A ESTRADA NÃO VIRÁ TÃO CEDO, MAS ATÉ LÁ RENDERÁ MUITOS VOTOS*
Blog Ambiente Acreano
Semana
passada (06/12/19) o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (Democratas) esteve
visitando o Acre e informou que o Ministério da Infraestrutura vai liberar
cerca de R$ 7 milhões para a realização dos estudos de viabilidade econômica e
ambiental para a “futura” construção de uma rodovia ligando Cruzeiro do Sul, no
Brasil, a Pucallpa, no Peru.
Quem
leu os jornais e os sites de notícias locais ficou mesmo acreditando que esse
dinheiro está garantido. Uma nota indicando que Alcolumbre teve que telefonar
para o relator do orçamento geral da União de 2020, deputado federal Domingos
Neto (PSD-CE), pedindo a inclusão dos tais R$ 7 milhões deixa claro que a
liberação desse recurso em 2020 é, por hora, apenas uma ilusão.
As
“estórias” sobre a construção dessa estrada são antigas.
Dez
anos atrás uma comitiva acreana de peso foi ao Peru “vender” a ideia desta
estrada. Era integrada por 22 deputados estaduais, dois federais, cinco
prefeitos, os presidentes das associações comerciais de vários municípios, o
presidente da Federação das Associações Comerciais, o vice-governador César
Messias e os secretários de Esportes e Turismo e de Ciência e Tecnologia.
Na
época o Acre e o Brasil eram governados por um só partido (PT) – que em tese
facilitaria a liberação dos recursos. E mesmo com toda a empolgação dos
políticos de então, que inundaram os jornais impressos e sites online com
notícias sobre a construção da rodovia, nada aconteceu.
Interessante
que os argumentos em favor da construção da estrada são os de sempre. Desde
aquela época. E nenhum deles tem um embasamento econômico forte. Muito pelo
contrário, como mostrarei mais abaixo.
O
calcanhar de Aquiles para a concretização dessa rodovia é a questão ecológica,
pois seu trajeto deverá cruzar o Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD),
exatamente em sua região reconhecida como uma das mais biodiversas do planeta
(as cercanias da Serra do Divisor).
Frente
a isso, qual o argumento que os políticos que estão por trás dessa iniciativa
irão utilizar para vencer essa barreira? Vão mudar o status daquela Unidade de
Conservação só para poder passar com a estrada? Vão até mesmo a extinguir se
for necessário?
Se
movimentos nesse sentido forem dados, a reação da comunidade ambientalista
nacional e internacional deverá ser intensa. E, considerando – como se diz em
acreanês – que a “moral” internacional do atual governo federal na seara
ambiental é inexpressiva, insistir na construção da estrada atravessando o PNSD
certamente trará dissabores e desgastes imensos para o país.
O
risco de o Brasil virar, mais uma vez – a exemplo do que ocorreu com as
recentes queimadas na Amazônia – um vilão ambiental internacional serão grandes
e tenho quase certeza que por essa razão o atual governo federal se verá
compelido a “empurrar com a barriga” a liberação de recursos para a construção
da rodovia.
Um
dos principais argumentos dos defensores da estrada é a integração do Brasil
com o Peru. É mesmo? Será que eles fingem que isso não existe? Todos sabem que
a estrada Interoceânica que passa por Assis Brasil integra por via terrestre os
dois países há mais de dez anos.
E
a história do fracasso da integração via Interoceânica jogará pesado contra as
pretensões dos que querem fazer “mais uma” integração com o mesmo país pelo
vale do Juruá.
Depois
de tantos anos de inaugurada, pouco se exporta e importa do Brasil para o Peru
e outros mercados do Pacífico pela Interoceânica. De concreto temos um forte
movimento de turistas brasileiros visitando o Peru. Seria exagero afirmar que a
Interoceânica só serve para isso?
Quem
discordar, favor responder essa simples questão: - Por quais razões
exportadores iriam adquirir grãos (milho e soja) em Rondônia e Mato Grosso e
enviar os mesmos para China pelo Porto de Ilo no Peru, percorrendo de caminhão
entre 2.700 a 3.400 km de estrada desde Vilhena (RO) e Sorriso (MT)?
Não
sabe a resposta? É que é muito mais barato embarcar essa mesma carga em navios
em Porto Velho, economizando 1.000-2.000 km em frete caso optassem pela rota da
Interoceânica. E não se iludam. Parece irônico falar isso hoje, mas se no
futuro o Acre vier a ter produção exportável de grãos, certamente ela seria
enviada via Porto Velho e não o Peru.
Agora
imaginem uma estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa. Vão exportar e importar
que produtos? A região de Cruzeiro do Sul tem um potencial consumidor muito
pequeno para ser atrativo aos exportadores peruanos. Na outra mão, a produção
industrial e agrícola – com exceção da farinha, um produto com mercado só no
Brasil – é inexpressiva. Nem para turismo a estrada vai servir, pois as
atrações no Peru estão do outro lado dos Andes.
Outro
aspecto que pesa contra a ligação Cruzeiro do Sul-Pucallpa é a falta de força
política do Acre. Imaginem um lobby de políticos dos estados do Centro Oeste
para a construção/melhoria de rodovias ou ferrovias para integrar aquela região
com portos peruanos no pacífico frente ao lobby de políticos acreanos por uma
rodovia entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa. É óbvio que as chances da estrada
acreana prevalecer serão mínimas.
Não
podemos esquecer também as dificuldades orçamentárias do governo federal – que
em tese deverá bancar a construção da estrada. Sem a ajuda do BNDES (demonizado
pelo atual governo e seus seguidores nas redes sociais) para financiar a
construção da rodovia, existe o risco de, quando muito, se conseguir dinheiro para
construir a estrada até a fronteira do Peru. Temos que saber se o Peru se
arriscaria em construir a estrada no seu lado, sofrendo pressões de
ambientalistas e tendo que se endividar para fazer uma obra que pouco
acrescentará à economia da região beneficiada.
No
âmbito estadual, a insistência com a construção da rodovia Cruzeiro do
Sul-Pucallpa custará caro e possivelmente colocará uma pá de cal nas doações
que o governo tem recebido da Alemanha e da Inglaterra para investimentos em
programas ambientais.
Vejam
que elas minguarão a partir de 2020 pelo aumento exagerado do desmatamento no
Acre em 2019. Por isso, apoiar a construção de uma estrada em área tão sensível
ecologicamente certamente fechará de uma vez por todas as perspectivas de
arranjar novos doadores para substituir os atuais.
Por
isso, está claro que a construção da estrada Cruzeiro do Sul-Pucallpa não vai
sair assim tão facilmente e de forma rápida. Mas as promessas de um suposto
progresso que ela poderá trazer seguramente irão render muitos votos, durante
muitos anos, àqueles que estão à frente da ideia.
*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, 10/12/19.
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