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26 novembro 2007

PESQUISADOR NA AMAZÖNIA, UMA ESPÉCIE RARA

Rara e ameaçada de extinção: há apenas 1.500 doutores em atividade, metade deles perto da aposentadoria

Herton Escobar, “O Estado de SP”

Não faltam apenas soldados do Exército e fiscais do Ibama para proteger a Amazônia. Do ponto de vista científico, a floresta é também um tesouro biológico quase totalmente desguarnecido.Há mais doutores na Universidade de São Paulo (USP) que na Amazônia Legal inteira – com seus nove Estados, 23,5 milhões de habitantes, dez universidades federais, cinco estaduais, três institutos federais de pesquisa e 4,2 milhões de quilômetros quadrados de floresta recheados com a maior biodiversidade da Terra.

Enquanto a USP tem 5.028 doutores, a Amazônia inteira tem apenas 3.435 – uma diferença de 32%.“A soberania da Amazônia não é uma questão bélica, é uma questão de conhecimento”, resume o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Adalberto Luís Val. “O primeiro passo para proteger é conhecer.”Além de o número de doutores ser pequeno, metade deles está envolvida em atividades administrativas e não pesquisa em tempo integral. “Na bancada mesmo, devemos ter uns 1.500 doutores, na melhor das hipóteses”, estima Val.

Desse contingente, metade tem mais de 50 anos. Muitos estão perto de se aposentar e um bom número está defasado em relação às tecnologias mais modernas de pesquisa, como a biologia molecular.“Estamos chegando muito perto de uma situação dramática. Precisamos repor esse pessoal urgentemente, ou a capacidade da região de produzir informações sobre ela mesma será drasticamente reduzida”, afirma Val. O seu instituto, o Inpa, já perdeu cerca de 500 funcionários nos últimos 20 anos. O último concurso foi em 2002.

“Pesquisador é a espécie mais rara da Amazônia”, ironiza a ecóloga Albertina Lima, especialista em anfíbios e funcionária do Inpa há 27 anos. “E ameaçada também. Temos data marcada para desaparecer.”O resultado aparece claramente nas estatísticas de produção científica: 70% dos trabalhos publicados sobre a Amazônia no mundo não têm um único autor com endereço brasileiro.Apesar de o Brasil ser dono de mais de 60% da Amazônia, quem produz a maior parte do conhecimento sobre ela são os estrangeiros. Só 30% dos trabalhos trazem o nome de alguma instituição nacional, e apenas 9% são assinados por algum pesquisador – brasileiro ou estrangeiro – que vive de fato na Amazônia. O restante é de pesquisadores de outros Estados que têm projetos na região, mas que não possuem vínculo direto com a Amazônia.

Isso ajuda, mas não resolve. “Estudar a Amazônia de dentro da Amazônia é uma coisa; estudá-la de fora é outra, bem diferente”, diz a pesquisadora Ima Vieira, diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém.É fundamental, dizem lideranças científicas e acadêmicas, que a região tenha seu próprio quadro de pesquisadores, formados e empregados dentro da Amazônia. Não só para estudar os bichos e as plantas da floresta, mas para entender o clima, planejar cidades, cuidar da saúde pública, modernizar a indústria, abrir negócios, tornar a agropecuária sustentável, ter idéias e criar oportunidades.“A Amazônia precisa de cérebros”, diz o professor Roberto Dall’Agnol, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará (UFPA). “Uma população que não é capaz de gerar conhecimento nunca vai ser independente, vai ser sempre uma colônia, de uma maneira ou de outra.”

“Importar conhecimento nunca é satisfatório”, reforça o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o matemático Jacob Palis. Se fosse, dizem os cientistas, não precisaria existir pesquisa científica e tecnológica no Brasil – bastaria trazer tudo pronto de fora. O mesmo vale para a Amazônia: a região precisa de competência própria para se desenvolver de maneira ambiental e economicamente sustentável.Mas o caminho é longo. A Região Norte tem o menor número de programas de mestrado e doutorado do País (93), e nenhum deles com nota máxima de qualidade (7), segundo a última avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O de melhor colocação é o de Geologia e Geoquímica da UFPA, com nota 6. A nota média da região é 3,34, a mais baixa do País.Parte do problema é a inexperiência: a pós-graduação na Amazônia é ainda muito recente. Outra é a falta de recursos.

A Amazônia abriga 12% da população e contribui com 8% do Produto Interno Bruto (PIB) do País, mas recebe apenas de 2% a 3% dos investimentos federais em ciência e tecnologia. Atrair bons professores e pesquisadores do Sul e Sudeste é difícil: a infra-estrutura é precária, há poucas vagas e os salários não são competitivos.A maior região territorial do País é a menor em quase todos os índices do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Capes, incluindo distribuição de bolsas, cursos de pós-graduação, número de professores qualificados e participação em editais de pesquisa.

A situação só começou a melhorar nos últimos anos, em grande parte com a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), versão local da poderosa Fapesp paulista, que deu maior competitividade ao Estado na disputa por recursos federais, além de canalizar parte da carga tributária local para investimentos em ciência e tecnologia.Na virada de 2005 para 2006, houve uma surpresa: a Região Norte foi a única que cresceu em investimentos de fomento à pesquisa do CNPq – passou de R$ 11,6 milhões para R$ 22 milhões, um aumento proporcional de 5% para 10% do total nacional. Todas as outras perderam recursos, inclusive o Sudeste. O valor total das bolsas destinadas à região também aumentou de R$ 15 milhões para R$ 21 milhões. No total de investimentos, porém, a Amazônia ainda ocupa a última colocação.

Os recursos extras são bem-vindos, mas só resolvem o problema se houver gente capacitada para gastá-los. Mais uma vez, a formação e a qualificação dos pesquisadores é essencial.“Temos de formar gente na Amazônia, essa é a prioridade número 1”, diz o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Marco Antonio Raupp. “O instrumento básico da ciência é a cabeça. Você pode ter um laboratório sem equipamento nenhum, mas, se tiver boas cabeças trabalhando nele, alguma coisa sempre acontece. Se tiver infra-estrutura, mas sem cabeças, não acontece nada.”Enquanto a região não consegue formar seus próprios especialistas em quantidade (e qualidade) suficiente, a solução tem sido o intercâmbio de professores e alunos com instituições do Sul e Sudeste, promovido pelo programa Acelera Amazônia, da Capes.

A abertura de vagas também é essencial. A Academia Brasileira de Ciências apresentou recentemente uma proposta ao governo federal para a contratação de 2 mil a 3 mil doutores na região amazônica até 2010, com uma combinação de recursos federais e estaduais. Só a concessão de bolsas não basta, dizem os especialistas, pois não há garantia de emprego para o pesquisador. “Bolsa é uma ferramenta de formação, não de fixação”, alerta Adalberto Val. “É um paliativo.”“O que nós queremos é uma USP na Amazônia. Será que é pedir demais?”, cobra Val, que há anos batalha pela valorização da pesquisa na região. “Se São Paulo consegue ter três instituições de grande porte (USP, Unicamp e Unesp, as três universidades estaduais), por que é que não conseguimos ter uma na Amazônia inteira? Estamos falando de metade do território brasileiro! É um desequilíbrio brutal.”