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07 outubro 2006

ACIDENTES DE TRABALHO COM MATERIAL PERFUROCORTANTE EM PROFISSIONAIS DA EQUIPE DE ENFERMAGEM DA REDE HOSPITALAR PÚBLICA DE RIO BRANCO - ACRE - BRASIL (*)(**)

Akerna Cristini de Moura Pereira – Graduada em Enfermagem - Universidade Federal do Acre; Andréa Ramos da Silva - Graduada em Enfermagem - Universidade Federal do Acre; Cícero Francalino da Rocha - Graduada em Enfermagem - Universidade Federal do Acre; Iara Soares Cordeiro - Graduada em Enfermagem - Universidade Federal do Acre; Creso Machado Lopes – RN, PhD. Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Acre. Orientador. E-mail: creso@ufac.br

RESUMO. Pesquisa junto a 126 Profissionais da Equipe de Enfermagem das Clínicas Médica e Cirúrgica dos Hospitais Gerais de Rio Branco - Acre - Brasil, para levantar a ocorrência de acidentes de trabalho, ocasionados por material perfurocortante. Fez-se uso de um questionário contendo perguntas abertas e fechadas. Verificou-se que 82,5% são do gênero feminino, 56,4% casado ou juntado, 44,4% possuíam o 2º grau completo e 30,9% o terceiro grau completo, 72,3% exerciam a profissão de 6-20 anos. Por sua vez, 50,8% já sofreram acidentes percutâneo, sendo a Clínica Médica com 66,7% e no período matutino com 45,3%, com agulha de seringa em 52,2%, onde 48,1% acidentaram-se por desatenção e 26,6% por descuido. A conduta após o acidente por 21,0%, foi realizar a assepsia no local e comunicar a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, enquanto que 60,9% não realizaram a notificação por desconhecimento.

Parte 2 (Final)

3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao discorrer sobre a primeira parte do instrumento de pesquisa, versando sobre os dados de identificação, dos 126 sujeitos 22(17,5%) eram do sexo masculino e 104(82,5%) feminino. Tais dados mostram o acentuado número de sujeitos do gênero feminino, representando uma força de trabalho expressiva no setor de prestação de serviços desta natureza. Vargens apud SOUZA & VIANNA (1993), cita em seu trabalho que apenas 5,6% dos enfermeiros no Brasil são do sexo masculino. Portanto, a enfermagem é exercida basicamente por mulheres, que assumem dupla jornada de trabalho decorrente de serviços domésticos e familiares, sem descanso e/ou férias. Essas premissas, segundo estudo realizado por Silva apud SOUZA & VIANNA (1993), favorecem uma maior incidência de acidentes de trabalho entre o pessoal de enfermagem.
Por sua vez, quanto a faixa etária, dos 126 sujeitos entrevistados, 83(65,9%) estavam compreendidos na faixa de 30-44 anos, 34 (27,0%) na de 45 a 60 e 9 (7,1%) na de 20-29.

Quanto ao estado civil, os dados revelam que dos 126 sujeitos, 71(56,3%) são casados/juntados/amasiados, 34(27,0%) solteiros, 17(13,5%) divorciados e 4(3,2%) são viúvos.

Constatou-se que 56(44,4%) dos entrevistados possuem o 2º grau completo, estando neste caso representado pelos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem e 39(30,9%) possuíam o terceiro grau completo, sedo que destes 26(20,6%) possuíam Curso de Pós-Graduação em nível de Especialização, enquanto que os 17 (13,4%) estavam entre o terceiro grau incompleto e primeiro completo.
Observa-se percentagem elevada de funcionários com o 2º grau de instrução completo (44,4%). Para os enfermeiros, há necessidade do superior completo, no entanto, para os Auxiliares de Enfermagem, o pré-requisito é apenas o 1º grau. Desta forma, nota-se que além do esforço em progredir profissionalmente, há uma sobrecarga de atividades: estudo e trabalho.

Quanto a Função/Cargo Ocupado/Profissão, 76(60,3%) desempenham a função de Auxiliar de Enfermagem, seguido por 36(28,6%) como Enfermeiro e 14(11,1%) como Técnico de Enfermagem.

A maioria dos profissionais de enfermagem é representada pela categoria dos Auxiliares de Enfermagem, que são os profissionais que mais permanecem em contato com os pacientes realizando procedimentos que envolvem em sua maior parte a administração de medicamentos e soroterapia, atividades estas que expõem estes profissionais a um risco maior de acidentaram-se, já que os materiais que mais utilizam para a sua execução incluem as agulhas e scalps.
Com relação aos meios de locomoção para chegar ao trabalho, verificou-se que 49(38,9%) utilizam ônibus como principal meio de transporte, 46(36,5%) usam automóvel próprio, 13(10,3%) iam a pé, 10(7,9%) usavam moto própria e os 8(6,4%) restantes utilizavam moto táxi, bicicleta e táxi.

Com relação aos dados relacionados ao tempo de serviço, verificou-se que 91(72,3%) trabalhavam de 6 - 10 anos, seguido por 19(15,0%) 21 a 26 e mais anos, e o restante 16(12,7%) de menos de um ano a cinco anos.

Ao questionar junto aos profissionais quanto ao número de empregos que possuem, constatou-se que 90(70,4%) possuem 1 emprego, 31(24,6%) 2 empregos e apenas 5(4,0%) tem mais de 2 empregos.

Devido aos baixos salários recebidos é comum encontrarmos trabalhadores de enfermagem que possuem mais de um emprego, fator este que aumenta sua exposição aos riscos ocupacionais e a sobrecarga de trabalho.

No tocante aos dados relacionados a acidentes com material perfurocortante, tem-se que 64(50,8%) dos trabalhadores de enfermagem acidentaram-se com OPC e 62(49,2%) afirmaram não ter sofrido acidente.

Vários autores, Furth, Jagger et al., apud SOUZA & VIANNA (1993), demonstraram a alta incidência de acidentes de trabalho ocorridos com materiais perfurocortantes ( agulha, scalps, lâminas de bisturi, de gilete, de barbear, alfinete). Neste estudo encontrou-se também agulhas e scalps como causadores de 70,3% de todos os acidentes.

No que diz respeito as clínicas em que ocorreram os acidentes, observou-se que a maior prevalência deu-se na Clínica Médica representado por 36(66,7%) seguido pela Clínica Cirúrgica com 18(33,3%) dos acidentes.

Ao investigarmos o período em que ocorreu o acidente, tem-se que 29(45,3%) aconteceram no período matutino e 17(26,6%) no período noturno, e 7(10,9%) a tarde.

Os turnos de trabalho na enfermagem hospitalar são obrigatórios para manutenção da assistência nas 24 horas do dia ininterruptamente. Silva apud SOUZA & VIANNA(1993), salienta que as alterações de turno e, principalmente o trabalho à noite, trazem alterações fisiológicas, interferem no sono e repouso, no lazer, prejudicando o relacionamento social e familiar.

Geralmente é opção do funcionário trabalhar no horário da noite, com o objetivo de melhorar o seu orçamento (adicional noturno), como também poder ter outra fonte de renda, ou mesmo estudar. Um trabalho realizado nos Estados Unidos da América por Neuberger & Hartley apud SOUZA & VIANNA (1993), demonstram que o maior número de acidentes na enfermaria ocorre à noite.
Diante destes dados, observa-se uma porcentagem maior no turno da manhã, porém não se pode ignorar o fato de se ter um maior número de procedimentos e concentração de profissionais neste horário.

Ao investigar com qual material havia acontecido o acidente, dos 67 verificou-se que 35(52,2%) ocorreram com agulha de seringa, seguido por 19(28,3%) com scalps e os 13(19,5%) foram por abocath, bisturi, ampolas, agulha de raqui, gilete, instrumental cirúrgico e lanceta.

Grande parte das atividades dos trabalhadores de enfermagem está concentrada na administração de medicamentos e soroterapia, atividades que envolvem a manipulação constante de agulhas e scalps, sendo estas as situações que mais expõem os trabalhadores ao risco de acidentes perfurocortantes.
No que diz respeito ao modo como ocorreram os acidentes, constatou-se que 47(73,4%) foram através da realização ou auxílio de procedimentos, seguido por 11(17,2%) por meio do reencape de agulhas, 3(4,7%) pelo descarte inadequado de OPC e 3(4,7%) pela manipulação de resíduos sólidos hospitalares.

A análise dos dados permitiu a identificação de que o 2º principal fator associado a ocorrência desse tipo de acidente percutâneo é o reencape de agulhas, o qual infringe as precauções-padrão, e que os auxiliares e técnicos de enfermagem são os que mais comumente realizam esse procedimento inadequado.

Ao questionar o que provocou a ocorrência do acidente, identificou-se que 31(48,1%) afirmaram que o motivo foi desatenção, 17(26,6%) alegaram descuido, 9(14,1%) citaram o fato de o paciente encontrar-se agitado, e os 7(11,2%) por diversas causas como, descarte inadequado de OPC, iluminação precária, falta de conscientização, imprevisto, sonolência e um não soube responder.

Diante do descrito anteriormente pode-se perceber que uma série de fatores estão associados à ocorrência de acidentes de trabalho, dentre os quais existe relação direta com a peculiaridade das atividades laborais da enfermagem, da forma de organização do trabalho, do comportamento dos profissionais, das condições de trabalho oferecidas, além da falta de sensibilização/conscientização e a não percepção individual sobre o risco, contribuem para a ocorrência de acidentes de trabalho com material perfurocortante.

Ao investigar quais são os materiais de biossegurança que os trabalhadores de enfermagem devem utilizar para evitar acidentes, constatou-se que parcela significativa dos entrevistados, 116(92,1%) conhecem os equipamentos de proteção individual e apenas 10(7,9%) não conhecem tais equipamentos.

Veronesi & Focaccia apud SOUZA & VIANNA (1993), salientam a importância das precauções devido a impossibilidade de se realizar testes sorológicos para todos os pacientes que são atendidos pelos profissionais da saúde. Apesar de existir alguns artigos que questionam as precauções universais, como o de Manian apud SOUZA & VIANNA (1993), considera-se necessário constante treinamento, com orientação em serviço, com o objetivo da conscientização geral da necessidade do uso de tais precauções, evitando maiores conseqüências a todos os trabalhadores que atuam na área da saúde. Daí, a importância de todos os profissionais de saúde não apenas conhecerem, mas utilizarem os equipamentos de proteção individual.

De acordo com a conduta tomada pelos sujeitos do estudo, após o acidente com material perfurocortante, 14(21,0%) fizeram assepsia no local da lesão e comunicaram a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, seguido por 10(15,6%) que fizeram apenas a assepsia, 8(13,5%) comunicaram a Enfermeira e os demais 31(49,9%) tomaram diversas providências, como: fizeram exames, comunicaram ao médico, a vigilância epidemiológica, procuraram a Coordenação Estadual de DST/AIDS, como também um que não tomou nenhuma providência.

No que se refere a notificação do acidente ocorrido com material perfurocortante, verificou-se que dos 64 acidentados, 39(60,9%) não notificaram o ocorrido e apenas 25(39,1%) notificaram. Dos que não notificaram 14(35,8%) não o fizeram porque desconheciam que era preciso notificar, seguido de 10(25,6%) que não julgaram necessário e os 15(38,6%) restantes, acharam que o acidente foi simples, por falta de tempo, a sorologia do paciente era negativo dentre outros motivos.

Embora se constitua uma prática legalmente exigida, foi constatado por 14(35,8%) dos trabalhadores que apresentaram déficit de informações sobre a obrigatoriedade e a importância do registro do acidente, pois através do número de ocorrência se torna possível diagnosticar a gravidade do problema e planejar medidas específicas de prevenção a população trabalhadora da instituição em cada ambiente de trabalho.

O desconhecimento da necessidade de registro apontado pela maioria dos entrevistados revela o grau de desinformação dos trabalhadores de enfermagem em relação aos aspectos epidemiológicos e jurídicos envolvidos nesta preocupante situação.

Destaca-se ainda os 10(25,6%) que julgaram ingenuamente não ser necessário a notificação, fato que pode estar relacionado a crença de que não seria atingido pela infecção e a falta de importância atribuída pelos próprios trabalhadores às pequenas lesões causadas por agulhas. Salienta-se que todos os acidentes com material perfurocortante devem ser notificados e cabe ao médico especialista avaliar a necessidade de realização de exames laboratoriais e o tratamento preventivo com antiretrovirais.

Com relação ao número de sujeitos que fizeram curso de biossegurança constatou-se que a grande maioria dos trabalhadores de enfermagem, 80(63,5%) não participaram de nenhum curso sobre este tema, enquanto que apenas 46(36,5%) haviam participado.

Dos 126 pesquisados, 123(97,6%) conheciam as principais doenças que podem ser transmitidas em acidentes com objetos perfurocortantes e somente 3(2,4%) não souberam responder ao questionamento.

Ao investigar o que representou para os entrevistados que sofreram acidentes aguardar o aparecimento ou não de doença, 89,1% referiram preocupação, ansiedade, medo, stress, nervosismo, angústia, desespero e pânico, 4(6,2%) tranqüilidade, 2(3,1%) não souberam responder e 1(1,6%0) diz que depende do acidente.

Estes dados revelam o sentimento de pesar e medo que cerca a mente dos profissionais de enfermagem que já se acidentaram com objetos perfurocortantes e revela a preocupação destes diante da possibilidade de terem adquirido alguma doença em seu ambiente de trabalho decorrente do acidente.

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização da presente pesquisa abordando a temática dos acidentes ocorridos com material perfurocortante entre os trabalhadores de enfermagem, foi extremamente importante, pois através dela verificou-se a ocorrência de acidentes em parcela significativa da equipe de enfermagem, representada por 50,8% dos pesquisados, sendo que destes 52,2% sofreram acidente percutâneo com agulhas de seringa.

Um fato relevante diz respeito ao grau de informação dos entrevistados com relação aos materiais de biossegurança que devem ser utilizados para evitar a ocorrência de acidentes, bem como quais são as doenças que podem ser transmitidas após acidente percutâneo.

Por outro lado, constatou-se que a grande maioria dos acidentados, 60,9% não realizaram a notificação do acidente, destacando-se o desconhecimento da necessidade de notificação.

Estes dados revelam que todas as categorias de profissionais de enfermagem estão sujeitos a acidentes com material perfurocortante e o planejamento e a implementação de orientações específicas e sistematizadas à equipe de enfermagem se fazem necessárias e urgentes para que estes profissionais adotem o exercício profissional seguro.

Além disso, o elevado índice de acidentes não notificados nos fazem inferir que não existem exigências de se instituir uma política de informação por parte dos órgãos trabalhistas fiscalizadores junto às instituições e que a enfermagem se revela como uma classe que pouco questiona suas condições de trabalho.
A partir do que foi exposto anteriormente, considera-se necessário agregar programas educativos à aquisição de material de segurança, adequação da organização do trabalho e ao incentivo à notificação para controlar e prevenir os acidentes com objetos perfurocortantes entre os trabalhadores de enfermagem.

Assim de posse destes resultados espera-se contribuir com as autoridades do setor da saúde, direção das unidades hospitalares, chefias de enfermagem, conselho de representação de classe e de categorias profissionais no conhecimento da problemática estudada, para que medidas possam ser tomadas na minimização dos problemas de acidentes com material perfurocortante.

5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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(*) Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado a Coordenação do Curso de Enfermagem da Universidade Federal do Acre, para obtenção do Grau de Bacharel em Enfermagem - 2004.
(**) Publicado no Online Brazilian Journal of Nursing [Online] 2004 December; 3 (3)