QUE EFEITOS SECAS SEVERAS E FREQUENTES CAUSARÃO ÀS NOSSAS FLORESTAS?
Evandro
Ferreira
Blog Ambiente Acreano
Os verões
amazônicos (estiagem) serão alongados e os períodos de precipitação mais
curtos, mas mesmo assim estaremos sujeitos a chuvas mais intensas em razão da
maior evaporação de água dos oceanos. Estes eventos, combinados com o
desmatamento persistente na região, causarão mortes maciças de árvores,
incêndios florestais e transformarão a região em emissora de carbono para a
atmosfera.
Quem vive no
Acre, no entanto, tem a nítida impressão de que as previsões desses cientistas
estão atrasadas, pois quase todos os anos desde 2005 a região leste do Estado
tem experimentado eventos desse tipo. Secas severas ocorreram em 2005, 2010 e
2016. A cidade de Rio Branco declarou situação de emergência por inundações
durante sete anos consecutivos (2009- 2015) e a cheia ocorrida em 2015 foi a
maior da história.
Mas para os
acreanos, que vivem em um estado no qual mais de 80% de seu território ainda é
recoberto por floresta nativa, uma pergunta inquietante precisa ser respondida:
- O que acontecerá com nossas
florestas se os eventos de secas se intensificarem nos próximos anos?
Alguns
pesquisadores (Salazar et al. 2007) fizeram simulações utilizando dentre outras
variáveis a temperatura e umidade do ar, precipitação, água no solo, duração
dos períodos de seca e de chuvas, e chegaram à conclusão de que o aumento da
temperatura global poderá transformar, até o ano de 2100, uma ampla área
localizada nas extremidades leste e sul da Amazônia em uma região
climaticamente imprópria para a existência de florestas.
Segundo essa
previsão as grandes árvores que dominam as florestas dessa região não
sobreviverão às secas mais prolongadas e de forma paulatina a floresta existente
na atualidade será substituída por uma vegetação muito parecida com as “savanas”
(similares ao Cerrado do Brasil Central). Dependendo da intensidade das
mudanças provocadas pelo aquecimento global, estima-se que entre 30 e 60% das
áreas florestais da Amazônia se transformarão em savanas.
Outros
estudos (Huntingford et al. 2013) sugerem uma situação bem diferente. O excesso
de calor gerado pelo aquecimento global e o aumento de CO2 na atmosfera poderão
estimular o crescimento mais vigoroso das árvores no período favorável (chuvas),
aumentando consideravelmente o sequestro de CO2, compensando os prejuízos decorrentes
do prolongamento dos períodos secos.
A
comprovação das teorias citadas acima só se dará com o passar do tempo, mas as
secas históricas ocorridas na Amazônia em 2005 e 2010 se encarregaram de
fornecer algumas respostas.
Durante as
secas de 2005 e 2010 foi verificada uma grande mortalidade de árvores e
incêndios que atingiram mais de 85 mil quilômetros quadrados de florestas
primárias na região. Outro dado importante foi a constatação de que na seca de
2010 as florestas da Amazônia emitiram entre 1 e 2% do carbono que normalmente estocam
(Duffy et al. 2015). Foi uma situação excepcional visto que nossas florestas normalmente
retiram CO2 da atmosfera e estocam o carbono na medida em que suas árvores
crescem. Em outras palavras: nossas florestas passaram da condição de prestadoras
de serviços ambientais para ‘poluidoras’ da atmosfera via liberação de C.
Em 2016 estamos vivendo uma nova seca severa e os curtos intervalos
entre as últimas secas podem estar contribuindo para a degradação em larga
escala de nossas florestas. Na seca de 2005 cerca de 30%
delas foram afetadas direta e indiretamente e em 2010 foram quase 50%. Como a recuperação
das árvores de grande porte é lenta (Saatchi et al. 2013), os curtos intervalos
entre as secas tem sido insuficiente para a completa recuperação das mesmas.
Isso poderá resultar em alteração permanente do dossel florestal e contribuir
para tornar nossas florestas mais secas e inflamáveis.
O Acre, localizado no limite sul do bioma amazônico,
apresenta condições climáticas com períodos secos muito pronunciados e a
ocorrência de secas severas em intervalos curtos poderá transformar substancialmente nossas
florestas (mesmo aquelas não exploradas). Um dos principais efeitos será a
diminuição da riqueza de espécies arbóreas de grande porte cuja ocorrência depende
de chuvas abundantes e bem distribuídas. Sem isso, a maioria delas desaparecerá
gradualmente de nossas florestas.
Outra
desvantagem é o fato de nossas florestas crescerem sobre solos predominantemente
argilosos, uma combinação que em períodos de secas provoca a diminuição da
produtividade primária e compromete a manutenção das funções ecossistêmicas das
florestas. A exploração incessante de recursos florestais (madeira, por
exemplo) quando as condições climáticas são desfavoráveis e sujeitam as
florestas a um elevado stress ambiental tende a potencializar sua degradação e concorre
para impedir a recuperação pós-exploratória. Alguns pesquisadores acreditam que
a recorrência desses eventos desfavoráveis poderá se constituir no ponto de
partida da transformação de nossas florestas em savanas.
Em 2016
estamos vivendo uma seca severa que tem submetido nossas florestas a um elevado
stress hídrico e alto risco de serem afetadas por incêndios florestais. O bom senso
e os dados científicos indicam que nestas condições a prudência ambiental
deveria prevalecer sobre a ganância econômica. De outra forma, a
sustentabilidade da exploração futura dessas florestas poderá ser comprometida.
Não seria o caso de nossas autoridades ambientais acordarem junto com os
produtores uma moratória temporária da exploração florestal nas regiões
afetadas pela seca?
Para saber
mais:
- Duffy e outros, 2015. “Projections of
future meteorological drought and wet periods in the Amazon”. PNAS, 112(43): 13172-13177.
- Huntingford e outros, 2013. “Simulated
resilience of tropical rainforests to CO2-induced climate change”. Nature Geoscience, 6: 268–273.
- Saatchi e outros, 2013. “Persistent
effects of a severe drought on Amazonian forest canopy”. PNAS, 110(2): 565-570.
- Salazar e outros, 2007. “Climate change
consequences on the biome distribution in tropical South America, Geophys. Res. Lett., 34: L09708.
Crédito da foto: Irwing Foster Brown, 24/09/2005, rodovia BR-317 entre as cidades de Capixaba e Epitaciolândia.
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