publicado na revista Ciência e Cultura, Vol. 66, p. 46-51,
jul.-set. de 2014.
*Engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA-AC e do Parque Zoobotânico da UFAC.
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