DOMESTICAÇÃO DO MILHO: FOI NO MÉXICO, FAZ 5 MIL ANOS
Fernando
Reinach *
O Estado
de S. Paulo, 10/12/2016
Não se
iluda, as bases tecnológicas de nossa civilização não surgiram em renomadas
universidades ou em empresas do Vale do Silício. Elas surgiram muito antes,
quando o homem desenvolveu a tecnologia que o liberou da busca contínua por
alimento, atividade que toma o dia todo das comunidades caçadoras e coletoras.
Nesse aspecto, não éramos muito diferentes de uma vaca, que passa o dia todo
pastando, e não tem tempo para escrever um romance. Foi no tempo liberado pela
agricultura que o cérebro humano pode dedicar-se ao desenvolvimento das artes e
da ciência.
A
domesticação de espécies de vegetais é uma dessas tecnologias. Ela foi tão
importante que hoje, das 50 mil espécies de plantas comestíveis que existem no
planeta, somente 15 respondem por 90% de nosso alimento. Pior, três delas, o
milho, o arroz e o trigo, respondem por 66% de todo o alimento que consumimos.
O milho é talvez o mais importante, pois não só é consumido diretamente, mas é
comida de frango. Frango é milho com penas. O mundo produz hoje 900 bilhões de
quilos de milho por ano, o equivalente a 10 quilos por habitante por mês.
E você,
tão viajado, provavelmente nunca passou perto do local onde o ser humano
domesticou o milho. Foi no Vale do Tehuacán, um local perdido no centro do
México. Esse desenvolvimento tecnológico começou por volta de 9 mil anos atrás
e tomou o esforço de nossos antepassados durante milhares de anos. Nesse
período, eles transformaram o teosinto no milho, duas subespécies da mesma
planta tão diferentes entre si quanto um chihuahua de um dog alemão.
Na década
de 1960, um cientista chamado Richard MacNeish escavou o solo de uma caverna
chamada San Marcos, no vale do Tehuacán. Essa caverna era habitada pelos
domesticadores do milho. Em diversas camadas dos detritos, depositados por
gerações desses cientistas intuitivos, ele descobriu sementes de vegetais que
já não eram teosinto, mas ainda não eram milho. Passos intermediários do
processo de domesticação.
Nos
últimos anos, com o sequenciamento do genoma do teosinto e do milho, os
cientistas descobriram os genes que foram alterados durante o processo de
domesticação no vale do Tehuacán. Agora foi sequenciado o genoma das sementes
que foram encontradas na caverna de San Marcos, que datam de aproximadamente
5.200 anos atrás, quando o processo de domesticação ainda estava em andamento.
Nesses
exemplares foi encontrado o gene que deixa a planta ereta, permite o plantio em
linhas e facilita a colheita. Também foram encontradas as versões modernas do
gene que aumenta o tamanho dos grãos e deixa o milho mais doce. Mas ainda
estavam ausentes o gene que deixa a casca do grão mais fina, o que facilita a
digestão, e um outro gene que inibe a queda dos grãos maduros da espiga, que é
essencial para que possamos colher os grãos ainda na espiga. Essa planta, de 5
mil anos atrás, já não era um teosinto, onde os galhos se espalham e ramificam,
os grãos são poucos, pequenos, duros e caem fácil da espiga. Mas também não era
o milho moderno com centenas de grãos por espiga, todos grandes, com casca
fina, doces e que não se soltam facilmente.
Se você
for ao México, não deixe de visitar Tehuacán, e passeando por lá imagine esses
geneticistas intuitivos selecionando variedades de milho, que 5 mil anos
depois, iriam alimentar a humanidade. O impacto desse desenvolvimento
tecnológico deixa no pó a eletricidade, os celulares e as redes sociais.
*Biólogo,
colunista de O Estado de S. Paulo.
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