INSS COBRARÁ DE MOTORISTAS GASTOS COM PENSÕES PAGAS A VÍTIMAS
"Não é justo para a sociedade que o INSS, que arca com pesado déficit de suas contas para dar garantias aos segurados, tenha que custear essas despesas, causadas pela má conduta de motoristas que dirigem embriagados, em alta velocidade, provocando graves acidentes com vítimas, ou que trafegam na contramão"
Catarina Alencastro
O Globo
BRASÍLIA - O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) resolveu cobrar de motoristas que provocaram acidentes os gastos com pensões pagas a vítimas. Para isso estão sendo levantadas junto a Ministérios Públicos, polícias rodoviárias e Detrans todas as informações relativas a acidentes de trânsito.
A partir desses dados, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrará com ações contra infratores que comprovadamente são culpados pelos acidentes com vítimas para que eles devolvam aos cofres públicos o valor pago em benefícios como pensão por morte, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente. Anualmente a Previdência Social gasta R$ 7,8 bilhões com esses benefícios.
- Não é justo para a sociedade que o INSS, que arca com pesado déficit de suas contas para dar garantias aos segurados, tenha que custear essas despesas, causadas pela má conduta de motoristas que dirigem embriagados, em alta velocidade, provocando graves acidentes com vítimas, ou que trafegam na contramão - aponta Mauro Hauschild, presidente do INSS.
A AGU deve entrar com as primeiras ações contra infratores de trânsito já em outubro. Os primeiros processos serão movidos em cima de casos graves, nos quais os motoristas já tenham sido condenados por homicídio doloso.
O governo federal vai seguir o modelo usado com as empresas que não previnem acidentes de trabalho. Quando um funcionário se machuca por falta de equipamentos ou de qualificação para o cargo, o INSS entra com pedido de indenização. Até hoje, em todo o país, o órgão já entrou com mais de 1.400 ações desse tipo.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, afirmou, em entrevista na Câmara dos Deputados, que o governo não pode ser responsável por danos causados por "particulares".
- Sou favorável a essa medida. O Estado não pode ser o segurador universal dos danos praticados por particulares. É importante que quando haja dano, tenha a indenização. Não queremos extinguir o seguro, apenas tratar dos gastos do setor público que decorrem de ação particular - afirmou Adams.
Nesse contexto, o diário Folha de S. Paulo publicou, em sua edição de 01/10, na coluna de Tendências/Debates opiniões sobre o tema.
"O INSS deve cobrar de motoristas a pensão das vítimas de acidentes?"
SIM
Marcus Orione
O INSS anunciou que pretende cobrar dos motoristas, na Justiça, os valores gastos em benefícios decorrentes de acidentes automobilísticos por eles causados com dolo (vontade de produzir o resultado danoso) ou com culpa grave.
Motoristas que dirigem embriagados ou em alta velocidade, por exemplo, causam acidentes que, não raro, ensejam o pagamento de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou pensão por morte.
Comprovada a responsabilidade do condutor do veículo, parece-nos juridicamente acertada a pretensão do INSS. Aliás, isso já ocorre quando há acidentes de trabalho que dão ensejo a benefícios quitados pela Previdência Social, devendo responder, em caso de dolo ou culpa grave, as empresas causadoras. Há, aqui, decisões judiciais favoráveis.
A partir da noção de Estado de Direito, é razoável que se adotem medidas contra os motoristas que fazem de seus veículos uma arma. Qualquer política pública relativa à segurança do trânsito poderia contemplar o que o INSS anunciou.
Ressalte-se que os montantes arrecadados devem ser destinados ao melhoramento de atuação da própria entidade. Na medida em que utilizará os seus servidores para a busca desse intento, nada mais justo que os valores se revertam, por exemplo, para reabilitação dos acidentados, serviço que, na prática, quase inexiste.
Se juridicamente tal pretensão nos parece adequada, há também outras implicações a considerar.
Inicialmente, percebe-se que o posicionamento adotado não se encontra no contexto de uma política pública preventiva de acidentes no trânsito. Da forma isolada como o projeto foi colocado, inspira uma forte impressão de que se trata de apenas mais um meio de buscar dinheiro para os cofres públicos.
Aqui, há o risco de que, após uma série de decisões judiciais a respeito do tema, os entes estatais passem a generalizar a busca de numerários por esse método, saindo de situações que são de mais clara responsabilidade do cidadão para outras em que a culpa deste não esteja bem divisada. A generalização dessa atuação pelo Estado seria perigosa, ameaçando a liberdade individual de forma severa.
Da mesma forma, indaga-se: a responsabilidade do próprio Estado também será observada pelo INSS? Afinal, não são incomuns acidentes graves, que geram benefícios previdenciários, em virtude da má conservação de vias públicas. Assim, ao deixar ao abandono estradas que deve conservar, não há uma grave omissão culposa do agente estatal?
Por outro lado, deve-se lembrar que o INSS também é causador de danos aos cidadãos que buscam os seus benefícios. Nessa linha, os casos de negação de pedidos, sem o devido fundamento legal, a demora na obtenção de uma resposta para as postulações administrativas e tantos outros fatos não têm sido geralmente considerados suficientes pelo Judiciário para ensejar o pagamento de danos morais e materiais. Dois pesos, duas medidas?
Por fim, indaga-se: a despeito da correção jurídica da medida, não seria mais adequado que as forças do INSS se voltassem ao melhor atendimento da população que busca os seus serviços e a uma revisão de sua política de concessão de seus benefícios? Nessa linha, evitaria gastos para o Estado como um todo em face da propositura de demandas, o que hoje coloca o INSS no topo da lista dos maiores "clientes" da Justiça.
Por que não se dedicar preferencialmente a suas atribuições específicas, no âmbito das quais, com mais criatividade, poderia aliar eficiência gerencial a maior proteção social?
Marcus Orione é livre-docente e professor de direito previdenciário da Faculdade de Direito da USP
NÃO
Luiz Célio Bottura
Ser segurado do INSS ou de qualquer órgão de previdência pública é um ato compulsório, acerca do qual não cabe qualquer dúvida ou contestação: todo trabalhador formal, seja ele empregado ou autônomo, tem que se submeter à contribuição forçada.
Todo mês, quando recebe seu salário, o trabalhador vê descontado na fonte o dízimo sobre todos os seus ganhos. O empregador paga outra parte, também salgada. Benefícios são poucos, ruins e defasados -pior ainda, morosos. Quando afastado por doença ou acidente, o trabalhador deve se submeter a filas, favores e eventuais "pedágios" para receber.
Na hora de se aposentar, vêm descontos de todos os tipos. O contribuinte tem que se haver com invenções moldadas supostamente para salvar o país da falência. Os reajustes seguem por caminhos duvidosos, que dependem de políticos e de funcionários de governo.
Esses, de seu lado, recebem integralmente e com reajustes de dar inveja -correções que, por alguma razão, ninguém diz desequilibrarem as finanças do país. Todos têm aposentadoria plena e ganham como se estivessem na ativa. Aos aposentados do INSS resta o rótulo de estourarem a Previdência e as finanças públicas.
Num balão de ensaio muito característico dos políticos sem planos ou visão, lança-se agora uma novidade: "Quando o acidente for de trânsito, o culpado terá de pagar a conta".
No Brasil, há por dia mais de 200 mortes no trânsito. Mil pessoas ficam inválidas. Os números variam de acordo com a fonte (uma inconsistência que, aliás, dificulta qualquer planejamento de ações no setor), mas o que se sabe é que boa parte da responsabilidade por essas estatísticas é do governo e de suas operadoras legais.
Por que atribuir ao poder público essa pecha? Pois é a ele que cabe habilitar os condutores, tarefa que cumpre de forma inadequada, revelando-se incapaz de controlar a qualidade da frota e dos viários. A fiscalização da embriaguez dos motoristas, por meio do teste do bafômetro, é outro campo vulnerável no leque de atribuições governamentais nessa matéria.
Se o projeto do INSS de fato vingar, é o governo que continuará pagando a conta da imprudência e da negligência alheias no trânsito -não sem antes congestionar o Judiciário com ações inócuas e mal geridas que só servirão para render lucros aos operadores da lei, os advogados. Poder-se-ia imaginar que são esses (representados por seu setor de marketing, a OAB) que estão à frente desse perigoso projeto?
Por conta da minha vivência profissional e da luta de quase meio século na seara da prevenção a acidentes de trânsito, sei da possibilidade de colocar em marcha soluções de baixo custo. Um exemplo é o programa Melhor Caminho, que dirigi quando estive na presidência da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A, responsável pelo Rodoanel, entre outros), no intervalo entre 1984 e 1987.
O projeto que se anuncia agora atesta a inutilidade da gestão atual do INSS. Temos coisas muito mais importantes para resolver, tanto na previdência quanto no que tange à prevenção de acidentes de trânsito. Chega de permitir a morte de pessoas inocentes de todas as idades.
Estamos em plena década mundial de redução de acidentes de trânsito, iniciativa da ONU que conta com o apoio da Prefeitura de São Paulo.
Luiz Célio Bottura, engenheiro, é ombudsman de prevenção de acidente de trânsito na cidade de São Paulo, ex-presidente da Dersa e ex-membro do Conselho de Administração da CET-SP (Companhia de Engenharia de Tráfego)
Foto: Karol Cavalcante/Ecos da Notícia
Catarina Alencastro
O Globo
BRASÍLIA - O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) resolveu cobrar de motoristas que provocaram acidentes os gastos com pensões pagas a vítimas. Para isso estão sendo levantadas junto a Ministérios Públicos, polícias rodoviárias e Detrans todas as informações relativas a acidentes de trânsito.
A partir desses dados, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrará com ações contra infratores que comprovadamente são culpados pelos acidentes com vítimas para que eles devolvam aos cofres públicos o valor pago em benefícios como pensão por morte, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente. Anualmente a Previdência Social gasta R$ 7,8 bilhões com esses benefícios.
- Não é justo para a sociedade que o INSS, que arca com pesado déficit de suas contas para dar garantias aos segurados, tenha que custear essas despesas, causadas pela má conduta de motoristas que dirigem embriagados, em alta velocidade, provocando graves acidentes com vítimas, ou que trafegam na contramão - aponta Mauro Hauschild, presidente do INSS.
A AGU deve entrar com as primeiras ações contra infratores de trânsito já em outubro. Os primeiros processos serão movidos em cima de casos graves, nos quais os motoristas já tenham sido condenados por homicídio doloso.
O governo federal vai seguir o modelo usado com as empresas que não previnem acidentes de trabalho. Quando um funcionário se machuca por falta de equipamentos ou de qualificação para o cargo, o INSS entra com pedido de indenização. Até hoje, em todo o país, o órgão já entrou com mais de 1.400 ações desse tipo.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, afirmou, em entrevista na Câmara dos Deputados, que o governo não pode ser responsável por danos causados por "particulares".
- Sou favorável a essa medida. O Estado não pode ser o segurador universal dos danos praticados por particulares. É importante que quando haja dano, tenha a indenização. Não queremos extinguir o seguro, apenas tratar dos gastos do setor público que decorrem de ação particular - afirmou Adams.
Nesse contexto, o diário Folha de S. Paulo publicou, em sua edição de 01/10, na coluna de Tendências/Debates opiniões sobre o tema.
"O INSS deve cobrar de motoristas a pensão das vítimas de acidentes?"
SIM
Marcus Orione
O INSS anunciou que pretende cobrar dos motoristas, na Justiça, os valores gastos em benefícios decorrentes de acidentes automobilísticos por eles causados com dolo (vontade de produzir o resultado danoso) ou com culpa grave.
Motoristas que dirigem embriagados ou em alta velocidade, por exemplo, causam acidentes que, não raro, ensejam o pagamento de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou pensão por morte.
Comprovada a responsabilidade do condutor do veículo, parece-nos juridicamente acertada a pretensão do INSS. Aliás, isso já ocorre quando há acidentes de trabalho que dão ensejo a benefícios quitados pela Previdência Social, devendo responder, em caso de dolo ou culpa grave, as empresas causadoras. Há, aqui, decisões judiciais favoráveis.
A partir da noção de Estado de Direito, é razoável que se adotem medidas contra os motoristas que fazem de seus veículos uma arma. Qualquer política pública relativa à segurança do trânsito poderia contemplar o que o INSS anunciou.
Ressalte-se que os montantes arrecadados devem ser destinados ao melhoramento de atuação da própria entidade. Na medida em que utilizará os seus servidores para a busca desse intento, nada mais justo que os valores se revertam, por exemplo, para reabilitação dos acidentados, serviço que, na prática, quase inexiste.
Se juridicamente tal pretensão nos parece adequada, há também outras implicações a considerar.
Inicialmente, percebe-se que o posicionamento adotado não se encontra no contexto de uma política pública preventiva de acidentes no trânsito. Da forma isolada como o projeto foi colocado, inspira uma forte impressão de que se trata de apenas mais um meio de buscar dinheiro para os cofres públicos.
Aqui, há o risco de que, após uma série de decisões judiciais a respeito do tema, os entes estatais passem a generalizar a busca de numerários por esse método, saindo de situações que são de mais clara responsabilidade do cidadão para outras em que a culpa deste não esteja bem divisada. A generalização dessa atuação pelo Estado seria perigosa, ameaçando a liberdade individual de forma severa.
Da mesma forma, indaga-se: a responsabilidade do próprio Estado também será observada pelo INSS? Afinal, não são incomuns acidentes graves, que geram benefícios previdenciários, em virtude da má conservação de vias públicas. Assim, ao deixar ao abandono estradas que deve conservar, não há uma grave omissão culposa do agente estatal?
Por outro lado, deve-se lembrar que o INSS também é causador de danos aos cidadãos que buscam os seus benefícios. Nessa linha, os casos de negação de pedidos, sem o devido fundamento legal, a demora na obtenção de uma resposta para as postulações administrativas e tantos outros fatos não têm sido geralmente considerados suficientes pelo Judiciário para ensejar o pagamento de danos morais e materiais. Dois pesos, duas medidas?
Por fim, indaga-se: a despeito da correção jurídica da medida, não seria mais adequado que as forças do INSS se voltassem ao melhor atendimento da população que busca os seus serviços e a uma revisão de sua política de concessão de seus benefícios? Nessa linha, evitaria gastos para o Estado como um todo em face da propositura de demandas, o que hoje coloca o INSS no topo da lista dos maiores "clientes" da Justiça.
Por que não se dedicar preferencialmente a suas atribuições específicas, no âmbito das quais, com mais criatividade, poderia aliar eficiência gerencial a maior proteção social?
Marcus Orione é livre-docente e professor de direito previdenciário da Faculdade de Direito da USP
NÃO
Luiz Célio Bottura
Ser segurado do INSS ou de qualquer órgão de previdência pública é um ato compulsório, acerca do qual não cabe qualquer dúvida ou contestação: todo trabalhador formal, seja ele empregado ou autônomo, tem que se submeter à contribuição forçada.
Todo mês, quando recebe seu salário, o trabalhador vê descontado na fonte o dízimo sobre todos os seus ganhos. O empregador paga outra parte, também salgada. Benefícios são poucos, ruins e defasados -pior ainda, morosos. Quando afastado por doença ou acidente, o trabalhador deve se submeter a filas, favores e eventuais "pedágios" para receber.
Na hora de se aposentar, vêm descontos de todos os tipos. O contribuinte tem que se haver com invenções moldadas supostamente para salvar o país da falência. Os reajustes seguem por caminhos duvidosos, que dependem de políticos e de funcionários de governo.
Esses, de seu lado, recebem integralmente e com reajustes de dar inveja -correções que, por alguma razão, ninguém diz desequilibrarem as finanças do país. Todos têm aposentadoria plena e ganham como se estivessem na ativa. Aos aposentados do INSS resta o rótulo de estourarem a Previdência e as finanças públicas.
Num balão de ensaio muito característico dos políticos sem planos ou visão, lança-se agora uma novidade: "Quando o acidente for de trânsito, o culpado terá de pagar a conta".
No Brasil, há por dia mais de 200 mortes no trânsito. Mil pessoas ficam inválidas. Os números variam de acordo com a fonte (uma inconsistência que, aliás, dificulta qualquer planejamento de ações no setor), mas o que se sabe é que boa parte da responsabilidade por essas estatísticas é do governo e de suas operadoras legais.
Por que atribuir ao poder público essa pecha? Pois é a ele que cabe habilitar os condutores, tarefa que cumpre de forma inadequada, revelando-se incapaz de controlar a qualidade da frota e dos viários. A fiscalização da embriaguez dos motoristas, por meio do teste do bafômetro, é outro campo vulnerável no leque de atribuições governamentais nessa matéria.
Se o projeto do INSS de fato vingar, é o governo que continuará pagando a conta da imprudência e da negligência alheias no trânsito -não sem antes congestionar o Judiciário com ações inócuas e mal geridas que só servirão para render lucros aos operadores da lei, os advogados. Poder-se-ia imaginar que são esses (representados por seu setor de marketing, a OAB) que estão à frente desse perigoso projeto?
Por conta da minha vivência profissional e da luta de quase meio século na seara da prevenção a acidentes de trânsito, sei da possibilidade de colocar em marcha soluções de baixo custo. Um exemplo é o programa Melhor Caminho, que dirigi quando estive na presidência da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A, responsável pelo Rodoanel, entre outros), no intervalo entre 1984 e 1987.
O projeto que se anuncia agora atesta a inutilidade da gestão atual do INSS. Temos coisas muito mais importantes para resolver, tanto na previdência quanto no que tange à prevenção de acidentes de trânsito. Chega de permitir a morte de pessoas inocentes de todas as idades.
Estamos em plena década mundial de redução de acidentes de trânsito, iniciativa da ONU que conta com o apoio da Prefeitura de São Paulo.
Luiz Célio Bottura, engenheiro, é ombudsman de prevenção de acidente de trânsito na cidade de São Paulo, ex-presidente da Dersa e ex-membro do Conselho de Administração da CET-SP (Companhia de Engenharia de Tráfego)
Foto: Karol Cavalcante/Ecos da Notícia
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