MUDANÇA DO FUSO HORÁRIO É GOLPE CONTRA A LUTA HISTÓRICA DA CLASSE TRABALHADORA
"A idéia que o trabalhador já acorda cedo, portanto, deixem mudar o fuso, é uma posição debochada, porque faz vista grossa para a condição do trabalhador e a sua submissão a regras pesadas que não respeitam o seu direito ao descanso...quando o fuso horário fere essa regra, está desprezando as vitórias que a classe trabalhadora obteve em séculos de lutas..."Mário José de Lima
Economista
[*artigo originalmente publicado em maio de 2008]
Esses dias em algumas mensagens e conversas telefônicas, o tema da mudança do fuso horário tem permanecido a minha volta. Algumas das mensagens são, apenas, concordando com os termos de algumas intervenções que fiz, servindo-me dos blog's do Altino e o Evandro. Em outras, os autores levantam dúvidas ou pedem algum tipo de esclarecimento. Alguns se declaram partidários da mudança. Nestes chama a atenção o fato de que concordam por serem eleitores do senador Tião Viana.
Algumas pessoas querem saber por que insisto em que o deslocamento do horário é prejudicial às condições de saúde, principalmente, saúde mental das pessoas. Nesse tipo de ponderação, as pessoas afirmam que seria mais adequado assumir a posição do Evandro que insiste na realização do plebiscito.
Acredito que, neste caso, é preciso que as pessoas vejam que não há uma separação entre a minha posição e a do Evandro. As duas estão relacionadas e integram o mesmo complexo da argumentação favorável a que não se mude o fuso horário. Decidir que o assunto deve ser resultado de uma posição coletiva, como afirma o Evandro, tem por base o reconhecimento que a mudança do fuso horário é assunto importante para o conjunto da população. Ademais, o próprio Evandro manteve uma posição que visava, também, construir um argumento que recorresse ao esclarecimento do tema quando recorre aos aspectos técnicos.
Quando avancei outra linha de argumentação, o fiz, consciente, da existência de outra linha de argumentação favorável à mudança, afirmando que as mudanças favoreceriam a população como um todo ou, freqüentemente, apelava para a idéia do benefício aos trabalhadores, à classe trabalhadora.
Existem muitos aspectos técnicos a serem considerados, a ponto de alguns deles não terem sido esgrimidos ao longo das intervenções. Um exemplo pode ser colhido em algumas das intervenções defendendo mudança: quando recorriam a comparações entre o nascer do sol na região e em Porto Alegre, os defensores da mudança faziam vista grossa a aspectos como o da diferença, por exemplo, entre a duração do período de luminosidade – duração do dia – entre regiões. Estamos muito próximo à linha do Equador, estamos numa faixa do planeta com uma relação com a luz solar muito diferente a das regiões mais ao sul ou mais ao norte. Nosso período de luminosidade é maior e temos oscilações menores quando o período que compreende o dia menor. Por outro lado, estamos, também, numa região de temperatura muito mais elevada que nas regiões ao norte e ao sul o que leva a desgastes muito maior para o trabalhador.
Além disso, devemos considerar outros aspectos que se articulam a esta questão da medição do tempo, aspectos sociais que decorrem da forma como se organizam as sociedades, aspectos de largo espectro e enraizado nas relações entre classes sociais.
A organização de um sistema horário mundial, já tinha por trás de si momentos onde o sistema capitalista postava-se na organização das relações entre as nações muito em função das necessidades postas pela acumulação de capital que funda as condições de reprodução da realidade capitalista.
O relógio penetra profundamente nas relações de uma luta que perpassa a realidade capitalista dado que associada a uma relação entre a classe trabalhadora e a classe burguesa. Enquanto a classe capitalista usa o relógio como mecanismo para a organização do trabalho em vista de seus interesses de controle e dominação, a classe trabalhadora o usa para construir medidas apoiadas em seu bem-estar.
O capitalismo surgiu apoiando o regime de trabalho sem qualquer consideração a duração da jornada de trabalho – assim como fez na região acreana, cem anos atrás, nos seringais, quando o trabalhador desenvolvia uma jornada das mais brutais. Foi a luta da classe trabalhadora que fundou regras de duração da jornada, e do tempo necessário ao descanso, à reposição das forças do trabalhador. Observe-se que tal recuperação labora em benefício do capitalista, dado que um trabalhador descansado é capaz de render mais na geração de mais-trabalho que engorda os balanços dos capitalistas com lucros maiores.
A questão do tempo foi, cada vez mais impondo seu predomínio sobre as relações entre capital e trabalho, a medida que o regime capitalista avança no desenvolvimento das bases técnicas de produção. Os estudiosos da questão do trabalho chamam a atenção para o fato de que, hoje, no chão da fábrica, o tempo é contado através de cronômetro.
Algumas rotinas são tão comuns, nos dias atuais, que a sua origem é esquecida. Por exemplo, o trabalho noturno, dado o fato de que muita gente trabalha no período noturno, esconde o fato de que foram fixadas regras especiais, diferentes das regras para o trabalho diurno. O período noturno é o período adequado ao descanso, como resultado do longo tempo da evolução que nos levou a condição humana da atualidade. Esse fato foi reconhecido pela legislação trabalhista graças à luta da classe trabalhista. Assim, quando o fuso horário fere essa regra, está desprezando as vitórias que a classe trabalhadora obteve em séculos de lutas marcadas pela violência da classe dominante. O novo fuso horário empurra a atividade do trabalhador noite adentro. A idéia que o trabalhador já acorda cedo, portanto, deixem mudar o fuso, é uma posição debochada, porque faz vista grossa para a condição do trabalhador e a sua submissão a regras pesadas que não respeitam o seu direito ao descanso.
Vista assim, a questão remete, muito rapidamente, para a consideração das mudanças nos níveis de bem-estar que a mudança imporá à população. Isto apóia a argumentação do Evandro ou a do Altino Machado que defendem, muito claramente, e, em primeiro plano, a realização do plebiscito.
Também concordo com o plebiscito, pelos motivos expostos. Aos eleitores do senador Tião Viana, cabe observar que não nos opomos a ele, ou seja, não se trata de uma oposição geral e absoluta. Apenas defendemos pontos de vista diferentes, neste caso, dado que entendemos que esses devam ser os argumentos a instruir a mudança do fuso horário. Na primeira eleição do senador Tião, dei a ele meu voto. Ainda era eleitor no Acre, condição que alterei, mais recentemente, para não me manter alheio às lutas políticas do nosso tempo. O que esperamos é que o senador e o deputado Diniz incorporem aos seus argumentos o que oferecemos em nossas intervenções. Se assim o fizerem agirão em benefício da classe trabalhadora regional.
Nota: Mário Lima, falecido recentemente, foi um dos que argumentou de forma consistente contra a mudança do nosso fuso horário.
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