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02 setembro 2020

DESCONHECIMENTO E INCOMPREENSÃO PODEM RESULTAR EM PREJUÍZOS FINANCEIROS E AMBIENTAIS REAIS OU PRESUMIDOS*

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

 

Dez dias atrás o presidente Bolsonaro “partiu para cima” do INPE, a instituição governamental brasileira responsável por coletar, processar e divulgar dados sobre o desmatamento na Amazônia. Para o presidente, os dados divulgados pelo INPE são exagerados, incorretos e, da forma como são divulgados, prejudicam a “imagem” do Brasil perante o mundo.

A fala do presidente não se baseou em nenhum dado concreto. Nenhuma polêmica, denúncia ou acusação de manipulação de dados por parte do INPE foi ou tem sido levantada seja no meio acadêmico, seja no meio político.

É difícil contestar dados de desmatamento como os que o INPE divulga de forma sistemática desde os anos 80 baseados em análises de imagens de satélites feitas de forma automática por softwares desenvolvidos, em alguns casos, por pesquisadores de alto nível do próprio INPE.

Para fazer as estimativas de desmatamento na Amazônia, o INPE utiliza imagens produzidas por sensores instalados em satélites americanos da série Landsat. São satélites operados pela NASA e dedicados exclusivamente à observação dos recursos naturais do planeta. O primeiro deles foi lançado em 1972 (Landsat 1) e o mais recente (Landsat 8) em 2013.

O Landsat 8 passa sobre o mesmo ponto da região amazônica a cada 16 dias e seus sensores produzem uma faixa de imagem com largura de 185 km e resolução multiespectral de 30 metros. Na prática, ele pode ver com nitidez, a cada 16 dias, detalhes sobre aquela pequena área de 30 m² graças a softwares que processam as imagens revelando se a área contém floresta primária ou secundária (capoeira), se o local é ocupado por pastagens, cultivos, espelhos d´água ou se é terra nua sem cobertura vegetal viva (indicando desmatamento recente).

A prova da excelência do trabalho do INPE é o fato de os seus dados raramente terem sido contestados nos últimos 30 anos. E essa foi uma das razões para a instituição ter se firmado no mundo como uma ilha de excelência técnico-científica. E isso não foi adquirido da noite para o dia via importação de cérebros do estrangeiro. Pelo contrário. Foram feitos investimentos de milhões de reais na capacitação de seus pesquisadores - no Brasil e no exterior.

Levou tempo, mas valeu a pena. Hoje o INPE mantém, entre outros, programas de mestrado e doutorado nas áreas de Sensoriamento Remoto, Meteorologia, Geofísica Espacial, Astrofísica e Engenharia e Tecnologia Espacial. Isso se traduz na formação de massa crítica brasileira para continuar o trabalho no futuro. É a sustentabilidade da cultura de excelência criada pelo INPE.

E são os professores desses programas de pós-graduação de alto nível, com o auxílio de outros pesquisadores e técnicos do INPE, que trabalham no levantamento e na divulgação dos dados sobre o desmatamento na Amazônia.

Por isso não tem o menor cabimento sugerir que os dados publicados pelo INPE são manipulados, fraudados ou que, como querem muitos que hoje estão no poder, contém viés ideológico. Em ciências exatas a soma de 2 mais 2 será sempre 4. Não dá para mascarar o resultado.

Claro que pode haver discrepâncias aqui e ali. Mas nada que leve a erros grosseiros. Em 2016 o Governo do Acre contestou índices de desmatamento divulgados pelo INPE para o estado. O caso se referia a umas poucas áreas de lagos secos em Tarauacá contabilizadas como desmatamento. Em anos anteriores o levantamento do INPE havia contabilizado como desmatamento áreas onde a taboca (bambu) morreu naturalmente. Reclamação feita, índices corrigidos. Sem dramas e escândalos desnecessários.

O INPE é hoje referência mundial no assunto e deveria encher de orgulho nossas autoridades públicas, que hoje podem acessar, em base diária, como anda o desmatamento na Amazônia. O que mais os planejadores públicos de ações para combater os desmates ilegais que acontecem na região poderiam querer?

A crítica ao trabalho e dados divulgados pelo INPE por parte da Presidência da República é preocupante porque passa a impressão de que o combate ao desmatamento na Amazônia não será prioridade na atual administração. Espero estar enganado. Também espero que, para evitar episódios como esse, o presidente tenha no seu entorno assessores bem informados sobre a realidade do monitoramento e combate aos desmatamentos ilegais na Amazônia.

O assunto é delicado porque, como disse corretamente o presidente, a imagem do país pode ficar comprometida em caso de aumento exagerado do desmatamento da Amazônia. E muitos interesses estão em jogo caso a situação fuja do controle.

O acordo entre o Mercosul e a União Europeia, por exemplo, pode ter sua entrada em vigor adiada, conforme deixaram claro a França como a Alemanha, se o desmatamento na Amazônia aumentar exageradamente.

O Fundo Amazônia, que recebeu mais de R$ 3,4 bilhões de doações da Noruega e da Alemanha para financiar a conservação, preservação e desenvolvimento da Amazônia, está ameaçado por desavenças aparentemente ideológicas: enquanto os doadores estão satisfeitos e não vem razões para mudanças, o governo brasileiro gostaria, entre outras medidas, de usar as doações para indenizar invasores de áreas de conservação do país.

Esse clima de animosidade desnecessária criada pelo Governo Federal com países que colaboram efetivamente para as políticas de combate ao desmatamento na Amazônia pode resultar em prejuízos para o Acre, como, por exemplo, o cancelamento das doações feitas pela Alemanha aos programas ambientais do Acre. Entre 2013 e 2017 foram 25 milhões de Euros. Em 2017 um novo acordo de doação de mais 30 milhões de Euros.

Na precária situação econômica em que se encontra o país e o governo do Acre em especial, é preciso ter tato e jogo de cintura para desvincular a situação do Acre do contexto nacional. E isso é necessário. Afinal de contas, não é todo o dia que se encontram doadores tão generosos como a Alemanha tem sido com o Acre. 

*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 30/07/2019