DESCONHECIMENTO E INCOMPREENSÃO PODEM RESULTAR EM PREJUÍZOS FINANCEIROS E AMBIENTAIS REAIS OU PRESUMIDOS*
Blog Ambiente Acreano
Dez
dias atrás o presidente Bolsonaro “partiu para cima” do INPE, a instituição
governamental brasileira responsável por coletar, processar e divulgar dados
sobre o desmatamento na Amazônia. Para o presidente, os dados divulgados pelo
INPE são exagerados, incorretos e, da forma como são divulgados, prejudicam a
“imagem” do Brasil perante o mundo.
A
fala do presidente não se baseou em nenhum dado concreto. Nenhuma polêmica,
denúncia ou acusação de manipulação de dados por parte do INPE foi ou tem sido
levantada seja no meio acadêmico, seja no meio político.
É
difícil contestar dados de desmatamento como os que o INPE divulga de forma
sistemática desde os anos 80 baseados em análises de imagens de satélites
feitas de forma automática por softwares desenvolvidos, em alguns casos, por
pesquisadores de alto nível do próprio INPE.
Para
fazer as estimativas de desmatamento na Amazônia, o INPE utiliza imagens
produzidas por sensores instalados em satélites americanos da série Landsat.
São satélites operados pela NASA e dedicados exclusivamente à observação dos
recursos naturais do planeta. O primeiro deles foi lançado em 1972 (Landsat 1)
e o mais recente (Landsat 8) em 2013.
O
Landsat 8 passa sobre o mesmo ponto da região amazônica a cada 16 dias e seus
sensores produzem uma faixa de imagem com largura de 185 km e resolução
multiespectral de 30 metros. Na prática, ele pode ver com nitidez, a cada 16
dias, detalhes sobre aquela pequena área de 30 m² graças a softwares que
processam as imagens revelando se a área contém floresta primária ou secundária
(capoeira), se o local é ocupado por pastagens, cultivos, espelhos d´água ou se
é terra nua sem cobertura vegetal viva (indicando desmatamento recente).
A
prova da excelência do trabalho do INPE é o fato de os seus dados raramente
terem sido contestados nos últimos 30 anos. E essa foi uma das razões para a
instituição ter se firmado no mundo como uma ilha de excelência
técnico-científica. E isso não foi adquirido da noite para o dia via importação
de cérebros do estrangeiro. Pelo contrário. Foram feitos investimentos de
milhões de reais na capacitação de seus pesquisadores - no Brasil e no
exterior.
Levou
tempo, mas valeu a pena. Hoje o INPE mantém, entre outros, programas de
mestrado e doutorado nas áreas de Sensoriamento Remoto, Meteorologia, Geofísica
Espacial, Astrofísica e Engenharia e Tecnologia Espacial. Isso se traduz na
formação de massa crítica brasileira para continuar o trabalho no futuro. É a
sustentabilidade da cultura de excelência criada pelo INPE.
E
são os professores desses programas de pós-graduação de alto nível, com o
auxílio de outros pesquisadores e técnicos do INPE, que trabalham no
levantamento e na divulgação dos dados sobre o desmatamento na Amazônia.
Por
isso não tem o menor cabimento sugerir que os dados publicados pelo INPE são
manipulados, fraudados ou que, como querem muitos que hoje estão no poder,
contém viés ideológico. Em ciências exatas a soma de 2 mais 2 será sempre 4.
Não dá para mascarar o resultado.
Claro
que pode haver discrepâncias aqui e ali. Mas nada que leve a erros grosseiros.
Em 2016 o Governo do Acre contestou índices de desmatamento divulgados pelo
INPE para o estado. O caso se referia a umas poucas áreas de lagos secos em
Tarauacá contabilizadas como desmatamento. Em anos anteriores o levantamento do
INPE havia contabilizado como desmatamento áreas onde a taboca (bambu) morreu
naturalmente. Reclamação feita, índices corrigidos. Sem dramas e escândalos
desnecessários.
O
INPE é hoje referência mundial no assunto e deveria encher de orgulho nossas
autoridades públicas, que hoje podem acessar, em base diária, como anda o
desmatamento na Amazônia. O que mais os planejadores públicos de ações para
combater os desmates ilegais que acontecem na região poderiam querer?
A
crítica ao trabalho e dados divulgados pelo INPE por parte da Presidência da
República é preocupante porque passa a impressão de que o combate ao
desmatamento na Amazônia não será prioridade na atual administração. Espero
estar enganado. Também espero que, para evitar episódios como esse, o
presidente tenha no seu entorno assessores bem informados sobre a realidade do
monitoramento e combate aos desmatamentos ilegais na Amazônia.
O
assunto é delicado porque, como disse corretamente o presidente, a imagem do país
pode ficar comprometida em caso de aumento exagerado do desmatamento da
Amazônia. E muitos interesses estão em jogo caso a situação fuja do controle.
O
acordo entre o Mercosul e a União Europeia, por exemplo, pode ter sua entrada
em vigor adiada, conforme deixaram claro a França como a Alemanha, se o
desmatamento na Amazônia aumentar exageradamente.
O
Fundo Amazônia, que recebeu mais de R$ 3,4 bilhões de doações da Noruega e da
Alemanha para financiar a conservação, preservação e desenvolvimento da
Amazônia, está ameaçado por desavenças aparentemente ideológicas: enquanto os
doadores estão satisfeitos e não vem razões para mudanças, o governo brasileiro
gostaria, entre outras medidas, de usar as doações para indenizar invasores de
áreas de conservação do país.
Esse
clima de animosidade desnecessária criada pelo Governo Federal com países que
colaboram efetivamente para as políticas de combate ao desmatamento na Amazônia
pode resultar em prejuízos para o Acre, como, por exemplo, o cancelamento das
doações feitas pela Alemanha aos programas ambientais do Acre. Entre 2013 e
2017 foram 25 milhões de Euros. Em 2017 um novo acordo de doação de mais 30
milhões de Euros.
Na precária situação econômica em que se encontra o país e o governo do Acre em especial, é preciso ter tato e jogo de cintura para desvincular a situação do Acre do contexto nacional. E isso é necessário. Afinal de contas, não é todo o dia que se encontram doadores tão generosos como a Alemanha tem sido com o Acre.
*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 30/07/2019
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