CAPIVARAS: HERBÍVOROS MANSOS E “PERIGOSOS”
Blog Ambiente Acreano
As
capivaras (nome científico: Hydrochoerus
hydrochaeris), os maiores roedores do mundo, são mamíferos nativos da
América do Sul, onde se encontram amplamente distribuídas. Seus parentes mais
próximos são o Preá ou Porquinho-da-Índia (Cavia
aperea), animal domesticado inexistente em sua forma selvagem, e o Mocó (Kerodon rupestris), espécie selvagem
parecida com o coelho, porém de maior tamanho e com orelhas e cauda muito
pequenos, endêmico da região da Caatinga no Nordeste do Brasil.
As
capivaras estão distribuídas por todo o Brasil, exceto na Caatinga, sendo
abundantes em regiões ricas em água, como o Pantanal (são animais
semi-aquáticos). Na Amazônia elas são menos abundantes nas áreas de terra
firme, mas podem ser encontradas próximo de lugares alagados.
Elas
são animais sociais que podem viver em grupos com até 100 indivíduos, mas
geralmente os grupos contem entre 10 e 20 animais. Apesar de não domesticadas,
são consideradas animais mansos e permitem a aproximação, o toque e mesmo a
alimentação diretamente da mão de humanos. Por essa razão, não é incomum
encontra-las em áreas urbanas. Em Rio Branco, dentro e no entorno do Campus da
Universidade Federal do Acre (UFAC), numerosas capivaras vagam livremente,
constituindo-se em uma atração para os frequentadores.
Apesar
da abundância e da mansidão desses animais, sua caça e o consumo de sua carne
não são comuns no Brasil. Em países, como a Venezuela e a Colômbia, por
exemplo, o consumo da carne é muito popular e uma tradição durante a quaresma e
a semana santa. Por esta razão, a criação em cativeiro da espécie tanto para a
venda da carne como da pele são práticas comuns.
E
o que faz o consumo da carne de capivara não ser popular no Brasil? Pode ser
que seja o sabor muito forte, o cheiro ou mesmo a cor da carne. Mas a principal
razão reside em um processo de “demonização” deste animal patrocinado pela
imprensa.
Todas
as vezes que são reportados casos de febre maculosa no Brasil, invariavelmente
são indicados como a “fonte” da doença os carrapatos que vivem naturalmente na
pele das capivaras.
A
febre maculosa é uma doença infecciosa de gravidade variável que pode causar
febre aguda e apresentar elevada taxa de letalidade se não for tratada
corretamente. Ela é transmitida pelo carrapato-estrela (Amblyomma cajennense) infectado pela bactéria Rickettsia rickettsii ou outras bactérias do mesmo gênero. Se o
carrapato pica seres humanos, estes podem desenvolver a doença.
Entretanto,
sabe-se que o carrapato-estrela (hematófago) também pode ser encontrado em animais
de grande porte (bois e cavalos), cães, aves domésticas e roedores. Se o
carrapato presente nestes outros animais estiver infectado pela bactéria Rickettsia rickettsii e picar seres
humanos, é grande a possibilidade de os mesmos desenvolverem a doença. Mas a
“fama” faz com que a capivara seja quase sempre considerada a culpada.
Um
“trend” mais recente envolvendo a capivara é seu suposto papel como importante
transmissor de agentes etiológicos zoonóticos diz respeito à infecção por
Salmonella.
A
Salmonella é uma bactéria que pode causar dois tipos de doença, dependendo do
sorotipo: salmonelose não tifóide e febre tifoide. Os sintomas da salmonelose
não tifóide são semelhantes a outros problemas gastrointestinais e incluem
diarreia, vômitos, febre moderada dor abdominal, cansaço e perda de apetite.
Não é letal e os afetados podem se recuperar em até sete dias. A febre tifoide
é uma forma mais grave e tem uma taxa de mortalidade maior.
A
forma mais comum da transmissão desta doença é a ingestão de alimentos
contaminados e maus hábitos de higiene. Estima-se que a Salmonella atinge mais
de 93 milhões de pessoas/ano no mundo causando mais de 155 mil mortes. Apesar
de a maioria dos casos da doença ser decorrente da ingestão de alimentos
contaminados, uma porção bem pequena dos casos é derivada da infecção via
contato de humanos com as fezes de animais portadores da bactéria.
É
isso. A transmissão a partir de animais selvagens “exige” o contato com as
fezes do animal. E a capivara, mais uma vez, é apontada como uma fonte
potencial para esses casos.
Mesmo
considerando que na literatura científica apenas dois casos de Salmonella
tenham sido reportados para capivaras, pesquisadores da UFAC resolveram
investigar o possível perigo que as capivaras da zona rural e urbana do Estado
representam como repositórios de Salmonella que eventualmente poderia infectar
a população local.
Para
isso eles capturaram 54 capivaras assintomáticas para doenças intestinais de
duas áreas urbanas e duas áreas rurais do Acre e as mantiveram em cativeiro por
três a quatro dias para amostragem. Três amostras de fezes desses animais foram
colhidas durante a permanência dos mesmos em cativeiro.
O
resultado do estudo revelou que oito (5%) das 162 amostras examinadas por
cultura bacteriana foram positivas para Salmonella spp., enquanto quatro (7%)
das 54 amostras examinadas pelo método PCR foram positivas. Dos oito animais
positivos em cultura, cinco eram oriundos de área urbana e três de área rural.
Nas amostras positivas pelo método PCR apenas um animal positivo era de área
urbana e quatro da área rural.
Ao
final os autores consideraram que, considerando os resultados dos dois métodos
de diagnóstico empregados, apenas um animal foi considerado positivo. E
concluíram que as capivaras tem potencial como reservatórios e disseminadores
de Salmonella na área urbana e rural do Acre.
Vejam
que nenhum caso de transmissão de Salmonella de capivaras para humanos foi
reportado para o Acre. Mas a fama da mesma foi suficiente para justificar o estudo.
Diante
disso, só posso dizer – se é que entendem o sentido – aos leitores de A Gazeta:
“Cuidado, apesar de mansas as capivaras são um perigo...”
Para saber mais: Farikoski, I. et al. 2019. As capivaras urbanas e rurais (Hydrochoerus hydrochaeris) como reservatório de Salmonella no oeste da Amazônia, Brasil. Pesquisa Veterinária Brasileira, vol. 39, n° 1, p. 66-69.
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