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01 setembro 2020

SÃO OS INVESTIMENTOS E NÃO A RETÓRICA QUE AJUDAM NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS AMBIENTAIS*

Evandro FerreiraBlog Ambiente Acreano

No início da semana passada (terça-feira, 06/08/19), dados divulgados pelo sistema de alerta de desmatamento (Deter) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicaram que os alertas de derrubadas de floresta na Amazônia aumentaram 278% em julho de 2019, quando comparados com o mesmo mês do ano
passado. A área suspeita de ter sido devastada abrangeu 2.254,9 km², ante apenas 596,6 km² no mesmo período do ano passado.
Não foi coincidência, mas no final da semana (sábado, 10/08/19) a ministra alemã para o meio ambiente, Svenja Schulze, anunciou o “congelamento” de R$ 155 milhões que o seu ministério planejava repassar ao governo brasileiro para financiar projetos de proteção da floresta amazônica brasileira. Poderia ter sido pior, pois dos recursos disponibilizados pelo governo alemão para o Brasil utilizar no desenvolvimento sustentável e proteção da Amazônia, apenas aqueles administrados pelo Ministério do Meio Ambiente alemão foram congelados.
Vejam que esses recursos não são empréstimos. São doações. Entram no caixa do governo federal e são canalizados para um grande número de ações obrigatoriamente relacionadas com a proteção da floresta amazônica. Em troca, o que os alemães pedem ao governo brasileiro é o controle do desmatamento da região.
Para facilitar esse trabalho, parte do dinheiro doado é usado para estruturar os órgãos ambientais federais e estaduais de fiscalização e controle. Barcos, veículos, computadores e outros equipamentos são adquiridos com estas doações. Sob o ponto de vista orçamentário, é um alívio e tanto para o governo federal e as administrações estaduais contempladas.
O correto, diante da notícia da suspensão das doações, seria um reconhecimento de possíveis falhas e a negociação junto aos doadores para fazer com que elas voltassem a irrigar os orçamentos públicos profundamente afetados pelo atual aperto financeiro.
Mas não foi isso que aconteceu. Muito pelo contrário. No domingo (11/08/19), um dia depois do anúncio da suspensão dos recursos por parte do governo alemão, o presidente Bolsonaro afirmou textualmente que “a Alemanha vai deixar de comprar à prestação a Amazônia” e que “Pode fazer bom uso dessa grana, no Brasil não precisa disso”.
A realidade financeira enfrentada pelo país, entretanto, não parece sustentar as afirmações presidenciais.
Ontem (12/08/19) o Banco Central divulgou o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), uma espécie de “prévia” do Produto Interno Bruto (PIB), sobre o desempenho da economia no 2° trimestre (abril a junho) e detectou retração de 0,13% em relação ao 1° trimestre (janeiro a março). O mesmo índice tinha recuado 0,2% na comparação entre o 1° trimestre de 2019 e o último trimestre de 2018. Com dois trimestres seguidos de tombo do PIB, o país entrou em “recessão técnica”.
Diante disso, está claro que a perspectiva de melhoria na arrecadação dos impostos que abastecem o orçamento do governo federal não é das melhores para este 2° semestre. Muito pelo contrário. Tudo indica que, em caso de aprofundamento da recessão, os cortes no orçamento do governo federal deverão se acentuar ainda mais.
No final deste mês de julho o governo já havia anunciado contingenciamentos adicionais de despesas da ordem de R$ 1,442 bilhão que atingiram vários ministérios, incluindo o do Meio Ambiente (MMA), que viu suspensos a execução de R$ 10,1 milhões.
Esse corte se soma ao que tinha sido feito em maio passado, quando o bloqueio de recursos do MMA tinha atingido R$ 244 milhões, equivalente a 29,7% dos R$ 821 milhões do orçamento anual alocados para o ministério gastar com investimentos e serviços em programas e ações ambientais no ano de 2019.
Sei que meu texto hoje está recheado de números e valores, mas eles servem para mostrar que a situação do país não é nada confortável no que concerne a investimentos em ações para a conservação, desenvolvimento e combate aos desmatamentos na região amazônica.
Assim, os tais R$ 155 milhões congelados pela Alemanha que o nosso presidente disse que o Brasil “não precisa” representam aproximadamente 61% do valor que foi contingenciado do orçamento do Ministério do Meio Ambiente nesse ano de 2019. Não dá para negar que é uma soma respeitável. Assim como não dá para afirmar que, na situação orçamentária atual, esses R$ 155 milhões são “dispensáveis”.
E se as ações do Ministério do Meio Ambiente estão seriamente comprometidas em função dos contingenciamentos orçamentários anunciados, o que dizer de outros ministérios cujas ações também focam a Amazônia? Não tenho condições de estimar numericamente o prejuízo, mas o impacto social, econômico e ambiental da ausência desses investimentos seguramente será muito elevado.
E a situação poderá ficar ainda pior se a previsão sobre o possível fim do Fundo Amazônia se concretizar. Este fundo, administrado pelo BNDES, tem por finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal brasileira.
Criado em 2008 e ativo desde 2009, até o presente momento o Fundo captou e investiu na Amazônia cerca de R$ 3,4 bilhões, sendo que desde 2010 quase 60% dos recursos foram investidos em instituições ligadas aos governos Federal, Estaduais e Municipais da região.
Os doadores – Noruega e Alemanha – estão satisfeitos com a forma de funcionamento do Fundo. Mas o governo federal tem outras ideias. Quer recursos, por exemplo, para indenizar invasores de unidades de conservação. Cedo ou tarde, como tudo indica, os doadores irão suspender os recursos e o Fundo certamente deixará de existir.
Isso é uma certeza. Ou alguém sabe de onde o governo federal vai tirar dinheiro para as atividades do Fundo se ele não tem sequer para garantir ao MMA pleno funcionamento neste ano de 2019?
*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 13/08/2019.