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31 outubro 2005

GLOBALIZAÇÃO CIENTÍFICA: XENOFOBIA E LIBERDADE AINDA SÃO OBSTÁCULOS A SEREM VENCIDOS

Nós brasileiros temos um certo orgulho de saber que as pessoas de outros países nos vêem como um povo alegre, hospitaleiro e feliz, apesar de todos os problemas sociais e econômicos do país. Os turistas estrangeiros ficam encantados com a presteza, bondade e boa vontade do nosso povo em ajudar. É de nossa natureza se interessar em expandir amizades e mostrar o quanto o nosso país é grande, bonito e avançado. Isso nos gratifica. Eu sinto orgulho desse caráter do brasileiro. Fico ainda mais feliz quando leio na imprensa brasileira notas destacando o que a imprensa internacional publica sobre o jeito alegre de ser dos brasileiros.
E no campo científico? Será que isso se aplica? Existe a mesma relação “platônica” de admiração mútua?
Pelo que tenho observado, o mundo científico brasileiro é uma coisa à parte. Aqui são comuns a xenofobia, a desconfiança e o sentimento de inferioridade de grande parte da comunidade científica brasileira. A reboque sempre tem um ou outro jornalista fomentando esta tendência. Dá para entender em parte este sentimento e muitas vezes é difícil se livrar de certas manias. Mas nós vamos ter que mudar. Não tem jeito. No mundo atual, e no que vem pela frente, xenofobia vai ficar sem espaço. Todos nós vamos, gradativamente, deixar de ser cidadãos nacionais e passar a ser cidadãos do mundo. Como não dá para se livrar da xenofobia instantaneamente, tenho certeza que por um período incerto de tempo "nós", desta parte de cá do globo terrestre, iremos fazer questão de dizer que, embora cidadãos mundiais, somos parte da "civilização ocidental". “Eu não sou muçulmano, nem chinês e muito menos japonês!” alguns dirão.
Entretanto, a integração científica do país ao mundo globalizado é algo urgente porque bons cientistas não podem ser encontrados em quantidades generosas por ai. Leva algumas décadas e custa muito caro “lapidar” um cientista de primeira classe, destes que realmente fazem diferença. É como no futebol. Um time medíocre só pode ter a chance de chegar ao topo se tiver entre seus jogadores um craque excepcional. Sem ele o time vai ser sempre medíocre e jamais terá a chance de chegar ao topo.
Existem duas possibilidades de se “trazer” o craque para o time: torcer para que um deles seja revelado pelas equipes de base ou contratar um de fora. É a mesma coisa na ciência. E a pergunta que deve ser feita é: a gente vai querer ser sempre medíocre só porque não gosta de trazer “pessoas de fora”? É importante deixar claro que, assim como o futebol requer jogadores especializados em certas funções, na ciência a situação é a mesma. Existem diversas áreas nas quais o Brasil pode e dispõe de número e qualidade de pessoas para desenvolver atividades de ensino e pesquisa de nível mundial. Em outras, a situação é complicada.
O que fazer para minorar estas deficiências? Aqui as opções não são tão fáceis de serem escolhidas. Se fosse no futebol, você poderia investir nas equipes de base e aguardar alguns anos ou contratar o craque já formado. Você decide e você sofre as conseqüências.

A xenofobia brasileira

Lembro que alguns anos atrás houve um concurso público para admissão de professor no Departamento de Geografia da Universidade Federal do Acre (UFAC). A banca examinadora, com a autonomia que lhe é garantida pelas regras dos tais “concursos”, preferiu admitir um graduado, brasileiro, em detrimento à contratação de um pesquisador argentino com Doutorado e uma bagagem científica respeitadíssima, que, “instantaneamente” iria contribuir para um salto de qualidade do referido Departamento.
Ora, se a UFAC precisava contratar um professor, era porque ele estava em falta e provavelmente ela precisava se livrar dos professores com contratos temporários. Não sei ao certo o destino do graduado que foi contratado, mas tenho certeza que se ele ainda faz parte do quadro da UFAC e pensou no seu futuro profissional, certamente hoje ele não está dando as aulas que a UFAC precisa quando o contratou. Este graduado deve estar afastado, fazendo o seu mestrado ou doutorado e um professor temporário ainda deve estar ocupando o seu lugar. O Departamento de Geografia deve estar com os professores sobrecarregados e sendo criticado pela falta de professores.
E ainda existe uma incerteza: será que depois de conseguir o seu grau de Doutor o graduado vai querer continuar na UFAC? Com o diploma na mão ele pode pedir transferência ou prestar concurso em outra universidade no Brasil! Quem sabe? O Doutor argentino tinha demonstrado o seu interesse em “ficar” e essa era uma certeza importante para a UFAC. Além disso, ele já tinha estabelecido o seu nome e tinha reconhecida bagagem científica. Coisa que o graduado ia ter que levar mais uns 10 anos, enfrentando as dificuldades inerentes à instituições de pequeno porte como é o caso da UFAC.

Exemplo chinês: efeitos da falta de liberdade

Outros países agem de outras formas. A China, por exemplo, está recrutando pesquisadores de alto nível, a maioria de origem chinesa, que hoje trabalham nas universidades americanas. O fato de estarem dando preferência a pessoas de origem chinesa tem a ver com o patriotismo por que a maioria dos recrutados acredita que pode contribuir efetivamente para o rápido progresso de seu país. Embora desfrutem dos benefícios imediatos de agregar "pesos pesados" científicos em suas fileiras, no longo prazo os resultados talvez não sejam os esperados. É que além da competência, o pesquisador precisa de liberdade para produzir ciência de alto nível. No artigo “China Luring Scholars to Make Universities Great”, o repórter Howard H. French nos dá uma boa idéia do panorama vivido neste momento naquele país.
O programa Chinês pretende transformar as maiores universidades daquele país nas melhores do mundo em uma década. Para isso o país está gastando bilhões de dólares. É um dos mais recentes esforços da China para se transformar em grande potência mundial. O país já desenvolveu um dos mais impressionantes programas de expansão da educação superior dos tempos modernos. Não apenas aumentou a quantidade de alunos nas universidades, mas quintuplicou a quantidade de pessoas com grau de doutorado nos últimos dez anos. Eles aumentaram de 1,4% em 1978 para cerca de 20% hoje, a quantidade de alunos engajados nas universidades. Somente na área de engenharia, o país esta formando anualmente 442.000 profissionais, além de 48.000 mestres e 8.00 Ph.Ds. Na visão dos chineses, universidades de primeira classe refletem de uma maneira geral o poder do país.
A importação de pesquisadores “estrangeiros” é simples: recrutam os melhores lá fora, dão a eles laboratórios bem equipados, os melhores estudantes e liberdade “técnica” para desenvolver suas atividades. Em alguns casos pagam salários equivalentes aos dos americanos, em outros, os pesquisadores estão indo por conta do baixo custo de vida, moradia e laboratórios oferecidos.
Eles estão dando prioridade às áreas de ciência e tecnologia aplicada. Recentemente, Xu Tian, um famoso geneticista formado na Universidade de Yale, conseguiu publicar um artigo científico que foi capa da revista Cell, a primeira vez para um cientista chinês. Os dirigentes da Universidade de Beijing estimam que cerca de 40% de seus professores foram formados no exterior, a maioria nos EUA. Uma das vantagens do programa chinês são os baixos custos. Enquanto nos EUA se gastam cerca de US$1500/m² na construção de laboratórios, na China o custo é de apenas US$150.

Críticas à velocidade do processo e à falta de liberdade

Alguns críticos afirmam que o país está tentando atingir a excelência científica em muitas áreas ao mesmo tempo e por isso duplicando esforços e sacrificado a qualidade. Outra crítica diz respeito à falta de liberdade nas Universidades chinesas. Também existe muita cobrança por produção científica. Exatamente como no Brasil.
"Em Princeton um matemático ficou nove anos sem publicar um artigo científico e então resolveu um problema da matemática que intrigou os pesquisadores durante 360 anos" diz Yang Fujia, Reitor da Universidade de Fudan, se referindo ao trabalho de Andrew J. Wiles, que solucionou o último teorema de Fermat no começo dos anos 90.
Da mesma forma, Ge Jianxiong, geógrafo da Universidade de Fudan, acha que a cultura chinesa sempre espera resultados rápidos, que pode prejudicar o trabalho da pesquisa. "Na China os projetos são sempre de curto prazo, coisa de três anos" diz o pesquisador. A falta de liberdade acadêmica é outro fator que incomoda os acadêmicos. "Ao final das pesquisas, as autoridades querem que seja publicado um livro, um livro bem volumoso. Em pesquisa real é preciso liberdade para produzir bons resultados e não apenas os resultados que eles querem". Ele acha que a educação tem sofrido por que sempre foi vista como um instrumento pelos políticos
O governo Chinês também censura os grupos de discussão e recentemente proibiu os estudantes da Universidade de Zhongshan de conversar livremente com os Administradores eleitos da ilha de Hong Kong. Os estudantes não são encorajados a desafiar as autoridades ou ordens recebidas. Para alguns, isso ajuda a explicar o porque de nunca um Chinês ter ganho o prêmio Nobel. De acordo com alguns acadêmicos chineses, o que mais se precisa são pesquisadores com opiniões fortes e originais.
"A mais importante coisa que foi feita nos últimos 20 anos foi tirar da pobreza 200 milhões de pessoas” diz o pesquisador Xu Tian. "O que o país ainda não conseguiu ver, entretanto, é que se ele pretende dar o próximo passo em direção a um nível mais elevado, é preciso entender que apenas números não são o suficiente”.

Leitura recomendada:
China Luring Foreign Scholars to Make Its Universities Great
By HOWARD W. FRENCH
Published: October 28, 2005
The New york Times

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

O Dr. Edgardo Latrubesse obteve o grau de Doutor na Universidad de San Luis, Argentina. O Tema de sua tese foi a evolução geomorfológica da região do Rio Purus-Acre. Tive o prazer de compartilhar com o Dr. Latrubesse, viagens de campo e muitas discussões científicas. Publicamos, em conjunto, artigos especializados sobre a geomorfologia e a paleontologia dos Rios Moa e Juruá. Foi uma grande perda para a ciência regional. Hoje o Dr. Latrubesse é Professor na Universidade Federal de Goiás, onde ingressou por concurso.

01/11/2005, 06:48  

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