EXPLORAÇÃO SELETIVA DE MADEIRA NA AMAZÔNIA (3)
ÍNTEGRA DA NOTA TÉCNICA DO INPE/IPAM
Nota técnica sobre o artigo “Selective Logging in the Brazilian Amazon”, Asner et al., Science (310): 21/10/05.
Preparada por: Gilberto Câmara, Dalton Valeriano, João Vianei Soares (INPE), Carlos Souza Jr (IMAZON).
1. O artigo de Asner et al. (2005) trata de corte seletivo da floresta para exploração de madeira. Esta atividade retira as árvores com valor comercial e não deve ser confundida com o corte raso. No corte raso, após a retirada das espécies com valor comercial, o restante da floresta é derrubado e queimado. As estimativas de desmatamento do INPE medem as situações de corte raso. Deste modo, os dados de áreas onde ocorre corte seletivo apresentados por Asner et al.(2005) não tem impacto sobre as estimativas de desmatamento realizadas pelo INPE.
2. Os pesquisadores do INPE e do IMAZON consideram que o desafio de mapear a extensão do corte seletivo na Amazônia é uma tarefa científica relevante. Estas instituições também trabalham no tema, como evidenciam resultados científicos recentes (ver lista em Anexo).
3. Os dados do artigo de Asner et al. necessitam de uma análise detalhada, que requer acesso irrestrito às imagens e mapas utilizados pelos autores. Da mesma forma que o INPE colocou à disposição da comunidade científica as imagens e mapas utilizados para estimar o desmatamento na Amazônia, estamos solicitando reciprocidade a Asner et al. para ter acesso a seus dados.
4. Numa análise preliminar do artigo, verificamos existir várias inconsistências que indicam uma superestimativa das áreas sujeitas a corte seletivo. Apontamos a seguir algumas delas.
5. Estimativas do IMAZON indicam que a produção de madeira na Amazônia tem se mantido entre 28 milhões m3 de madeira em tora (dados de 1998) e 25 milhões m3 de madeira em tora (dados de 2004). A capacidade industrial de processamento de madeira é desta ordem e não teve crescimento significativo nos anos recentes. No entanto, Asner et al. afirmam que a produção de madeira em tora por corte seletivo seria de 50 milhões de m3 em 2000. Consideramos que este valor está superestimado. Sabe-se que 30% da produção de madeira em tora na Amazônia vem de áreas de corte raso. Também é conhecido que a madeira proveniente da várzea da calha do Amazonas contribui entre 10 e 20% da produção total. Logo, se a estimativa dos autores sobre a produção por corte seletivo estivesse correta, a produção total de madeira em tora seria de 75 milhões de m3 em 2000. Este valor é incompatível com a capacidade instalada da indústria madeireira na Amazônia. Também nos parece inverossímil uma variação de produção de madeira que oscile entre 50 milhões de m3 em 2000 para 30 milhões de m3 em 2001.
6. Mesmo na escala limitada do mapa que apresenta áreas de corte seletivo publicado em Asner et al. é possível observar várias inconsistências. Os autores apontam muitos locais de corte seletivo no interior das terras indígenas Menkragnoti e Kayapó, no sul do Pará. Estes locais são afloramentos rochosos onde a vegetação é esparsa. A experiência do INPE mostra que regiões de afloramento são sistematicamente confundidas com degradação florestal em imagens de satélite. Isto aponta para um erro na metodologia de Anser et al., que pode ter ocorrido também em outras áreas da Amazônia.
7. No centro-norte de Mato Grosso, na região adjacente ao parque nacional do Xingu, os autores também apresentam uma extensa área de corte seletivo. Esta área não corresponde ao padrão espacial típico de corte seletivo. Os autores apontam uma área de corte seletivo de 13.000 km2 em MT de um total de 20.000 km2 em toda a Amazônia para o ano de 2000. Nossa experiência indica tratar-se que esta proporção de 65% é irrealista e incompatível com a capacidade de processamento local. Os dados de campo indicam que o MT tem hoje uma participação da ordem de 30% na produção de madeira em tora na Amazônia (esta participação cresceu de 1998 para 2004).
8. No resumo do artigo, os autores afirmam que “a cada ano, são liberados na atmosfera 0.1 bilhões de toneladas de CO2 por corte seletivo, com um acréscimo de 25% em relação ao estimado por corte raso”. Este valor se baseia em extrapolações irrealistas. Os autores consideraram a maior estimativa de corte de um único ano no período analisado: 50 milhões de m3 de madeira em 2000. Como discutido acima, este valor está superestimado. Com base nesta superestimativa de um único ano, eles concluíram que a emissão anual de carbono seria de 0.1 bilhões de toneladas de CO2.
9. Como se sabe, após o corte seletivo ocorre um processo de regeneração na floresta. A regeneração tem por efeito a absorção de CO2 pelas árvores em crescimento. Embora os autores reconheçam este fato e afirmem que “a regeneração na floresta em áreas de corte seletivo reduz a emissão de CO2 para a atmosfera”, eles não quantificam esta redução.
10. As inconsistências por nós apontadas indicam a necessidade de uma cuidadosa revisão da metodologia e dos resultados do artigo, antes que suas conclusões possam servir de base para definição de políticas públicas na Amazônia. As equipes do INPE e do IMAZON deverão realizar esta tarefa, e para tanto já solicitaram aos autores o amplo acesso aos seus dados e resultados.
Referências
- Lentini, M., Veríssimo, A.; Pereira, D. “A Expansão Madeireira na Amazônia”, “O Estado da Amazônia, Boletim do IMAZON no.2, Maio 2005 (http://www.imazon.org.br/upload/ea_2p.pdf).
- Souza Jr., C. M.; Roberts, D.; Cochrane, M. “Combining spectral and spatial information to map canopy damage from selective logging and forest fires”. Remote Sensing of Environment (2005): in press.
- Souza Jr., C. M.; Roberts, D. “Mapping forest degradation in the Amazon region with Ikonos images”. International Journal of Remote Sensing of Environment, 26:425-429, 2003.
- “Monitoramento e caracterização de áreas submetidas à exploraçãoflorestal na amazônia por técnicas de detecção de mudanças”. Tese de Doutorado em Sensoriamento Remoto, Paulo Graça, INPE, 2005 (orientação de João Vianei Soares e João Roberto dos Santos).
Nota técnica sobre o artigo “Selective Logging in the Brazilian Amazon”, Asner et al., Science (310): 21/10/05.
Preparada por: Gilberto Câmara, Dalton Valeriano, João Vianei Soares (INPE), Carlos Souza Jr (IMAZON).
1. O artigo de Asner et al. (2005) trata de corte seletivo da floresta para exploração de madeira. Esta atividade retira as árvores com valor comercial e não deve ser confundida com o corte raso. No corte raso, após a retirada das espécies com valor comercial, o restante da floresta é derrubado e queimado. As estimativas de desmatamento do INPE medem as situações de corte raso. Deste modo, os dados de áreas onde ocorre corte seletivo apresentados por Asner et al.(2005) não tem impacto sobre as estimativas de desmatamento realizadas pelo INPE.
2. Os pesquisadores do INPE e do IMAZON consideram que o desafio de mapear a extensão do corte seletivo na Amazônia é uma tarefa científica relevante. Estas instituições também trabalham no tema, como evidenciam resultados científicos recentes (ver lista em Anexo).
3. Os dados do artigo de Asner et al. necessitam de uma análise detalhada, que requer acesso irrestrito às imagens e mapas utilizados pelos autores. Da mesma forma que o INPE colocou à disposição da comunidade científica as imagens e mapas utilizados para estimar o desmatamento na Amazônia, estamos solicitando reciprocidade a Asner et al. para ter acesso a seus dados.
4. Numa análise preliminar do artigo, verificamos existir várias inconsistências que indicam uma superestimativa das áreas sujeitas a corte seletivo. Apontamos a seguir algumas delas.
5. Estimativas do IMAZON indicam que a produção de madeira na Amazônia tem se mantido entre 28 milhões m3 de madeira em tora (dados de 1998) e 25 milhões m3 de madeira em tora (dados de 2004). A capacidade industrial de processamento de madeira é desta ordem e não teve crescimento significativo nos anos recentes. No entanto, Asner et al. afirmam que a produção de madeira em tora por corte seletivo seria de 50 milhões de m3 em 2000. Consideramos que este valor está superestimado. Sabe-se que 30% da produção de madeira em tora na Amazônia vem de áreas de corte raso. Também é conhecido que a madeira proveniente da várzea da calha do Amazonas contribui entre 10 e 20% da produção total. Logo, se a estimativa dos autores sobre a produção por corte seletivo estivesse correta, a produção total de madeira em tora seria de 75 milhões de m3 em 2000. Este valor é incompatível com a capacidade instalada da indústria madeireira na Amazônia. Também nos parece inverossímil uma variação de produção de madeira que oscile entre 50 milhões de m3 em 2000 para 30 milhões de m3 em 2001.
6. Mesmo na escala limitada do mapa que apresenta áreas de corte seletivo publicado em Asner et al. é possível observar várias inconsistências. Os autores apontam muitos locais de corte seletivo no interior das terras indígenas Menkragnoti e Kayapó, no sul do Pará. Estes locais são afloramentos rochosos onde a vegetação é esparsa. A experiência do INPE mostra que regiões de afloramento são sistematicamente confundidas com degradação florestal em imagens de satélite. Isto aponta para um erro na metodologia de Anser et al., que pode ter ocorrido também em outras áreas da Amazônia.
7. No centro-norte de Mato Grosso, na região adjacente ao parque nacional do Xingu, os autores também apresentam uma extensa área de corte seletivo. Esta área não corresponde ao padrão espacial típico de corte seletivo. Os autores apontam uma área de corte seletivo de 13.000 km2 em MT de um total de 20.000 km2 em toda a Amazônia para o ano de 2000. Nossa experiência indica tratar-se que esta proporção de 65% é irrealista e incompatível com a capacidade de processamento local. Os dados de campo indicam que o MT tem hoje uma participação da ordem de 30% na produção de madeira em tora na Amazônia (esta participação cresceu de 1998 para 2004).
8. No resumo do artigo, os autores afirmam que “a cada ano, são liberados na atmosfera 0.1 bilhões de toneladas de CO2 por corte seletivo, com um acréscimo de 25% em relação ao estimado por corte raso”. Este valor se baseia em extrapolações irrealistas. Os autores consideraram a maior estimativa de corte de um único ano no período analisado: 50 milhões de m3 de madeira em 2000. Como discutido acima, este valor está superestimado. Com base nesta superestimativa de um único ano, eles concluíram que a emissão anual de carbono seria de 0.1 bilhões de toneladas de CO2.
9. Como se sabe, após o corte seletivo ocorre um processo de regeneração na floresta. A regeneração tem por efeito a absorção de CO2 pelas árvores em crescimento. Embora os autores reconheçam este fato e afirmem que “a regeneração na floresta em áreas de corte seletivo reduz a emissão de CO2 para a atmosfera”, eles não quantificam esta redução.
10. As inconsistências por nós apontadas indicam a necessidade de uma cuidadosa revisão da metodologia e dos resultados do artigo, antes que suas conclusões possam servir de base para definição de políticas públicas na Amazônia. As equipes do INPE e do IMAZON deverão realizar esta tarefa, e para tanto já solicitaram aos autores o amplo acesso aos seus dados e resultados.
Referências
- Lentini, M., Veríssimo, A.; Pereira, D. “A Expansão Madeireira na Amazônia”, “O Estado da Amazônia, Boletim do IMAZON no.2, Maio 2005 (http://www.imazon.org.br/upload/ea_2p.pdf).
- Souza Jr., C. M.; Roberts, D.; Cochrane, M. “Combining spectral and spatial information to map canopy damage from selective logging and forest fires”. Remote Sensing of Environment (2005): in press.
- Souza Jr., C. M.; Roberts, D. “Mapping forest degradation in the Amazon region with Ikonos images”. International Journal of Remote Sensing of Environment, 26:425-429, 2003.
- “Monitoramento e caracterização de áreas submetidas à exploraçãoflorestal na amazônia por técnicas de detecção de mudanças”. Tese de Doutorado em Sensoriamento Remoto, Paulo Graça, INPE, 2005 (orientação de João Vianei Soares e João Roberto dos Santos).
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