FONTES DE FUMAÇA E A NAVALHA DE OCKHAM*
Foster Brown** e Sonaira
Silva***
Estes
dias estamos no meio de um evento extremo climático – uma seca severa – que
produz condições propícias para queimadas e consequentemente fumaça. Como
exemplo, nos dias 23 e 24 de agosto deste ano a cidade de Rio Branco estava
coberta com fumaça. Se continuar a seca como aconteceu nos anos 2005 e 2010,
podemos ter outros dias assim, portanto vale a pena analisar um pouco de onde
vem a fumaça e isto envolve entrar no processo científico ena aplicação da
Navalha de Ockham.
A
ciência, ao contrário da matemática, não prova nada, mas junta evidências a
favor ou contra explicações de como a natureza funciona. Estas explicações
mudam com tempo quando novas observações e teorias aparecem. No caso da fumaça,
podemos aplicar a lei de conservação de massa, poeticamente colocada na frase
atribuída ao cientista francês Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada se
perde, tudo se transforma”. Mas Einstein indicou que esta lei é simplesmente
uma aproximação do que já havia mostrado, que massa pode ser perdida e
transformada em energia, como acontece no Sol. Mesmo assim, a lei é uma boa
aproximação para compreendermos as fontes de fumaça.
No
caso da fumaça em Rio Branco, a lei de conservação de massa implica que a
fumaça pode vir de três fontes:(1) queimadas dentro da cidade; (2) queimadas
fora da cidade mas dentro do estado do Acre; e (3) queimadas fora do estado do
Acre.
No
primeiro caso, esperamos fuligem e uma variação de concentração da fumaça na
cidade. Se o vizinho queima no quintal dele, a fumaça seria densa, mas ela vai
reduzir com a distância. No caso (2) as concentrações de fumaça seriam mais
uniformes na cidade e com pouca fuligem. No caso (3), notamos em 2004 que
ventos fortes associados à frentes frias podem trazer fumaça de longe, por
exemplo, de queimadas em Beni e Santa Cruz na Bolívia,e afetar a qualidade do
ar em Rio Branco. Ventos fortes do norte e nordeste podem trazer fumaça do
Amazonas ou Rondônia.
As
três fontes de fumaça contribuem para piorar a qualidade do ar em Rio Branco,
mas qual é a maior fonte?A resposta depende das evidências e teorias
disponíveis e muda com tempo. Se tiver muita fuligem, ela indica que as fontes
estão bem próximas,na cidade.
No
caso de fumaça uniforme, a determinação é mais complicada numa seca
generalizada como aconteceu em 2005, 2010 e agora, em 2016. Quando se queima
fora do estado do Acre, estamos também queimando dentro do estado, dificultando
a distinção entre as duas fontes.
Podemos
usar uma heurística de filosofia, ou seja, um guia para encontrar explicações,
chamado a Navalha de Ockham. Na verdade foi um frei chamado Guilherme que
nasceu em Ockham. Ele propôs a ideia no século 14,de não complicar explicações
mais do que o necessário. No caso de fumaça, isto gera uma série de possíveis
explicações para testar, que vão das mais simples às mais complexas.
A mais
simples explicação para fumaça seria que alguém na vizinhança está queimando
algo, mas podemos rejeitar esta ideia se não tiver fuligem e se a fumaça não
for uniforme por centenas de metros ou quilômetros.
A
segunda explicação seria que a fonte está fora da cidade, mas dentro do estado
do Acre. Para ter uma avaliação mais confiável podemos analisar os focos de
calor de satélites e talvez tenhamos imagens de satélite ou relatos de
indivíduos que indicam movimentos de nuvens de fumaça.
Se não
encontrar estas evidências, é a hora de testar a explicação de que a fumaça vem
fora do estado. Para a fumaça chegar de longe, precisa de duas condições:
muitas queimadas gerando fumaça e ventos fortes e consistentes destas queimadas
até Rio Branco.
No
caso dos dias 23 e 24 de agosto em Rio Branco, a fumaça foi quase uniforme na
cidade, sugerindo que a fonte não foi dentro de Rio Branco. Imagens do satélite
Aqua nas tardes de dias 22 e 23 de
agosto mostraram fumaça oriunda de queimadas perto de Capixaba e Senador
Guiomard. As nuvens de fumaça nas imagens estavam movendo-se no sentido sudeste
para noroeste, sugerindo que para as manhãs de 23 e 24 de agosto, estas
queimadas foram as fontes principais da fumaça em Rio Branco. Nestas imagens
não foi observada fumaça densa atravessando a fronteira com a Bolívia ou com o
estado do Amazonas.
A
fumaça causa sérios problemas a saúde humana e afeta o funcionamento dos
ecossistemas. A origem da fumaça é importante, entretanto mais importante é
entender que ainda estamos no início de setembro, mês tipicamente com maior
registro de queimadas e incêndios florestais no Acre.
Em
2005 e 2010, cerca de metade dos focos de calor do ano inteiro aconteceram em
setembro. Nestes anos, mais de 300.000 e 100.000 hectares de floresta queimaram
no Acre, respectivamente, gerando muito fumaça. Em 2005 o primeiro autor notou
durante sobrevoos, grandes áreas de florestas queimando, produzindo densas
nuvens de fumaça.
A
Navalha do Ockham não é infalível, mas serve para priorizar a busca de explicações.
Este setembro foi um pouco como os de 2005 e 2010 e tivemos outros eventos de
fumaça na cidade, porém com menor intensidade.
As
secas severas não causam, somente propiciam a geração de fumaça. Somos nós,
seres humanos, que decidimos usar fogo e gerar fumaça na Amazônia. Esperamos
que em secas futuras possamos escolher ter ar limpo dentro e fora do estado do
Acre.
*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 03/11/2016;
**Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais
***Sonaira Souza da Silva, Professora da UFAC e
Doutoranda em Ciências de Florestas Topicais do Instituto Nacional de Pesquisa
da Amazônia.**Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais
Foto: Sonaira Silva
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home