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22 setembro 2007

POR QUE FALTAM JUÍZES, PROMOTORES E DELEGADOS DE POLÍCIA NO INTERIOR DA AMAZÔNIA?

No Amazonas, Juízes designados para atuar em comarcas do interior tinham direito a folgar cinco dias de cada mês para ir para a capital do Estado, Manaus. Presidente do TJ do Amazonas acabou com a "folga", mas a Associação dos Magistrados do Amazonas (Amazon) já divulgou que pretende discutir o caso no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo eles, "A magistradura não é sacerdócio e não pode ser fator desagregador de famílias" (A Crítica, 22/09/2007).

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

A permissão desse tipo de privilégio por parte da administração da justiça nos Estados da Amazônia é que faz com que o interior da região seja eternamente carente de juízes, promotores e defensores. Informalmente parece que existe um pacto pelo qual a atuação no interior é uma etapa "indispensável" para os novos integrantes da justiça. É como ir para o purgatório, antes de chegar ao céu, representado pela transferência definitiva para a capital dos Estados.

Esta leniência é que permite que ocorram casos como o do promotor público da cidade de Cruzeiro do Sul, que esticou, sem justificativa aparente, a folga da semana do feriadão. O fato foi tão gritante e escandaloso que o MP do Acre foi obrigado a abrir sindicância para averiguar o acontecido.

E a solução do problema é complicada porque estamos no Brasil, país onde quem tem alguma chance de exercer o poder, sempre aproveita a oportunidade de se auto-privilegiar ou privilegiar os pares.

Uma vez contei a um amigo americano que nos visitava que vivi muitos anos em uma cidade do interior do Acre, Tarauacá, que não tinha juiz ou promotor permanente. Eles vinham "de passagem", ficando alguns dias apenas. Eu tentei explicar a ele que aquilo acontecia porque era uma cidade do interior, sem muita estrutura, que provavelmente um promotor ou juiz "não iria gostar" de morar.

Ele então questionou:

- Mas se uma pessoa é contratada para trabalhar em uma cidade, ela não tem que viver por lá? Como dá para trabalhar em um lugar e viver em outro? Quem paga as despesas de deslocamento?

Lá nos Estados Unidos, se uma pessoa não tem a intenção de realmente "trabalhar" no local para onde foi designado, é demitida ou forçada a pedir demissão. Ela tem o direito de ser livre para tentar emprego na cidade em que deseja! - completou ele.

Ele tem razão. Se essa lógica simples se aplica aos Estados Unidos, deveria se aplicar também ao Brasil. Vejam que ambos os países possuem dimensões continentais e dezenas de cidades minúsculas no seu interior. Lá todas elas possuem seu juiz, promotor e delegado de polícia. Porque aqui tem que ser diferente?

Vejam que a maioria dos concursos para juízes, promotores e delegados é justificada porque se diz que os contratados irão ocupar vagas em cidades do interior onde não existem tais autoridades. Esta é a justifica que o poder judiciário e executivo usa para que o legislativo autorize as despesas que serão efetivadas com as novas contratações.

Acontece que pouco tempo depois que os novos servidores são empossados, alguns deles, "de alguma forma", conseguem transferência. Se não der para vir imediatamente para a capital, serve uma cidade das proximidades. É uma espécie de "cerco ao alvo". Mais algum tempo, e a maioria consegue seu objetivo inicial: atuar na capital. E o interior? Fica carente de autoridade judiciária e policial até que um novo concurso seja realizado. E então um novo ciclo de "cerco ao alvo" se inicia. Tudo pago pelos clientes dos serviços dessas autoridades, os contribuintes.

No Acre, por exemplo, falta Delegado de Polícia até em Cruzeiro do Sul, a maior cidade do nosso interior. Não que não existam Delegados nos quadros da Secretaria de Segurança. É que, de uma forma ou de outra, eles conseguem passar nos concursos e "ficar" pela capital mesmo. Como muita gente diz: "quem é doido de ir para o interior se pode ficar na capital!" O jeitinho brasileiro dá jeito em tudo...

A verdade é que se não houver uma mudança "sensata" no sistema administrativo da justiça e da polícia para controlar a transferência de juizes, promotores e delegados das cidades do interior, a situação de precariedade da atuação dessas autoridades por lá vai ser eternamente "precária". Elas, as transferências, são uma tragédia para estas cidades menores.

Ao ser transferido, um juiz, promotor ou delegado vai se somar a um grupo já existente na capital e vai contribuir para melhorar ainda mais a atuação do poder que ele representa nessa cidade. Sua saída do interior não significa uma diminuição de um grupo, mas a extinção temporária do mesmo. Enquanto na capital a justiça e a polícia vão funcionar ainda melhor, no interior a situação vai ficar muito precária e, muitas vezes, ser temporariamente paralisada.

O custo do remédio para a situação é mandar alguém da capital para "desafogar" a situação no interior. Quando isto acontece fica claro que a transferência não fez sentido algum. Só aumenta as despesas pois ninguém viaja para o interior se não for ganhando diárias e outros tipos de auxílios. Quem paga esta conta? Nós, os contribuintes.

Por isso, a justificativa para as constantes transferências tem que ser muito consistente. Desagregação familiar, como os magistrados amazonenses querem usar para justificar a manutenção da folga mensal de cinco dias, não deveria sequer ser mencionada.

Cabe então uma pergunta:

- Qual justificativa de transferência seria tão importante para que a mesma possa ser autorizada?

Vejam que, na maioria das vezes, ao ter que abrir mão - mesmo que à revelia da vontade de sua população - de um juiz, promotor ou delegado de polícia, a pequena cidade do interior fica desprovida da autoridade transferida.

A continuidade das transferências, portanto, dá a impressão que a vontade individual de alguns vem sendo imposta, faz muito tempo, a uma demanda do coletivo que paga - inclusive financeiramente - por toda a situação. Definitivamente, na situação atual, as prioridades estão invertidas.