DESVENDANDO OS SEGREDOS DA VITÓRIA RÉGIA
COMO CONSEGUE FLUTUAR?
POR QUE NÃO AFUNDA QUANDO FICA EXPOSTA A CHUVAS TORRENCIAIS?
PODE SER LEVADA PELAS CORRENTES DE ÁGUA?
Luís Mansuêto, 17.04.2006
www.inpa.gov.br
Encontrar formas de sobreviver aos ataques dos inimigos não é somente uma estratégia humana, também faz parte do reino vegetal. Para conseguir resistir às incursões, as plantas adotam mecanismos eficientes, pois também precisam alimentar-se e reproduzirem-se. Algumas possuem sistemas simples, enquanto outras, como, por exemplo, a Victoria amazonica, desenvolvem verdadeiras adaptações ecológicas que mais parecem um sistema anti-guerra.
O trabalho de mestrado “Aspecto do Desenvolvimento Foliar, Morfologia da Flor, Fruto, Semente, Plântula e Germinação da Victoria amazonica”, elaborado pela pesquisadora Sônia Maciel da Rosa Osman, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), apresenta alguns desses aspectos curiosos das adaptações ecológicas da planta nesse ambiente inóspito. O trabalho foi realizado sob a orientação da pesquisadora Dra. Maria Teresa Fernandez Piedade.
Ela explicou que a Victoria amazonica é uma planta típica da região Norte e faz parte da cultura dos caboclos. “A planta é encontrada em lago de igapó (águas pretas ou claras), como o Aninga, localizado no município de Parintins, e em lago de várzea (águas brancas ou barrentas), como o da Felicidade, localizado em Manaus, próximo do encontro das águas”, afirmou.
Segundo a pesquisadora, ao observar a planta flutuando pelo lago, um turista ou caboclo da região não imagina como isso é possível. Osman explicou que no interior da folha existem diversas células em forma de estrela (esclereide) que ligam a parte inferior à superior, além de permitir que os tecidos contendo ar (aerênquima) circulem por dentro, impedindo que ela afunde. Ou seja, funciona como um emaranhado de orifícios em um isopor facilitando a “circulação do ar” por dentro dos tecidos.
Agora, imagine o que a planta precisou desenvolver, ao longo dos séculos, para manter seus inimigos bem distante! Conseguiu? Não? Para isso, ela é cercada por dezenas de espinhos. Eles funcionam como uma muralha ao redor de sua raiz (no formato de bulbos ou batatas fincada no fundo do lago) de onde sai uma espécie de tendão (pecíolo). Ele também tem o papel de transportar o alimento até a folha. Seu tamanho varia de três a oito metros de comprimento, conforme o nível das águas. “O pecíolo é flexível. Ele impede que a folha se separe de sua raiz durante uma tempestade. É como se dentro dele existisse um elástico”, explicou.
Osman contou que os espinhos não são encontrados somente no pecíolo. Ela disse que quem já teve a oportunidade de segurar uma Victoria amazonica nas mãos sentiu a presença deles na parte inferior. Nesse caso, eles têm duas funções. A primeira, evitar que a folha seja devorada por animais aquáticos. A segunda, impedir que a folha fique em contato direto com água, caso contrário, o aspecto dela não seria nada agradável. Um outro parceiro dos espinhos nesse mesmo processo são os micro-pêlos que funcionam como impermeabilizantes.
Mesmo vivendo em ambiente aquático, a folha da Victoria amazonica “faz qualquer negócio” para evitar que a água fique permanentemente sobre a superfície. Ela possui mais de 11 canais por cm². Eles funcionam como canais auxiliares no escoamento da água residual da chuva para o lago. Além disso, existem duas fendas laterais para ajudar na saída da água por uma calha que fica no meio da folha. E não para por aí. Segundo a pesquisa, a folha é cercada por bordas laterais (de 2 a 12 cm de altura) que impedem o refluxo da água do lago. “Dessa forma ela mantém-se sempre bela”, ressaltou.
O projeto foi desenvolvido em parceria com o Instituto Max- Planck de Limnologia, cuja sede é na Alemanha, mas que há mais de 35 anos conta com uma base de pesquisas no Inpa. O trabalho teve início em 2004 e foi defendido recentemente. Contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
Sobrevivendo - A semente liberada pela Victoria amazonica é envolta por uma espécie de esponja. Ela permite sua flutuação no lago. Na época da vazante, a semente fixa-se no solo barrento, apesar das adversidades, como a baixa quantidade de oxigênio e falta de luz solar. “Conseguimos simular em laboratório a situação encontrada no ambiente natural e a planta germinou, com apenas 4,7% de oxigênio”, destacou.
Curiosidades - A maior folha de Victoria amazonica foi encontrada em lago de igapó (possui poucos nutrientes) e tinha 2,1 metros de diâmetro. Segundo a pesquisadora, isso comprova que a planta não precisa de muito alimento para desenvolver-se. “Ela armazena os nutrientes em um reservatório (rizoma)”, explicou. Já a folha da planta é utilizada por grupos indígenas como laxante, além de ter propriedades cicatrizantes. “Os índios a utilizam para dar brilho e tingir o cabelo”, destacou. Tudo da planta é aproveitado, pois tanto a semente quanto o rizoma são comestíveis. Eles são ricos em ferro e amido.
O primeiro nome da Victoria amazonica foi Victoria régia, em homenagem à rainha da Inglaterra. Após 1850, foi alterado para o nome pelo o qual a planta é conhecida atualmente. A mudança foi feita por um pesquisador chamado Sowerby. Durante o desenvolvimento, ela assume várias formas que despertam a atenção de pesquisadores e turistas. “Quando jovem ela tem o formato de um coração”, contou.
A pesquisadora explicou que a planta é muito admirada pelos turistas devido à sua exuberância. Existem relatos que afirmam que ela suporta um homem em cima de sua superfície. Todavia, isso não é verdade. Osman disse que ela suporta apenas o peso do jaçanã (pássaro da região), que as utiliza para fazerem o ninho. A pesquisadora alertou que a Victoria amazonica vem sofrendo forte pressão humana, o que tem ocasionado a diminuição da quantidade de sementes produzidas. “Em alguns locais, moradores estão aplicando veneno na planta para impedir a ação de animais. Isso tem ocasionado problemas em seu desenvolvimento. Antes ela era encontrada na Ilha da Marchataria, mas não é mais”, enfatizou.
A Victoria amazonica é conhecida em países como Portugal, Inglaterra e França, onde são cultivadas para fins ornamentais. Elas também são cultivadas no Rio de Janeiro e em Santa Catarina. Pesquisadores em São Paulo estão tentando reproduzi-las para objetivos comerciais. “Nossa intenção é que no futuro possamos modificá-la geneticamente. A idéia é fazer mini-victorias para serem criadas em aquários”, ressaltou, acrescentando que alguns cuidados devem ser seguidos como manter o aquário a 29ºC para que elas não morram.
Crédito das imagens:
1a. Site Inpa
2a. Site Terra Brasileira
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COMENTÁRIOS
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Alceu Ranzi disse...
Vale acrescentar que a orientadora Dra.Maria Tereza Fernandez Piedade inicou sua carreira no Acre e aqui ficou conhecida como Maitê. A Maitê foi professora de muitos dos atuais professores do DCN/PZ-UFAC.
Evandro Ferreira disse...
Alceu,
Tive o prazer de conhecer a professora Maitê na época em que ela vivia no Acre, no começo da década de 80. Seu marido, o Rubens, foi meu professor de química orgânica em 1983, quando eu cursava Agronomia. Quanto ao trabalho dela, o que posso dizer é que sua tese de doutorado - sobre a predação de frutos de palmeira "Juari" (Astrocaryum jauari) por peixes, entre eles o tambaqui - era uma das preferidas do meu orientador, Dr. Andrew Henderson. Ele sempre achou que o trabalho dela foi "demais".
POR QUE NÃO AFUNDA QUANDO FICA EXPOSTA A CHUVAS TORRENCIAIS?
PODE SER LEVADA PELAS CORRENTES DE ÁGUA?
Luís Mansuêto, 17.04.2006
www.inpa.gov.br
Encontrar formas de sobreviver aos ataques dos inimigos não é somente uma estratégia humana, também faz parte do reino vegetal. Para conseguir resistir às incursões, as plantas adotam mecanismos eficientes, pois também precisam alimentar-se e reproduzirem-se. Algumas possuem sistemas simples, enquanto outras, como, por exemplo, a Victoria amazonica, desenvolvem verdadeiras adaptações ecológicas que mais parecem um sistema anti-guerra.
O trabalho de mestrado “Aspecto do Desenvolvimento Foliar, Morfologia da Flor, Fruto, Semente, Plântula e Germinação da Victoria amazonica”, elaborado pela pesquisadora Sônia Maciel da Rosa Osman, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), apresenta alguns desses aspectos curiosos das adaptações ecológicas da planta nesse ambiente inóspito. O trabalho foi realizado sob a orientação da pesquisadora Dra. Maria Teresa Fernandez Piedade.
Ela explicou que a Victoria amazonica é uma planta típica da região Norte e faz parte da cultura dos caboclos. “A planta é encontrada em lago de igapó (águas pretas ou claras), como o Aninga, localizado no município de Parintins, e em lago de várzea (águas brancas ou barrentas), como o da Felicidade, localizado em Manaus, próximo do encontro das águas”, afirmou.
Segundo a pesquisadora, ao observar a planta flutuando pelo lago, um turista ou caboclo da região não imagina como isso é possível. Osman explicou que no interior da folha existem diversas células em forma de estrela (esclereide) que ligam a parte inferior à superior, além de permitir que os tecidos contendo ar (aerênquima) circulem por dentro, impedindo que ela afunde. Ou seja, funciona como um emaranhado de orifícios em um isopor facilitando a “circulação do ar” por dentro dos tecidos.
Agora, imagine o que a planta precisou desenvolver, ao longo dos séculos, para manter seus inimigos bem distante! Conseguiu? Não? Para isso, ela é cercada por dezenas de espinhos. Eles funcionam como uma muralha ao redor de sua raiz (no formato de bulbos ou batatas fincada no fundo do lago) de onde sai uma espécie de tendão (pecíolo). Ele também tem o papel de transportar o alimento até a folha. Seu tamanho varia de três a oito metros de comprimento, conforme o nível das águas. “O pecíolo é flexível. Ele impede que a folha se separe de sua raiz durante uma tempestade. É como se dentro dele existisse um elástico”, explicou.
Osman contou que os espinhos não são encontrados somente no pecíolo. Ela disse que quem já teve a oportunidade de segurar uma Victoria amazonica nas mãos sentiu a presença deles na parte inferior. Nesse caso, eles têm duas funções. A primeira, evitar que a folha seja devorada por animais aquáticos. A segunda, impedir que a folha fique em contato direto com água, caso contrário, o aspecto dela não seria nada agradável. Um outro parceiro dos espinhos nesse mesmo processo são os micro-pêlos que funcionam como impermeabilizantes.
Mesmo vivendo em ambiente aquático, a folha da Victoria amazonica “faz qualquer negócio” para evitar que a água fique permanentemente sobre a superfície. Ela possui mais de 11 canais por cm². Eles funcionam como canais auxiliares no escoamento da água residual da chuva para o lago. Além disso, existem duas fendas laterais para ajudar na saída da água por uma calha que fica no meio da folha. E não para por aí. Segundo a pesquisa, a folha é cercada por bordas laterais (de 2 a 12 cm de altura) que impedem o refluxo da água do lago. “Dessa forma ela mantém-se sempre bela”, ressaltou.
O projeto foi desenvolvido em parceria com o Instituto Max- Planck de Limnologia, cuja sede é na Alemanha, mas que há mais de 35 anos conta com uma base de pesquisas no Inpa. O trabalho teve início em 2004 e foi defendido recentemente. Contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
Sobrevivendo - A semente liberada pela Victoria amazonica é envolta por uma espécie de esponja. Ela permite sua flutuação no lago. Na época da vazante, a semente fixa-se no solo barrento, apesar das adversidades, como a baixa quantidade de oxigênio e falta de luz solar. “Conseguimos simular em laboratório a situação encontrada no ambiente natural e a planta germinou, com apenas 4,7% de oxigênio”, destacou.
Curiosidades - A maior folha de Victoria amazonica foi encontrada em lago de igapó (possui poucos nutrientes) e tinha 2,1 metros de diâmetro. Segundo a pesquisadora, isso comprova que a planta não precisa de muito alimento para desenvolver-se. “Ela armazena os nutrientes em um reservatório (rizoma)”, explicou. Já a folha da planta é utilizada por grupos indígenas como laxante, além de ter propriedades cicatrizantes. “Os índios a utilizam para dar brilho e tingir o cabelo”, destacou. Tudo da planta é aproveitado, pois tanto a semente quanto o rizoma são comestíveis. Eles são ricos em ferro e amido.
O primeiro nome da Victoria amazonica foi Victoria régia, em homenagem à rainha da Inglaterra. Após 1850, foi alterado para o nome pelo o qual a planta é conhecida atualmente. A mudança foi feita por um pesquisador chamado Sowerby. Durante o desenvolvimento, ela assume várias formas que despertam a atenção de pesquisadores e turistas. “Quando jovem ela tem o formato de um coração”, contou.
A pesquisadora explicou que a planta é muito admirada pelos turistas devido à sua exuberância. Existem relatos que afirmam que ela suporta um homem em cima de sua superfície. Todavia, isso não é verdade. Osman disse que ela suporta apenas o peso do jaçanã (pássaro da região), que as utiliza para fazerem o ninho. A pesquisadora alertou que a Victoria amazonica vem sofrendo forte pressão humana, o que tem ocasionado a diminuição da quantidade de sementes produzidas. “Em alguns locais, moradores estão aplicando veneno na planta para impedir a ação de animais. Isso tem ocasionado problemas em seu desenvolvimento. Antes ela era encontrada na Ilha da Marchataria, mas não é mais”, enfatizou.
A Victoria amazonica é conhecida em países como Portugal, Inglaterra e França, onde são cultivadas para fins ornamentais. Elas também são cultivadas no Rio de Janeiro e em Santa Catarina. Pesquisadores em São Paulo estão tentando reproduzi-las para objetivos comerciais. “Nossa intenção é que no futuro possamos modificá-la geneticamente. A idéia é fazer mini-victorias para serem criadas em aquários”, ressaltou, acrescentando que alguns cuidados devem ser seguidos como manter o aquário a 29ºC para que elas não morram.
Crédito das imagens:
1a. Site Inpa
2a. Site Terra Brasileira
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COMENTÁRIOS
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Alceu Ranzi disse...
Vale acrescentar que a orientadora Dra.Maria Tereza Fernandez Piedade inicou sua carreira no Acre e aqui ficou conhecida como Maitê. A Maitê foi professora de muitos dos atuais professores do DCN/PZ-UFAC.
Evandro Ferreira disse...
Alceu,
Tive o prazer de conhecer a professora Maitê na época em que ela vivia no Acre, no começo da década de 80. Seu marido, o Rubens, foi meu professor de química orgânica em 1983, quando eu cursava Agronomia. Quanto ao trabalho dela, o que posso dizer é que sua tese de doutorado - sobre a predação de frutos de palmeira "Juari" (Astrocaryum jauari) por peixes, entre eles o tambaqui - era uma das preferidas do meu orientador, Dr. Andrew Henderson. Ele sempre achou que o trabalho dela foi "demais".
2 Comments:
Vale acrescentar que a orientadora Dra.Maria Tereza Fernandez Piedade inicou sua carreira no Acre e aqui ficou conhecida como Maitê. A Maitê foi professora de muitos dos atuais professores do DCN/PZ-UFAC.
Alceu,
Tive o prazer de conhecer a professora Maitê na época em que ela vivia no Acre, no começo da década de 80. Seu marido, o Rubens, foi meu professor de química em 1983.
Quanto ao trabalho dela, o que posso dizer é que sua tese de doutorado - sobre a predação de frutos de palmeira (Astrocaryum jauari) por peixes, entre eles o tambaqui - era uma das preferidas do meu orientador, Dr. Andrew Henderson. Ele sempre achou que o trabalho dela foi "demais".
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