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24 julho 2006

SERINGUEIROS ACREANOS: LIDERANÇAS, ESTRATÉGIAS, VISIBILIDADE, REIVINDICAÇÕES E AMBIENTALISMO

Parte 3

Direitos à floresta e ambientalismo: seringueiros e suas lutas (*)

Mauro W. Barbosa de Almeida
Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP

(*) Originalmente publicado na Rev. Bras. Ci. Soc. vol.19 no.55, São Paulo, Junho de 2004.

Na realidade, o encontro de Brasiléia foi muito além do que deslocar a atenção dos sindicalistas do problema da produção de borracha para o tema da conservação da floresta. Os participantes definiram ali o que seriam as "reservas extrativistas", anunciadas em 1985: terras da União (formulação inspirada no modelo das reservas indígenas) sobre as quais os trabalhadores teriam direito perpétuo de usufruto. Essa solução resultou de uma discussão detalhada de alternativas, que incluíram desde a propriedade individual de colocações até a propriedade condominial. Nenhuma das alternativas, porém, bloqueava o risco de venda de terras para fazendeiros, e isso foi o que pesou no momento de circunscrever as características que deveriam ter as reservas extrativistas.

Qualquer seringueiro que vendesse sua terra colocaria em risco a dos vizinhos. Só a ocupação coletiva e sem possibilidade de comercializar a terra evitaria a tragédia da privatização da natureza que assolava os seringueiros de Xapuri e Brasiléia. As reuniões do Conselho eram dispendiosas, envolvendo líderes de muitos municípios acreanos (todos da bacia do rio Purus-Acre) e também do estado do Amazonas e de Rondônia. Além disso, os sindicatos rurais do Acre tinham problemas financeiros crônicos, o que não representava uma exceção no quadro nacional. Nesse contexto, os "assessores" do Conselho encaminharam um ambicioso projeto que previa cerca de 100 mil dólares para financiar a mobilização de seringueiros e sua organização em escala amazônica. Em fevereiro de 1988, o CNS foi informado de que a Cebemo havia aceitado financiar integralmente a proposta.

Nesse ano, Chico Mendes tornou-se o líder do Conselho, que passou a ser uma identidade organizacional adequada ao crescimento do círculo de alianças promovido por Chico Mendes. Além da União das Nações Indígenas, liderada por Aílton Krenak, com quem Chico havia lançado a "Aliança dos Povos da Floresta", os aliados incluíam ainda o Partido Verde, organizações não-governamentais brasileiras (Instituto de Estudos Amazônicos, dirigido por Mary Allegretti) e do exterior (Environmental Defense Fund, em que atuava Stephan Schwartzman). Allegretti, que desde 1985 vinha se dedicando intensivamente na divulgação da proposta de reservas extrativistas, conseguiu dar passos importantes para sua implementação no interior do Incra, em 1987.

Com recursos próprios, o Conselho passou a ter autonomia para realizar encontros em vários estados da Amazônia. Nesses encontros novos sindicatos rurais foram fundados (como em Assis Brasil) ou fortaleciam-se os já existentes, e eram discutidos os problemas locais da categoria, assim como a proposta de reforma agrária dos seringueiros, a reserva extrativista. O CNS tornou-se uma entidade jurídica em meados de 1988, em meio à intensa atividade de suas lideranças, como Chico Mendes, Osmarino Amâncio Rodrigues, Raimundo Mendes, entre outros. Chico Mendes saia de encontros em Washington para fazer "empates" em Xapuri, e nos entremeios estabelecia uma rede de conexões com sindicalistas e ativistas ambientais. A estratégia geral consistia, por um lado, fortalecer a organização (sindical e cooperativa) e as lutas locais ("empates"); por outro, alcançar a meta da criação das reservas extrativistas com a desapropriação das florestas "griladas", das quais fazendeiros procuravam expulsar os moradores.

Quando Chico Mendes foi assassinado por fazendeiros em dezembro de 1988, o movimento dos seringueiros tinha adquirido um novo perfil de organização – uma combinação de sindicatos (formalmente confederados na Contag) com uma organização (Conselho) que contava com aliados ambientalistas e que tinha recursos próprios. As lideranças eram as mesmas, mas a atuação do CNS tornava possível aos seringueiros atuar em um campo mais amplo de discussão.
Após o assassinato de Chico Mendes, o Conselho, reunido em 1989, estabeleceu pela primeira vez um estatuto, no qual foram claramente definidas suas relações com o movimento sindical. Tratava-se de uma associação civil, sem subordinação partidária ou sindical, em que os membros poderiam ser "trabalhadores extrativistas" em sentido amplo, de modo a incluir pequenos agricultores amazônicos, pescadores e quilombolas. Um traço essencial definido pelo estatuto foi de que o Conselho não seria uma organização de massa, não recrutaria "membros", não emitiria carteirinha, não daria benefícios individuais nem cobraria anuidades. Isso claramente o distinguia de uma organização sindical, o que não o impedia de ser uma organização de apoio aos sindicatos; ademais, afirmava-se como um agente capaz de propor políticas públicas e de executá-las na forma de projetos. Não havendo eleições gerais, o órgão era composto por cerca de quarenta conselheiros eleitos por comissões municipais (oito titulares e oito suplentes por município).

A criação de reservas extrativistas foi incluída no estatuto como um objetivo da organização. Portanto, o que estava em questão era a possibilidade de negociar com maior poder de pressão. Não se tratava de abandonar a estratégia defensiva e local dos "empates", mas de ampliar sua ação para uma estratégia ofensiva e global no sentido de preservar as florestas da especulação e da destruição. Em suma, tratava-se de bloquear a acumulação primitiva. Mas isso transformou a identidade do movimento. Os líderes seringueiros recusaram-se a permanecer isolados, e criaram uma ponte entre as lutas que continuavam a ser travadas em escala local, como as "greves" no rio Tejo, e um movimento em âmbito nacional.

Antônio Macedo

Ao reunir-se em fevereiro 1988 em Rio Branco para planejar as atividades do ano, uma das decisões importantes tomadas pelo Conselho, com apoio direto de Chico Mendes, foi convidar Antônio Macedo para integrar seus quadros. Macedo havia sido seringueiro no vale do Juruá em sua infância, e desde então passara por uma série de profissões, entre as quais as de piloto fluvial, mecânico de máquinas pesadas e agricultor de projetos de assentamento. Seu emprego mais recente havia sido de sertanista na Funai, onde criou cooperativas, trabalhou na demarcação de terras e foi responsável pela condenação de Orleir Cameli pela exploração criminosa de madeira das terras Ashaninka – razão para manobras que levaram à sua demissão do cargo, ao qual ele voltaria, anistiado, no final da década de 1990.

A primeira tarefa de Macedo, em março de 1988, foi visitar o rio Tejo, onde contatou Chico Ginu (que atuava no alto Tejo) e Damásio (que atuava no médio Tejo), ambos delegados sindicais. Em julho, Macedo publicou na imprensa da capital acreana uma proposta para a criação de uma reserva extrativista no rio Tejo. Nesse ano, vale lembrar que se falava muito do assunto no Acre. Em janeiro desse mesmo ano, por exemplo, o governador do Acre, Flaviano de Melo, havia anunciado a criação da reserva extrativista do São Luís do Remanso na presença de representantes de bancos multilaterais com o objetivo de apaziguar a oposição ao financiamento da BR-364. Nesse contexto, membros da secretaria de planejamento do Estado apoiaram a idéia, e a economista Adir Gianinni, do BNDES, entrou em contato com Macedo para estimulá-lo a encaminhá-la ao Congresso na forma de projeto.

Chico Mendes, em reunião realizada em agosto de 1988, argumentou em favor da idéia de apresentar ao BNDES uma proposta de Plano de Desenvolvimento Comunitário para Reserva Extrativista da Bacia do Rio Tejo, que havia sido preparado a partir das idéias de Macedo e com a colaboração de um antropólogo. A posição de Chico Mendes foi decisiva, já que se tratava de um passo que para alguns parecia um desvio em relação às práticas normais de uma organização de trabalhadores. Eis o problema: o Conselho deveria limitar-se a canalizar recursos para as lutas sindicais de resistência, ou poderia atuar como uma agência de captação de recursos e implementação de projetos. A decisão de apoiar o projeto do rio Tejo foi crucial para que a organização começasse a atuar na segunda direção. Cabe aqui acentuar que o eixo do Plano de Desenvolvimento Comunitário era a criação de uma cooperativa de seringueiros em uma região onde imperava o regime de barracão, isto é, o regime de monopólio comercial imposto pela violência. Dessa forma, o "plano de desenvolvimento" era de fato o financiamento de uma luta de enfrentamento direto com o regime dos seringais em seu traço essencial: a exploração de seringueiros por meio do monopólio e da violência.

Na esteira do assassinato de Chico Mendes em dezembro de 1988, o BNDES aprovou o Projeto. A dotação a fundo perdido previa cerca de US$70,000 para a infra-estrutura da cooperativa, como, por exemplo, a compra de barcos, e o capital de giro necessário para fazê-la funcionar, não incluindo aí outros componentes do projeto como educação e saúde. Em conseqüência, em março de 1989 as lutas locais dos seringueiros do rio Tejo adquiriram um caráter completamente diferente. O Conselho tinha um grande estoque de mercadorias destinadas a inundar o próprio coração dos barracões.

Orleir Cameli de imediato se deu conta da ameaça. Iniciou uma campanha na imprensa contra Macedo, que sofreu diversos atentados contra sua vida, e agressões físicas do próprio Cameli, e organizou um boicote comercial em Cruzeiro do Sul contra a cooperativa. O passo mais importante, tomado com apoio da UDR, foi um interdito proibitório visando a impedir o acesso físico de Macedo e de Chico Ginu ao rio Tejo (houve também interpelação judicial do antropólogo-assessor). Os advogados da UDR argumentaram que a implantação da cooperativa quebraria uma tradição centenária de abastecimento dos seringais pelos patrões, que ficariam inadimplentes junto ao Banco do Brasil, com resultados desastrosos para a economia regional. De fato, achavam natural que os empréstimos generosos do Banco do Brasil, a taxas de juros reais negativas, fossem adquiridos usando como caução a borracha a ser produzida pelos seringueiros, já que inexistiam títulos de propriedade para apresentar como garantia.

Nos seringais, espalhavam-se boatos segundo os quais Macedo estaria vendendo a terra para "gringos", que a transformariam numa "reserva". Ou ainda de que Macedo era o diabo, o cão – havia quem o testasse, oferecendo a água benta do irmão José. Macedo, por sua vez, atuava nos seringais usando armas semelhantes. Dizia-se que ele era capaz de fazer com que patrões se ajoelhassem para pedir perdão por seus crimes contra seringueiros. Era também procurado por seringueiros dos rios vizinhos, que voltavam para suas localidades com papéis assinados por ele ordenando que os patrões parassem de cobrar a "renda por estradas de seringa". Macedo, além de organizador e burocrata era líder carismático. Na realidade, era o que se poderia chamar de um "mestre de cipó", oficiando cerimônias de ayahuasca, um dos meios de integrar aliados que chegavam à região e de tornar coeso o grupo de seringueiros mais próximo a ele, formado por famílias do alto rio Tejo. Afinal, vários seringueiros dessa região, muitos deles com famílias formadas de uniões entre nordestinos migrantes e mulheres raptadas de aldeias indígenas, mantinham cerimônias de uso do "cipó", realizadas em segredo e sob o temor da repressão patronal (e a que assisti já em 1983, bem antes da chegada de Macedo).

Macedo fazia viagens aos Estados Unidos e à Europa, recrutando aliados e seguidores pessoais no exterior e canalizando doações para o escritório de Cruzeiro do Sul. Num de seus atos típicos de improvisação e ousadia, condecorou pessoalmente Paul MacCartney, que apresentava um show no Maracanã. Ademais, mobilizava na cidade de Cruzeiro do Sul uma rede de amigos e aliados, como, por exemplo, comerciantes dissidentes que perceberam que nada teriam a perder fornecendo bens para a cooperativa, membros da igreja e jovens da classe média recrutados nas sessões ayahuasqueiras. No seringais, criou um núcleo de seguidores dispostos a enfrentar riscos de vida para lutar pela cooperativa. Ao articular planos de ação tão diversos e de grande amplitude, rio abaixo e rio acima, Macedo agia como um xamã no sentido definido por Manuela Carneiro da Cunha. Contudo, seria um erro pensar que Macedo atuava apenas como líder carismático. A começar pela Associação dos Seringueiros e Agricultores do Rio Tejo, ele ajudou a fundar uma extensa rede de associações de seringueiros e agricultores por todo o vale do Alto Juruá, fazendo com que o Conselho se tornasse um órgão de apoio não só dessas associações, mas também de movimentos indígenas.

Todo o ano de 1989 foi de crise e agitação social no rio Tejo, em meio ao processo de implantação de uma cooperativa, financiada pelo BNDES, em uma área em que havia a pretensão de privatização das terras por parte de poderosos patrões locais, entre eles, Cameli, que viria a ser eleito governador do estado nos anos seguintes. Não seria possível, no âmbito restrito deste artigo, narrar os detalhes que levaram a Procuradoria Geral da República a intervir na questão, bloqueando de fato o "interdito proibitório". Tampouco cabe detalhar as estratégias que, por meio de ações em Rio Branco, Brasília e São Paulo, procuraram encaminhar uma solução legal para a crise. Esta veio em janeiro de 1990, não por meio do Incra, mas do Ibama, como resultado da atuação tanto da Procuradoria Geral da República como de ações de um Grupo de Trabalho constituído no interior do Ibama com representantes e assessores dos seringueiros. O que cabe destacar é que dessas articulações participaram cientistas naturais e antropólogos, advogados e políticos, sindicalistas e ativistas de diversas Ongs. Como figura de mediação entre esses vários segmentos, Macedo foi a peça principal na luta pela criação da Reserva Extrativista do Alto Juruá, saindo de cena tão logo a reserva foi criada e institucionalizada.

Comentários finais

Pensa-se muitas vezes que poderes hegemônicos possuem uma capacidade incontestável para controlar populações e territórios nas margens do sistema mundial. Nessa visão há pouco ou nenhum lugar para mudança política real e para agentes locais da história. As alternativas à escravização da própria linguagem pelas gramáticas hegemônicas de "desenvolvimento sustentável" seriam ou a paródia a essa mesma linguagem, ou a marginalização voluntária. Mas talvez, como indicamos, haja caminhos imprevistos por meio dos quais se constroem fatos novos em nível local, e que não eram previstos nos esquemas antecipados.

Ao longo da década de 1980, de maneira muito rápida, ocorreu um processo de mudança. Sindicalistas agrários converteram-se em "seringueiros", a reivindicação por lotes de terra deu lugar à demanda de grandes florestas para uso coletivo, a pauta de melhores preços para a borracha deu lugar à defesa da natureza. Novos aliados começaram a aparecer entre os ambientalistas. Ocorreu uma reavaliação do significado da terra, dos limites do sindicalismo e da complexidade dos regimes de propriedade. O resultado foi que, em vez de serem expropriados pela frente capitalista e madeireira, os seringueiros conseguiram no Alto Tejo a expropriação anticapitalista e a posse coletiva da terra.

Para isso, articularam-se personalidades representantes de coletividades em escalas distintas: Chico Ginu, entre o Riozinho da Restauração e Cruzeiro do Sul; Chico Mendes, entre Acre, Rio de Janeiro e Washington; e Antônio Macedo, transitando ao longo desses extremos, do Riozinho a Nova York. Nessa articulação, as idéias do ambientalismo que circulavam em esfera internacional e nacional chegaram aos cantos mais remotos da floresta, juntamente com pessoas de fora, e com recursos materiais. Mas essa chegada não foi feita desordenadamente. O dinheiro era controlado pela associação dirigida por Chico Ginu, por meio de circuitos administrados por Macedo do CNS; as relações com os aliados externos eram, em última análise, condicionadas pelo papel modelar de Chico Mendes. As idéias novas de defesa da natureza e da "ecologia" eram reinterpretadas no âmbito regional e local. De um lado, essas idéias ganhavam um significado social para os sindicalistas que atuavam junto a Chico Mendes; de outro, integravam-se às noções costumeiras que associavam a floresta a uma extensão da sociedade humana, com responsáveis que exigiam respeito, segundo Chico Ginu.

Em suma, o desenvolvimento ocorreu, de fato, de forma desigual e combinada. Desigual, porque se mantinham as diferenças profundas entre as práticas e as ontologias dos altos cursos de rio no Alto Juruá, e entre o modo de vida e os interesses de aliados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Combinado, porque os seringueiros foram capazes de integrar em sua própria esfera de vida os elementos externos, convertendo-os em meios de autodefesa social e moral. Dessa forma, "sem plano, complexa e combinada", seringueiros marginalizados em uma estrutura global-nacional foram capazes de tomar partido de uma conjuntura única e utilizar-se dos meios materiais e simbólicos disponibilizados por ela para construir alternativas históricas que não haviam sido previstas de antemão por ninguém.

Voltando ao vocabulário de Jean-Paul Sartre: Ginu, Macedo e Chico Mendes agiram em um horizonte do possível, que se alargou na conjuntura de transformação da sociedade dos seringais, constituindo a um só tempo a destruição acelerada das condições de vida anteriores e os meios para resistir à proletarização forçada. Ao fazer esse uso historicamente criativo de uma conjuntura de transição, eles afirmaram para si um futuro que não havia sido planejado. Definiram-se "para si" de forma a explodir os limites do que estavam condenados a ser "em si". Estavam destinados pelas estruturas históricas a ser seringueiros-fósseis de antigos ciclos extrativos, reservas de mão-de-obra ocupando vicariamente terras à espera de valorização, até a chegada de um novo ciclo econômico que os expulsaria definitivamente da terra para os subúrbios das novas cidades no estado do Acre. Em vez disso, conquistaram não apenas direitos coletivos à terra, mas também a possibilidade de, sem deixar de ser seringueiros, se tornar antes de tudo cidadãos, políticos, gerentes de associação, professores e pesquisadores.
Acredito que acontecimentos como esse indicam que a história local não tem uma essência predeterminada e inevitável. Ela se configura em atos que podem mudar o rumo das tendências estruturais. A "ecologização" de movimentos sociais no mundo inteiro na década de 1980 foi, em certo sentido, resultado de processos estruturais amplos. Mas por que esse processo eclodiu justamente no Acre? Ou melhor, por que a conjuntura foi utilizada nesse pequeno estado, e ali deu origem às primeiras terras coletivamente apropriadas por populações da floresta? É nesse espaço de subdeterminação que tem lugar a margem de liberdade que amplia o horizonte do possível e que se materializou nas trajetórias de Chico Ginu, Antônio Macedo e Chico Mendes.

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NOTAS

1 Sobre o "povo da floresta", ver, por exemplo, Ghai e Vivian (1992, pp. 13-14) e Taylor (1995, p. 19); sobre "povo das águas", ver Diegues (em Ghai e Vivian, 1992, pp. 141-158), Furtado, Leitão e Mello (1993); sobre garimpeiros, ver Cleary (1990, pp. xxii, 223 e 228). A expressão "movimentos socioambientais" foi utilizada por Ricardo (2002).

2 Ver, entre outros, Parfit (1989); Torres e Martine (1991); Romanoff (1992); Browder (1992).

3 A minha experiência na região não parou aí, mas escolhi o período entre 1982 e 1992 em parte porque é bastante ilustrativo para o desenvolvimento deste artigo; em parte, porque permite um certo distanciamento em relação aos eventos tratados.

4 O Riozinho da Restauração foi o local principal no primeiro período de minha pesquisa de campo, de setembro de 1982 a novembro de 1983. Depois disso retornei a Cruzeiro do Sul em 1986, e ao Riozinho em 1987, na primeira de muitas viagens ao Tejo ao longo da década de 1990.

5 Virtual, mas não legal. Até 1903, alguns ocupantes de seringais registravam suas pretensões a territórios da floresta em cartórios de Manaus, num período em que toda a região era contestada pelo Peru e pela Bolívia. Depois de passar ao domínio brasileiro (tratado com a Bolívia, em 1903, e com o Peru, em 1909), a região tornou-se território federal, mas o governo brasileiro nunca legalizou os títulos de posse. Apenas em 1982 iniciaram-se os processos de regularização fundiária. O Acre foi durante quase toda sua história um vasto território federal de terras públicas, mas foi também um imenso latifúndio assentado no "costume" e na complacência do sistema político e jurídico.

6 As "correrias" devastaram parte considerável dos grupos Pano do alto Juruá, embora os números não sejam conhecidos e não haja estimativas mesmo que grosseiras. Alguns desses indígenas refugiaram-se em território peruano; outros permaneceram no interior de seringais sob a tutela de um patrão, como ocorreu nas vizinhanças do Tejo com os Caxinawa do Rio Jordão. Para mais detalhes, ver Wolff (1999); Pantoja Franco (2001); Vale de Aquino e Iglesias (2002); Mendes (2002); Almeida, Wolff, Costa e Pantoja Franco (2002).

7 Um exemplo clássico é o da exploração de peles para exportação. A similitude com o sistema de seringais foi destacada por Steward e Murphy (1977).

8 A documentação sobre esse processo encontra-se em Almeida (1993, caps. 1-2). Ver também Wolff (1999); Pantoja Franco (2001); Almeida, Wolff, Costa e Pantoja Franco (2002).

9 "Greves" de seringueiros desse tipo tinham precedentes antigos. Há registros orais e documentais de seringueiros que fizeram um movimento similar e expulsaram o patrão-aviado, em 1916. Nesse caso, o líder foi finalmente preso, mas isso demorou um ano para ocorrer. Ver Almeida, Wolff, Costa e Pantoja Franco (2002, p. 119). Na década de 1980, houve as "greves" de 1981 (João Claudino) e de 1987 (Chico Ginu). Outros movimentos desse tipo ocorreram em diversos períodos, de acordo com o relato de seringueiros. Cartas ao governador-interventor do Acre na década de 1940 contêm queixas contra o "estado de rebelião" dos seringueiros do Tejo.

10 Nasci em Rio Branco, Acre. Meu pai trabalhou durante sua infância em seringais; meu avô paterno foi seringueiro no rio Purus; minha avó materna, por sua vez, foi esposa de patrão de seringal empobrecido.

11 Trata-se do que Eduardo Viveiros de Castro chamou de "autodeterminação ontológica" (Viveiros de Castro, 2003).

12 "Empates" são ações coletivas para impedir a derrubada de florestas, a qual era precedida pela expulsão de seringueiros e apropriação de terras. As primeiras iniciativas desse tipo de ação ocorreram no município da Brasiléia com Wilson Pinheiro, e tiveram continuidade com Chico Mendes. Ambos foram assassinados a mando de fazendeiros.

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