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18 dezembro 2016

DOMESTICAÇÃO DO MILHO: FOI NO MÉXICO, FAZ 5 MIL ANOS

Fernando Reinach *
O Estado de S. Paulo, 10/12/2016

Não se iluda, as bases tecnológicas de nossa civilização não surgiram em renomadas universidades ou em empresas do Vale do Silício. Elas surgiram muito antes, quando o homem desenvolveu a tecnologia que o liberou da busca contínua por alimento, atividade que toma o dia todo das comunidades caçadoras e coletoras. Nesse aspecto, não éramos muito diferentes de uma vaca, que passa o dia todo pastando, e não tem tempo para escrever um romance. Foi no tempo liberado pela agricultura que o cérebro humano pode dedicar-se ao desenvolvimento das artes e da ciência.

A domesticação de espécies de vegetais é uma dessas tecnologias. Ela foi tão importante que hoje, das 50 mil espécies de plantas comestíveis que existem no planeta, somente 15 respondem por 90% de nosso alimento. Pior, três delas, o milho, o arroz e o trigo, respondem por 66% de todo o alimento que consumimos. O milho é talvez o mais importante, pois não só é consumido diretamente, mas é comida de frango. Frango é milho com penas. O mundo produz hoje 900 bilhões de quilos de milho por ano, o equivalente a 10 quilos por habitante por mês.

E você, tão viajado, provavelmente nunca passou perto do local onde o ser humano domesticou o milho. Foi no Vale do Tehuacán, um local perdido no centro do México. Esse desenvolvimento tecnológico começou por volta de 9 mil anos atrás e tomou o esforço de nossos antepassados durante milhares de anos. Nesse período, eles transformaram o teosinto no milho, duas subespécies da mesma planta tão diferentes entre si quanto um chihuahua de um dog alemão.

Na década de 1960, um cientista chamado Richard MacNeish escavou o solo de uma caverna chamada San Marcos, no vale do Tehuacán. Essa caverna era habitada pelos domesticadores do milho. Em diversas camadas dos detritos, depositados por gerações desses cientistas intuitivos, ele descobriu sementes de vegetais que já não eram teosinto, mas ainda não eram milho. Passos intermediários do processo de domesticação.

Nos últimos anos, com o sequenciamento do genoma do teosinto e do milho, os cientistas descobriram os genes que foram alterados durante o processo de domesticação no vale do Tehuacán. Agora foi sequenciado o genoma das sementes que foram encontradas na caverna de San Marcos, que datam de aproximadamente 5.200 anos atrás, quando o processo de domesticação ainda estava em andamento.

Nesses exemplares foi encontrado o gene que deixa a planta ereta, permite o plantio em linhas e facilita a colheita. Também foram encontradas as versões modernas do gene que aumenta o tamanho dos grãos e deixa o milho mais doce. Mas ainda estavam ausentes o gene que deixa a casca do grão mais fina, o que facilita a digestão, e um outro gene que inibe a queda dos grãos maduros da espiga, que é essencial para que possamos colher os grãos ainda na espiga. Essa planta, de 5 mil anos atrás, já não era um teosinto, onde os galhos se espalham e ramificam, os grãos são poucos, pequenos, duros e caem fácil da espiga. Mas também não era o milho moderno com centenas de grãos por espiga, todos grandes, com casca fina, doces e que não se soltam facilmente.

Se você for ao México, não deixe de visitar Tehuacán, e passeando por lá imagine esses geneticistas intuitivos selecionando variedades de milho, que 5 mil anos depois, iriam alimentar a humanidade. O impacto desse desenvolvimento tecnológico deixa no pó a eletricidade, os celulares e as redes sociais.


*Biólogo, colunista de O Estado de S. Paulo.