O CÓDIGO DA "MAIORIA"
Pode-se chamar o resultado da votação do Código como algo inerente ao jogo democrático. Pode-se chamar a isso também de crime de lesa-pátria. Na democracia a opinião é livre. Mas as consequências do voto são compulsórias.
André Trigueiro*
Aprovou-se um Código Florestal sem o amparo da boa ciência, que não garantirá segurança jurídica no campo nem livrará o país do desgaste das chamadas “batalhas das liminares”. Foi aprovado um relatório cuja primeira versão, assinada pelo deputado Aldo Rebelo e aprovada no ano passado na Câmara, trazia a seguinte dedicatória: “Aos agricultores brasileiros”. Era a primeira indicação de que o Código Florestal, na verdade, mais se prestava a ser um novo marco regulatório do setor produtivo do que qualquer outra coisa. Não que o Código fosse perfeito, imune a críticas ou ajustes. Mas perdeu-se, já na largada do processo, as condições adequadas para a promoção de um debate franco, aberto, com interlocutores qualificados de diferentes instituições ligadas ao assunto e parlamentares criteriosamente escolhidos por suas respectivas bancadas para conduzir um projeto estratégico de desenvolvimento do país.
Na votação do Código em 1º turno na Câmara, a maioria dos parlamentares votou sem a menor preocupação em conhecer o texto, debatê-lo, fazer propostas ou ajustes. O clima era de insatisfação generalizada na “base aliada” com o tratamento dispensado pelo Palácio do Planalto. Lideranças ressentidas com a falta de diálogo, com a escassez de recursos federais que não estariam mais sendo repassados como antes, e com o clima de “caça às bruxas” causado pela demissão de ministros, deram a resposta no voto. Um voto no escuro. Ninguém sabia dizer ao certo o que era o texto, o que estavam votando e que consequências aquilo teria.
A tramitação do texto no Senado foi alvo de maiores cuidados e menos paixão. Houve avanços em relação ao que foi aprovado na Câmara, mas tanto o relator Jorge Vianna quanto a ministra Izabella Teixeira foram duramente criticados por organizações ambientalistas pelo fato de trabalharem em favor de um acordo possível. Na verdade, o governo deu a impressão de que demorou muito a acordar. Parecia disperso, consumindo precioso tempo e energia em outras frentes de mobilização política. Quando se deu conta, já era tarde. Parte dos ambientalistas também ficou estigmatizada pela aversão ao diálogo.
Embora pesquisas de opinião revelem que a maioria da população é contra as mudanças propostas no Código Florestal, as manifestações de rua ou pela internet contra a proposta de mudança no Código não demoveram a bancada ruralista de sua estratégia: aproveitar o desgaste dos partidos da base aliada com o governo para avançar rapidamente na direção de objetivos mais ousados. É quando entra em cena o deputado Paulo Piau, relator do texto-base que veio do Senado. As 21 mudanças propostas por ele feriram de morte o texto que selava o acordo da base aliada no Senado. O governo se recusou a negociar um texto que era entendido como definitivo, e os dois principais partidos da base aliada, PT e PMDB, deram a mais fragorosa demonstração de que as aparências não enganam: o governo nunca teve uma base aliada sólida. Quem aparece junto na foto, não se sente junto de fato.
O que deveria ser um projeto estratégico, de longo prazo, costurado por pessoas à altura do imenso desafio de assegurar ao Brasil a condição de celeiro do mundo e país megabiodiverso, sem que uma característica exclua a outra, agravou tensões, o dissenso, o fracasso do diálogo.
Os que se apressam em dizer que a maioria venceu devem prestar atenção não apenas ao número final da votação, mas na qualidade do número. Segundo reportagem da Revista Época publicada no ano passado 3.767 candidatos a deputado federal nas últimas eleições captaram R$ 887 milhões para suas respectivas campanhas. Os 513 eleitos mais os 58 suplentes que assumiram alguma cadeira na Câmara após licença do titular foram responsáveis por 70% desse montante. Em resumo: para se eleger deputado federal é preciso muito dinheiro, e é difícil imaginar que os eleitos se sintam totalmente desobrigados a prestar contas ou realizar favores aos que financiaram com tanto empenho suas campanhas.
Pode-se chamar o resultado da votação do Código como algo inerente ao jogo democrático. Pode-se chamar a isso também de crime de lesa-pátria. Na democracia, a opinião é livre. Mas as consequências do voto são compulsórias. A presidente Dilma pode vetar o Código. O Congresso poderá, por sua vez derrubar o veto da presidente. Que o único país do mundo com nome de árvore não transforme o generoso verde de sua bandeira em um tenebroso deserto de esperança e sentido.
*André Trigueiro é jornalista da Rede Globo é escreve no microblog "Mundo Sustentável"
André Trigueiro*
Aprovou-se um Código Florestal sem o amparo da boa ciência, que não garantirá segurança jurídica no campo nem livrará o país do desgaste das chamadas “batalhas das liminares”. Foi aprovado um relatório cuja primeira versão, assinada pelo deputado Aldo Rebelo e aprovada no ano passado na Câmara, trazia a seguinte dedicatória: “Aos agricultores brasileiros”. Era a primeira indicação de que o Código Florestal, na verdade, mais se prestava a ser um novo marco regulatório do setor produtivo do que qualquer outra coisa. Não que o Código fosse perfeito, imune a críticas ou ajustes. Mas perdeu-se, já na largada do processo, as condições adequadas para a promoção de um debate franco, aberto, com interlocutores qualificados de diferentes instituições ligadas ao assunto e parlamentares criteriosamente escolhidos por suas respectivas bancadas para conduzir um projeto estratégico de desenvolvimento do país.
Na votação do Código em 1º turno na Câmara, a maioria dos parlamentares votou sem a menor preocupação em conhecer o texto, debatê-lo, fazer propostas ou ajustes. O clima era de insatisfação generalizada na “base aliada” com o tratamento dispensado pelo Palácio do Planalto. Lideranças ressentidas com a falta de diálogo, com a escassez de recursos federais que não estariam mais sendo repassados como antes, e com o clima de “caça às bruxas” causado pela demissão de ministros, deram a resposta no voto. Um voto no escuro. Ninguém sabia dizer ao certo o que era o texto, o que estavam votando e que consequências aquilo teria.
A tramitação do texto no Senado foi alvo de maiores cuidados e menos paixão. Houve avanços em relação ao que foi aprovado na Câmara, mas tanto o relator Jorge Vianna quanto a ministra Izabella Teixeira foram duramente criticados por organizações ambientalistas pelo fato de trabalharem em favor de um acordo possível. Na verdade, o governo deu a impressão de que demorou muito a acordar. Parecia disperso, consumindo precioso tempo e energia em outras frentes de mobilização política. Quando se deu conta, já era tarde. Parte dos ambientalistas também ficou estigmatizada pela aversão ao diálogo.
Embora pesquisas de opinião revelem que a maioria da população é contra as mudanças propostas no Código Florestal, as manifestações de rua ou pela internet contra a proposta de mudança no Código não demoveram a bancada ruralista de sua estratégia: aproveitar o desgaste dos partidos da base aliada com o governo para avançar rapidamente na direção de objetivos mais ousados. É quando entra em cena o deputado Paulo Piau, relator do texto-base que veio do Senado. As 21 mudanças propostas por ele feriram de morte o texto que selava o acordo da base aliada no Senado. O governo se recusou a negociar um texto que era entendido como definitivo, e os dois principais partidos da base aliada, PT e PMDB, deram a mais fragorosa demonstração de que as aparências não enganam: o governo nunca teve uma base aliada sólida. Quem aparece junto na foto, não se sente junto de fato.
O que deveria ser um projeto estratégico, de longo prazo, costurado por pessoas à altura do imenso desafio de assegurar ao Brasil a condição de celeiro do mundo e país megabiodiverso, sem que uma característica exclua a outra, agravou tensões, o dissenso, o fracasso do diálogo.
Os que se apressam em dizer que a maioria venceu devem prestar atenção não apenas ao número final da votação, mas na qualidade do número. Segundo reportagem da Revista Época publicada no ano passado 3.767 candidatos a deputado federal nas últimas eleições captaram R$ 887 milhões para suas respectivas campanhas. Os 513 eleitos mais os 58 suplentes que assumiram alguma cadeira na Câmara após licença do titular foram responsáveis por 70% desse montante. Em resumo: para se eleger deputado federal é preciso muito dinheiro, e é difícil imaginar que os eleitos se sintam totalmente desobrigados a prestar contas ou realizar favores aos que financiaram com tanto empenho suas campanhas.
Pode-se chamar o resultado da votação do Código como algo inerente ao jogo democrático. Pode-se chamar a isso também de crime de lesa-pátria. Na democracia, a opinião é livre. Mas as consequências do voto são compulsórias. A presidente Dilma pode vetar o Código. O Congresso poderá, por sua vez derrubar o veto da presidente. Que o único país do mundo com nome de árvore não transforme o generoso verde de sua bandeira em um tenebroso deserto de esperança e sentido.
*André Trigueiro é jornalista da Rede Globo é escreve no microblog "Mundo Sustentável"
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