Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

01 novembro 2005

USO RELIGIOSO DE DAIME NOS EUA: SUPREMA CORTE AMERICANA COMEÇA A DECIDIR HOJE

No domingo passado o jornal diário religioso americano “The Christian Science Monitor” informou que hoje, 01/10, a suprema corte americana vai começar a ouvir os argumentos orais do caso envolvendo a seita religiosa “União do Vegetal” (UDV), originária do Brasil e adepta do uso de um chá com poderes alucinógenos conhecido como santo Daime. Este caso pode ter implicações para outras religiões minoritárias dos EUA e vai colocar frente a frente a lei americana antidrogas (Controlled Substances Act-CSA) e a lei americana que protege a liberdade religiosa (Religious Freedom Restoration Act-RFRA). Segundo esta última lei, criada em 1993, o governo federal americano é obrigado a justificar qualquer medida que possa afetar de forma substancial a habilidade de qualquer pessoa de praticar a sua religião.

“O que acontece quando uma cerimônia religiosa requer o consumo de substância considerada fora da lei pela legislação antidrogas?” Esta é a essência do caso Gonzalez versus O Centro Espírita Beneficente União Do Vegetal (UDV).

Embora o caso envolva o uso de drogas (assim considerada pela lei americana), a maneira como a alta corte vai resolver a matéria poderá ter impacto em uma grande variedade de grupos religiosos nos EUA que dependem da estrita aplicação da lei que garante a liberdade religiosa para praticar a sua fé, livre da interferência governamental. Se a lei antidrogas prevalecer, outras leis talvez venham a ser aplicadas, de tal forma que a liberdade religiosa vai estar seriamente comprometida, dizem alguns analistas. Outros analistas acreditam que se o “Religious Freedom Restoration Act” puder ser invocado para burlar a legislação criminal nacional, trará muitas complicações legais e enfraquecerá de forma considerável a aplicação da lei federal antidrogas.
O caso envolve uma filial americana da igreja União do Vegetal que possui 130 membros e está baseada no estado do Novo México. Como é do conhecimento da maioria dos brasileiros, os seguidores da seita União do Vegetal acreditam que o uso religioso do chá em suas cerimônias ajuda na conexão dos fiéis com deus. O consumo do chá é o principal ritual de sua celebração de fé e alguns analistas acreditam que o uso do chá durante os rituais é equivalente ao do vinho consagrado durante as missas da igreja católica. O problema é que o chá, feito a partir de duas plantas encontradas na região amazônica, contém um alucinógeno banido nos EUA.
Quando os agentes antinarcóticos americanos descobriram este fato eles confiscaram todo o estoque de chá da igreja e barraram futuras importações do Brasil. Além disso ameaçaram processar os membros do grupo caso eles tentassem burlar a lei. O grupo religioso contra-atacou abrindo um processo na justiça argumentando que o governo estava infringindo seus direitos religiosos porque bloqueava um aspecto fundamental da celebração religiosa: o consumo do chá.
Um juiz federal e, posteriormente, um tribunal de apelação, concordaram com o grupo e emitiram uma ordem preliminar contra o governo, barrando qualquer proibição governamental para a prática religiosa do grupo até a decisão final do processo. Com isto, o uso do chá de daime foi alçado temporariamente à condição de “bebida religiosa”, de forma similar ao que temos no Brasil, onde a mesma não é considerada droga ilícita.

O argumento do Governo Federal Americano

Ao apelar para a Suprema Corte, o governo do presidente Bush argumentou que o maior interesse do governo é a aplicação de forma eqüitativa da lei nacional antidrogas. De acordo com o documento governamental apresentado em corte, o Congresso Americano havia determinado o banimento categórico da substância alucinógena (componente do chá) como forma de proteção contra os efeitos deletérios à saúde e a segurança do povo americano, incluindo a dos próprios seguidores americanos da União do Vegetal. "Motivações religiosas não devem mudar a ciência" escreve o Procurador Geral do governo, Paul Clement, no seu documento para a corte.
O governo também argumenta que o banimento da substância é necessário para prevenir a sua entrada no mercado nacional americano de drogas ilícitas. Além disso, é necessário que o governo americano cumpra os tratados internacionais que baniram o tráfico de substâncias narcóticas e psicotrópicas.
Os advogados do grupo religioso contra argumentam dizendo que o Congresso Americano aprovou o “Religious Freedom Restoration Act” depois da aprovação do “Controlled Substances Act” e, como a legislação religiosa se aplica a toda as leis federais, é necessário que o governo faça uma espécie de “acomodação religiosa” e não criminal do uso do chá. Segundo eles, este é um caso específico e que precisa ser avaliado cuidadosamente. Como exemplo eles citam o uso religioso do “peyote”, uma substância usada há milhares de anos pelos nativos americanos em suas celebrações religiosas, que também foi banida pela lei antidrogas. Para legalizar o seu uso, o congresso Americano criou uma exceção específica para esta substância.
A advogada do grupo religioso, Nacy Hollander, acusa o governo de agir de forma precipitada e sem objetividade com os fatos ao dizer que existem efeitos adversos à saúde dos membros do grupo quando usam o chá durante as celebrações religiosas. Ela diz que o único estudo feito quando o chá é usado estritamente de forma religiosa demonstrou que não existem maiores problemas para a saúde dos usuários.
Quanto ao potencial do chá passar a ser comercializada de forma ilícita para uso não religioso, ela diz que o uso do chá durante as cerimônias é muito controlado e o consumo do mesmo fora das celebrações religiosas é considerado um sacrilégio. A advogada acrescenta que ainda não houve nenhuma condenação de pessoas por tentativa de tráfico da substância alucinógena contida no chá desde que a mesma foi introduzida nos EUA há 27 anos.
Ela diz que os argumentos do governo quanto à preocupação do cumprimento dos tratados internacionais são também pouco convincentes pois os tratados não se aplicam aos chás de uso religioso. Além disso, outros tratados assinados pelos EUA requerem que os signatários respeitem e acomodem as práticas religiosas de cada um deles.
A igreja que publica o jornal "The Christian Science Monitor", a “Primeira Igreja de Cristo”, baseada em Boston, deixa claro que “embora nossa igreja apóie os argumentos legais do caso, nem a igreja, nem a teologia da ciência cristã apóia o uso de drogas ou qualquer outra substância material usada como auxílio ou caminho para a espiritualidade ou melhor entendimento de deus”.

Leitura recomendada:
On docket: religious freedom vs. drug laws
By
Warren Richey, Staff writer of The Christian Science Monitor
from the October 31, 2005 edition