PODERIAM SER BILHÕES, MAS AGORA SERÃO APENAS ALGUNS MILHÕES PARA PROTEGER E CONSERVAR A AMAZÔNIA*
Blog Ambiente Acreano
Diante
do agravamento da crise ambiental na Amazônia, das críticas e dos protestos que
se espalharam mundo afora contra a negligência do governo quanto ao controle do
desmatamento e queimadas na região, e antevendo pressões que emanariam do
encontro dos sete países mais ricos do mundo (G7) realizado no fim de semana na
França, o presidente da república resolveu se pronunciar em rede nacional de TV
sobre o tema na sexta-feira (23/08/19).
Contrariando
declarações suas feitas anteriormente – durante a campanha e depois que assumiu
presidência –, assim como ações de membros do seu governo, o presidente
defendeu tolerância zero com os crimes ambientais e pintou um cenário ambiental
da região que não corresponde à realidade atual, onde as derrubadas e as queimadas
são feitas sem qualquer controle ou repressão.
Parece
surreal, mas a partir de informações do Ministério Público do Pará, a Polícia
Federal deverá investigar um grupo de 70 pessoas, entre sindicalistas,
produtores rurais, comerciantes e grileiros, que, por meio de um grupo de
WhatsApp, combinou atear fogo em florestas entre os municípios de Altamira e
Novo Progresso, no sudoeste do Pará, no último dia 10 de agosto. A data era
tratada entre os integrantes do grupo como o “dia do fogo”.
Apesar
de o presidente ter finalizado seu pronunciamento informando que estava
determinando a mobilização de seus ministros e dos militares para controlar a
situação, algo que em teoria representaria uma mudança de posição do governo em
relação à política de fiscalização e controle dos ilícitos ambientais que se
multiplicaram na Amazônia desde janeiro, a realidade é que pouca coisa deverá
acontecer efetivamente.
E
por uma razão muito simples: faltam recursos financeiros. Na véspera de seu
pronunciamento, o presidente já tinha indagado: “a Amazônia é maior do que a
Europa, como se combate incêndios criminosos numa área destas?” E reconheceu:
“Nós não temos recursos para isso”. O Ministério da Defesa aguarda a liberação
de R$ 20 milhões que estavam contingenciados no orçamento deste ano para dar
início às ações.
Vale
recordar que em maio o governo contingenciou R$ 244 milhões do Ministério do
Meio Ambiente, que representavam cerca de 30% dos R$ 821 milhões originalmente
alocados para gastos com investimentos e serviços em programas e ações
ambientais por todo o país. A esse valor foi acrescido um bloqueio adicional de
R$ 10,1 milhões no final de julho.
E
foi nesse contexto de grave limitação orçamentária – do qual tinham ciência
tanto o presidente quanto o seu ministro do meio ambiente – e de uma
agressividade retórica absolutamente incabível do governo brasileiro que no
início de agosto (10/08019) o governo alemão congelou o repasse de R$ 155
milhões para ações de proteção das florestas na Amazônia citando como justificativa
o aumento do desmatamento. Cinco dias
depois (15/08/19), por razões e justificativas similares, a Noruega suspendeu o
envio de R$ 133 milhões. Estas doações não repassadas representam R$ 288
milhões, um valor superior ao que foi contingenciado do orçamento do Ministério
do Meio Ambiente.
Ontem
os integrantes do G7 ofereceram ajuda emergencial de US$ 20 milhões (cerca de
R$ 83 milhões) para combater incêndios florestais na Amazônia. A maior parte
será gasta com o aluguel de aviões especializados no combate a incêndios. Os
integrantes do G7 também concordaram em financiar ações de reflorestamento da
Amazônia, proposta que deverá ser apresentado durante a Assembleia Geral da ONU
em setembro. Para receber essa ajuda, entretanto, o governo brasileiro terá que
concordar em trabalhar com ONGs e populações locais.
Resta
saber se o governo brasileiro aceitará estas ajudas. Como se viu – agindo
contra a lógica da dificuldade orçamentária e o bom senso – logo depois dos
bloqueios anunciados pela Alemanha e a Noruega, o próprio presidente desdenhou
das ajudas dizendo que elas não eram necessárias.
Uma
rápida pesquisa sobre fontes potenciais que o governo brasileiro poderia
utilizar para financiar ações na Amazônia mostra que a inabilidade,
incompetência e soberba (ou seria má vontade?) do ministro do meio ambiente
poderão impedir a canalização de bilhões de reais para a região.
O
“programa de conversão de multas” implementado pelo então ministro do meio
ambiente Zeca Sarney (2016-2018) previa a adesão voluntária dos multados a um
programa de desconto, com parte do arrecadado canalizado para ações ambientais.
Já em 2019 ser previa investir mais de R$ 1 bilhão nas bacias do São Francisco
e do rio Paraíba. A estimativa era arrecadar em todo o país cerca de R$ 4 bilhões/ano
em poucos anos. O que fez o atual ministro do meio ambiente? Disse que era
dinheiro para ONGs, paralisou tudo, promoveu o desmonte do Ibama e criou um
núcleo de conciliação de multas no qual ele daria aval a cada uma das mais de
14 mil multas anuais aplicadas pelo Ibama.
O
“Fundo Verde do Clima”, criado no âmbito do acordo de Paris, deve trazer U$ 100
bilhões/ano nos próximos anos. O Brasil poderia captar milhões de reais
anualmente, mas o atual governo ameaça sair do acordo. Para piorar a situação, o
governo, antes mesmo de assumir, pediu pra não sediar a Conferência Mundial do
clima (COP) e extinguiu o braço do Itamaraty que conduzia as negociações
climáticas e se preparava para captar recurso nesse fundo, o GCF. O país perdeu
a chance de “pautar o assunto”, liderar e protagonizar acordos, ser o maior
beneficiário e alavancar bilhões para aplicar em ações ambientais argumentando
que a maior parte da Amazônia está aqui.
O
acordo de Paris prevê vários mecanismos de pagamento por serviços ambientais (PSA).
O Brasil, um reconhecido preservador de florestas, com cerca de 60% de seu
território coberto por floresta nativa ou plantada, poderia se aproveitar de
várias formas para captar recursos financeiros: acordo de mitigação da aviação
civil, mercado de crédito de carbono, REDD e outros. Mas para isso, o país
precisa ser respeitado internacionalmente, mostrar que quer aplicar
corretamente a legislação ambiental, atuar efetivamente na conservação das
florestas e de outros recursos naturais. Algo que o país possuía até o final do
ano passado. Hoje, sendo considerado um pária ambiental, as chances de sucesso
nas investidas de captação financeira nestas áreas são mínimas.
Assim,
se a política ambiental do país não der uma guinada para o rumo certo,
correremos o risco de ficarmos com migalhas, uns poucos milhões para conservar
e proteger a Amazônia. E mesmo assim, o pouco que vier será destinado a ações
específicas impostas pelos doadores – que certamente estarão “desconfiados” das
reais intenções de nossas autoridades ambientais. Uma pena.
Ambientalmente
o Brasil caminhava para assumir o papel de protagonista mundial, buscava um
poder e autoridade ambiental nunca antes visto. Mas agora, tudo indica que
encontraremos a servidão e a humilhação de pedintes. Sem dúvida um retrocesso.
*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 27/08/2019.
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