FLEXIBILIZAÇÃO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL OPÕE MEIO AMBIENTE E CASA CIVIL
Diante de projeto apoiado pela Casa Civil, o ministro Sarney Filho enviou uma carta a Eliseu Padilha pedindo que a
Presidência se empenhe para que a proposta, que dispensa de licenciamento
ambiental várias atividades, entre elas a agropastorial, e simplifica o
processo para empreendimentos, não seja votada
Giovana Girardi e André Borges /Estado
de S. Paulo/13-12-2016
Na véspera de votação de um
projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental no País, e que tinha recebido
o aval da Casa Civil, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, enviou nesta
terça-feira (13) uma carta a Eliseu Padilha cobrando que o titular da pasta
impeça a votação.
A mensagem de 20 páginas coloca
os dois ministros em lados apostos. Sarney Filho lembra que desde que assumiu o
Ambiente vinha trabalhando na elaboração de um texto de uma futura Lei Geral do
Licenciamento Ambiental com vistas a “simplificar processos, sem descuidar da
atenção à proteção ambiental”.
Aponta que a proposta passou por
discussões com 13 ministérios e que deveria ser apresentada ao Congresso como
um projeto do governo. Que apesar de ainda ter “alguns dissensos em relação ao
conteúdo”, “a maior parte dos tópicos parecia ser consenso até semana passada”.
Diante desse trabalho, ele
questiona que um substitutivo proposto pelo deputado Mauro Pereira (PMDB/RS)
fosse colocado como primeiro item de urgência para ser votado nesta
quarta-feira (14) na Comissão de Finanças e Tributação, com apoio da Casa
Civil, o que vem soando em Brasília como uma traição.
“Ocorre que esse texto tem uma série
de problemas alguns deles bastante graves. Os ajustes pontuais indicados pela
Casa Civil com base nas discussões ocorridas no Executivo não sanam esses
problemas”, escreve Sarney Filho.
“Em face do exposto, solicitamos
o máximo empenho da Presidência da República para impedir a votação do referido
texto”, conclui, antes de listar, ao longo das 19 páginas seguintes da carta os
problemas do substitutivo. Procurada pela reportagem, até o momento a Casa
Civil não se manifestou.
Sarney Filho também não quis
falar com a imprensa. Depois que a carta vazou, informou, apenas por meio de
nota, que “vê com preocupação a possível aprovação desse substitutivo que, além
de propiciar a guerra ambiental entre os estados, geraria insegurança jurídica
e a judicialização do processo de licenciamento ambiental, o que comprometeria
seriamente a produção e a economia do País”.
“Há uma proposta para a Lei Geral
do Licenciamento Ambiental do Poder Executivo, hoje na Casa Civil, que resulta
de um profundo debate entre todos os setores da sociedade. Assim, pedimos a
retirada de pauta do PL nº 3.729/2004 e convidamos seus defensores a participar
desse amplo processo de discussão, para superarmos os dissensos pontuais que
ainda restam, apresentando ao Congresso uma proposta sólida e pactuada”,
finalizou a nota.
Barganha política. Sarney bate de
frente com o segundo homem forte do governo em meio à turbulência política das
delações vazadas da operação Lava Jato e da tentativa da gestão Temer de
aprovar de todo jeito a PEC do Teto e a reforma da Previdência no Congresso. A
questão do licenciamento é particularmente sensível para a bancada ruralista,
que já tinha pedido a cabeça de Sarney, e a deputados ligados a setores da
indústria.
O substitutivo de Pereira atende
a esses interesses. Ele dispensa, por exemplo, o licenciamento para atividades
agropecuárias e de florestas plantadas. Para ter apoio da Frente Parlamentar da
Agropecuária aos projetos do governo, a Casa Civil liberou na última
sexta-feira (9) os deputados da base governista a votarem sobre a proposta.
Até então o governo vinha atuando
para impedir a votação, a fim de aguardar justamente a apresentação do que
seria um projeto do próprio governo sobre o tema.
Em linhas gerais, o substitutivo
de Pereira estabelece a dispensa e a simplificação do licenciamento. Em alguns
casos, basta a empresas preencher um formulário na internet, como ocorre na
Bahia com o modelo de “adesão e compromisso”, o que é questionado pelo
Ministério Público.
O texto delega aos Estados e
municípios a definição de quais empreendimentos estarão sujeitos ao
licenciamento ambiental, segundo natureza, porte e potencial poluidor. E
restringe manifestações de órgãos interessados no licenciamento, como ligados
às unidades de conservação (ICMBio), indígenas (Funai) e quilombolas (Fundação
Cultural Palmares).
Processo. O trabalho desenvolvido
pelo MMA vinha ocorrendo desde o início da gestão Temer. Quando Sarney Filho
assumiu o ministério, ele elegeu a criação de uma lei geral de licenciamento
como sua prioridade.
O esforço corria em paralelo a
uma série de iniciativas por parte do Legislativo que, desde o final do ano
passado, vinha apresentando projetos de lei ou propostas de emenda
constitucional para simplificar o licenciamento – em alguns deles a ponto de
praticamente eliminar a necessidade de empreendimentos cumprirem o rito.
Bastaria uma autodeclaração e pronto.
O que vinha andando mais
rapidamente era o Projeto de Lei 3.729/2004, de autoria de Luciano Zica
(PT/SP), e os muitos substitutivos apinhados neles. Um deles, do deputado
Ricardo Trípoli (PSDB/SP), hoje líder da Frente Parlamentar Ambientalista,
apresentado ainda no ano passado, servia de base para a proposta do MMA.
Em setembro deste ano, porém,
quando as consultas da proposta já estavam caminhando, Pereira apresentou o
substitutivo, que foi largamente criticado por ambientalistas e o Ministério
Público. Nesta segunda-feira (12), ele acrescentou novas flexibilizações – como
isenção do licenciamento para obras em rodovias federais já implantadas, além
de dragagens e outras ações em hidrovias e portos – e apresentou um novo
substitutivo. É esse que está previsto para ir à votação amanhã.
Falta de respeito. O deputado
gaúcho Mauro Pereira, relator do projeto que deve ir à votação, reagiu com
indignação em relação à iniciativa de Sarney Filho de recorrer à Casa Civil
para tentar retirar o projeto de pauta. “Me surpreendeu essa carta. Isso é
resultado de uma falha técnica do ministro Sarney, que está indo atrás de ‘disse
que disse’. Na minha opinião, é uma falta de respeito dele com todos os
envolvidos nesse projeto”, disse Pereira.
Segundo o parlamentar, o projeto
de sua relatoria tramita na Câmara há 12 anos e é resultado de outros 21
projetos que foram apensados à proposta original. “A proposta já foi aprovada,
inclusive, pela Comissão de Meio Ambiente da Casa, quando ele (Sarney Filho)
era deputado”, disse Pereira. “A moral da história é que há falta de
conhecimento e análise do projeto que vai para votação. Estamos seguindo as
leis ambientais, tudo o que existe. Não é verdade que o projeto flexibiliza as
regras.”
Se passar pela Comissão de
Finanças e Tributação, o texto deverá seguir para a Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania e, depois, para o plenário da Câmara. Após essas etapas,
vai para o Senado. Procurado pela reportagem, o ministro Sarney Filho não quis
se manifestar.
Críticas. Quando veio à tona na
segunda que o substitutivo seria votado nesta quarta, entidades ambientalistas
e o Ministério Público rapidamente se manifestaram contra, como divulgado neste
blog.
Em nota intitulada “O futuro é de
todos”, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público do Ambiente
(Abrampa) pediu que o texto não fosse votado. “O futuro da saúde e da qualidade
de vida das presentes e futuras gerações estará seriamente ameaçado se esse
instrumento (o licenciamento) for transformado em uma singela etapa burocrática
de empreendimentos e se atividades econômicas que alteram o uso do solo,
aplicam agrotóxicos indiscriminadamente e suprimem relevantes biomas estiverem
isentas de seu controle”, escreveu Luís Fernando Cabral Barreto Junior,
promotor do Maranhão e presidente da Abrampa.
“Suas disposições são graves e
preocupantes. Visam disciplinar por completo o licenciamento ambiental,
revogando as Resoluções 01/86 e 237/97 do Conama, bem como normas estaduais.
Traz um verdadeiro retrocesso do ponto de vista da proteção do meio ambiente”,
alertaram os promotores Ivan Carneiro Castanheiro e Alexandra Facciolli Martins
do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério
Público de São Paulo, em artigo no site Consultor Jurídico.
A Fundação SOS Mata Atlântica
divulgou uma nota pública questionando ponto a ponto do projeto. Uma das
críticas é ao fato de que o projeto limita as compensações aos impactos
físicos.
“Caso venha a ser aprovado,
impediria, por exemplo, a implantação de infraestrutura de saneamento básico
para as comunidades afetadas pela hidrelétrica de Belo Monte, por não
reconhecer o impacto socioambiental da obra. Deixaria descobertos também
moradores e comunidades das áreas afetadas pelo dano da Samarco, na bacia do
rio Doce, a quem caberia simplesmente recompor, quando muito, matas ciliares
danificadas, desconsiderando ainda potenciais danos futuros que a atividade
pode acarretar”, aponta a ONG ambientalista.
Por meio de nota, o presidente do
Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, afirmou que
a proposta chega “ao absurdo de propor a revogação de dispositivo da Lei de
Crimes Ambientais que trata da responsabilização do agente público que fraudar
o licenciamento ambiental. Além disso, cria artifícios para retirar a
responsabilidade dos agentes financiadores que aportarem recursos para a
degradação ambiental”.
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