APESAR DO AVAL DO ICMBIO E DO IBAMA, ESTRADA NO PARQUE NACIONAL DA SERRA DO DIVISOR TEM POUCAS CHANCES DE SE MATERIALIZAR
Evandro Ferreira*
Em 03 de setembro o Diretor de
Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade do ICMBio, Marcos Aurélio
Venâncio, um Tenente Coronel da Reserva da Polícia Militar de São Paulo, oficiou
o Diretor de Licenciamento Ambiental do IBAMA dando o “de acordo” para a realização
do licenciamento ambiental visando a construção da rodovia BR-364 dentro do
Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), no extremo oeste do Acre.
A decisão de seguir em frente com a
iniciativa de construção da referida estrada em um ambiente global de franca
hostilidade político-ambiental ao Brasil em razão da desastrada política
ambiental adotada pela administração que assumiu as rédeas do país em 2019
parece fadada ao fracasso. Embora o Decreto de criação do PNSD (n°
97.839/1989), em seu artigo 3°, autorize explicitamente “a implantação do
trecho da BR-364 cortando o Parque, desde que observadas medidas de proteção
ambiental e compatibilização do traçado com as características naturais da área”,
legislação posterior e hierarquicamente superior torna sem valor essa
autorização. Em julho 2000, por meio da Lei n° 9.985
o Governo Federal criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), estabelecendo
critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de
conservação no país. Além de passarem a ser regidas por um arcabouço legal
comum, as unidades de conservação foram categorizadas em dois grandes grupos:
as de uso sustentável e as de proteção integral. O primeiro grupo, de uso sustentável
(que inclui as Reservas Extrativistas), admite a presença de moradores em seu
interior e a exploração em bases sustentáveis dos recursos naturais existentes.
O segundo, de proteção integral, no qual se inserem Parques Nacionais (caso do
PNSD), proíbe a presença de moradores e a exploração dos recursos naturais
locais tendo em vista que essas unidades objetivam a “manutenção dos
ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitido
apenas o uso indireto dos seus atributos naturais”. Diante disso, está claro que a
construção de uma estrada em um Parque Nacional não se admite pelos danos
diretos e indiretos (atuais e futuros) que a mesma pode causar à unidade de
proteção integral. Além disso, permitir a construção da estrada é um atentado
contra a Lei que criou o SNUC. E usar o argumento de que a legislação que criou
o PNSD previa a construção da estrada é inútil visto que no nosso ordenamento jurídico
uma Lei sempre se impõe a um Decreto. Este não pode contrariá-la, sob pena dos
atos praticados com base no mesmo serem ilegais e sem validade.
Quem “deu sinal verde” para o ICMBio
“autorizar” o IBAMA a liberar os estudos visando o licenciamento ambiental da
construção da estrada foi a Procuradoria Federal Especializada da
Advocacia-Geral da União (AGU). Obviamente que a AGU existe para defender as
iniciativas do Governo Federal e para isso ela irá interpretar e argumentar a
legislação, mesmo contra a lógica jurídica mais elementar (Decreto se
sobrepondo a uma Lei), em favor das iniciativas do governo.
É importante deixar claro que muitas decisões
de um ou outro ocupante de cargo de confiança no ICMBio, no IBAMA ou mesmo do
Ministro do Meio Ambiente, visam atender demandas de políticos que viram na
ascensão do atual governo uma oportunidade ímpar de avançar projetos
supostamente desenvolvimentistas brecados no passado por sabidos impactos
ambientais negativos. Sua aprovação é a “moeda de troca” representada pelo apoio
que esses políticos dão às iniciativas do governo no Congresso. Um resultado dessa interação política
nefasta, que se intensificou a partir de 2019, é a aceleração da destruição
ambiental por todo o país. Graças a isso, em pouco mais de dois anos e meio o
Brasil foi “rebaixado” no campo ambiental à categoria de “pária mundial”. De
nação líder e exemplar na adoção de práticas ambientais sustentáveis em nível
global, o país passou a ser visto como um “grande vilão”, muitas vezes excluído
e, quando presente, sem respeito ou autoridade alguma para impor suas sugestões
e demandas ambientais em foros e reuniões internacionais. Embora a iniciativa do Diretor do
ICMBio no tocante à construção da estrada dentro do PNSD cause preocupações, na
prática, o ambiente político-jurídico atual inviabiliza que “essa boiada” passe
despercebida. Se judicializada, é quase certo que as
providências preliminares indispensáveis para viabilizar a construção da
estrada dentro do PNSD serão paralisadas. Especialmente agora que o Executivo
Federal declarou “guerra” ao Judiciário brasileiro em todas as frentes. Assim,
ele que não espere boa vontade e celeridade por parte dos juízes que vierem a
ser designados para decidir a causa. No que toca à sociedade civil
organizada que se opõe à construção da rodovia, os defensores que se preparem.
Terão que se contrapor aos ambientalistas locais, regionais e nacionais que
estão criando uma “onda” crescente de oposição que tem atraído importantes influenciadores
nacionais e internacionais. Em paralelo, organizações indígenas estão atuando
fortemente para brecar a iniciativa, pois a estrada impacta três terras
indígenas. Se a oposição “civil” à estrada é
crescente no lado brasileiro, no lado peruano o apoio político à mesma mudou
drasticamente com a recente eleição de um professor e agricultor para a
presidência daquele país. Não sendo representante das elites peruanas,
iniciativas em favor da parcela mais pobre da população e a defesa de causas
indígenas e ambientais tenderão a prevalecer durante o seu governo. Sem o apoio
dos peruanos, não faz sentido o Brasil insistir na construção de uma estrada
que correrá o risco de ter o seu trajeto terminado abruptamente no meio do
nada, na fronteira com o Peru. *Evandro Ferreira é pesquisador do INPA
e do Parque Zoobotânico da UFAC.
1 Comments:
A serra do divisor é um dos lugares mail lindos da Amazônia.
É nosso dever preserva-la!
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