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09 outubro 2006

O FAMOSO E RARO SELO DA REPÚBLICA ACREANA DE GALVEZ

Acre: Boliviano, Independente e Brasileiro. Aspectos Filatélicos do Estado Independente do Acre (*)

por Rubem Porto Jr., Clube Filatélico do Brasil

Com um território de 152.589 km2, até meados do século passado o Acre era habitado apenas por algumas tribos indígenas. Sua metade sul pertencia à Bolívia e sua metade norte ao Peru. Por esta terra distante e desconhecida de vez em quando aventuravam-se cientistas estrangeiros. Até que um certo dia um desses aventureiros descobriu um objeto estranhíssimo, que desafiava a lei da gravidade, pois jogado ao chão batia e subia. Estava descoberta a borracha e com ela mudava a face do território. Começavam os seringais organizados, numa colonização que se fez contra índios, mas também contra bolivianos e peruanos. As grandes secas que assolaram o Nordeste – particularmente o Ceará – na década de 70 do século XIX forneceriam a mão-de-obra. A borracha acreana faria o fausto de Manaus.

O Vale do Acre, centro da produção, no sul do estado, pertencia à Bolívia. Porém, a ocupação boliviana naquela região tão distante e diferente do altiplano não ia muito além da existência de um posto do exército em Puerto Alonso.

Território boliviano, mas ocupado por brasileiros. A borracha, de grande valor comercial na Europa, era exportada via Manaus, mas pagava taxas à Bolívia. Na década de 90 do século XIX, a tentativa de formar um truste com capital norte-americano, o "Bolivian Syndicate", que arrendaria uma parte do território e controlaria a produção foi o estopim para grandes mudanças.

Os governos do estado do Amazonas e do Brasil incentivaram e forneceram apoio para o estabelecimento de uma revolta. Em 1º de maio de 1899 uma junta revolucionária liderada pelo cearense José de Carvalho expulsou os bolivianos e passou a administrar o território. Teve curta existência. Porém, em 14 de julho do mesmo ano, as tropas do aventureiro espanhol Luíz Galvez tomaram Puerto Alonso.

Não foi bem da maneira que conta Márcio Souza no divertido Galvez, Imperador do Acre. O espanhol proclamou uma república independente e, para forçar o reconhecimento internacional e poder passar a cobrar taxas de exportação da borracha, promoveu um boicote da venda deste produto. No dia seguinte, pelo decreto no 1 de 15 de julho de 1899, Luiz Galvez Rodrigues de Arias, chefe do governo provisório, proclama a independência do Estado do Acre e cria o Estado Independente do Acre. Pelo decreto n0 15, Galvez organiza os correios e, encomenda à Casa Impressora Monkes, de Buenos Aires, a confecção de diversos selos com valores diferentes. Os selos foram impressos em folhas de 50 exemplares e enviados para o Acre, via Manaus.

Entretanto, na última etapa da viagem, uma canhoneira brasileira apreendeu o barco e todas as mercadorias que ele transportava, incluindo os selos. É sabido que todos os selos foram destruídos, porém, são conhecidos alguns exemplares remanescentes de uma única folha que havia sido enviada como amostra. Existe um único múltiplo conhecido, tratando-se de um par horizontal. Tanta ousadia, por parte de Galvez, não poderia durar muito. Contrariando os interesses dos bolivianos, dos seringalistas, dos atravessadores de Manaus e do governo do Amazonas, a república independente foi dissolvida.

Mas em 1903, o gaúcho Plácido de Castro organizou um exército de seringueiros, desta vez com uma promessa básica: distribuir terra. No dia 24 de janeiro os bolivianos são vencidos e Puerto Alonso tornou-se Porto Acre. O objetivo era a anexação ao Brasil, mas o Acre permaneceu num primeiro momento como território independente e o Brasil o reconheceu como região em conflito. O Exército brasileiro controlava parte do território e Plácido de Castro controlava sua porção mais ocidental. Nesse mesmo ano porém o Exército desarmou Plácido de Castro. Como afirma o historiador Antonio Alves, presidente da Fundação Elias Mansour (que faz as vezes de secretaria de cultura do estado): “Um estado que tinha o segundo produto de exportação, com um líder carismático, um exército autônomo, um povo em armas, era muito perigoso para o Brasil”.

Paralelamente, o Barão do Rio Branco negocia o Tratado de Petrópolis, pelo qual a Bolívia reconheceu a soberania brasileira sobre o Acre em troca de alguns milhares de libras esterlinas e da promessa de construção de uma ferrovia que possibilitaria a saída dos produtos bolivianos pelo Atlântico. Plácido de Castro é assassinado poucos anos depois. Mas temeroso daquele povo em armas, o governo brasileiro criou a figura exdrúxula do território para enquadrar o Acre. Prossegue Antonio Alves: “O Brasil é uma república federativa, é a união dos estados da federação. Mas cria-se um território que não é estado. Ele pertence e é administrado pelo conjunto dos outros estados e passa a ser governado por interventores federais. Isso cria na população um sentimento de revolta“. Este longo período sem autonomia – o Acre só vai se tornar estado em 1962 – criou um sentimento oposicionista na população, que às vezes ganhava até um tom meio separatista”.

Em 1913, com a introdução no mercado da borracha plantada pelos ingleses na Malásia, o preço da borracha amazônica despencou e o Acre começou a viver um longo período de decadência econômica, período esse brevemente interrompido durante a Segunda Guerra Mundial. Muitos se foram, mas os seringueiros que ficaram obtêm a permissão para plantar (atividade proibida no auge da borracha). Começou a haver agricultura. Também outras riquezas da floresta passam a ser exploradas, como a castanha, a madeira, pele de animais, óleos, ervas etc. Inicia-se uma nova ocupação da floresta. Forma-se assim uma economia um pouco mais diversificada, realmente florestal e uma sociedade cuja convivência com a floresta deixou de ser de conflito com os índios, de conquista, de colonização. Estabelece-se um padrão civilizatório com uma vertente indígena e uma vertente nordestina muito forte. Passa-se a ter a formação da consciência de um povo, noção de regionalidade e uma linguagem comum.

(*) Artigo originalmente publicado na página do Clube Filatélico do Brasil em 17/11/2003.

Figuras (de cima para baixo):
Figura 1: envelope circulado para a região de conflito durante a revolte acreana, circulada do Acre para São Paulo. Observar o carimbo “FORÇAS EM OPERAÇÕES CONTRA OS REBELDES”.
Figura 2: Correspondência circulada durante o período de vigencia do Estado Independente do Acre.
Figura 3: O famoso e raro selo do Estado Independente ao Acre